A Câmara Municipal de Lisboa não irá autorizar a realização da manifestação extremista “Contra a Islamização da Europa”, que estava marcada para o próximo dia 3 de fevereiro nas ruas da Mouraria e gerou preocupação entre a comunidade imigrante. A notícia foi confirmada ao Observador por fonte da autarquia, que citou um parecer da PSP que entendeu que o protesto pressupunha “um elevado risco de perturbação grave e efetiva da ordem e da tranquilidade pública”.

O parecer das autoridades era, de resto, aquilo de que a Câmara Municipal estava à espera para se pronunciar sobre se a manifestação, convocada por grupos com ligações à extrema-direita, podia ou não prosseguir.

Em reação, os organizadores da manifestação extremista insurgiram-se, numa mensagem divulgada num grupo no Telegram, contra a decisão, considerando que a Câmara de Lisboa “proibiu uma manifestação ordeira e pacífica”. Assim sendo, anunciam que vão, não só contestar a decisão “camarária e política”, como também “convocar para o mesmo dia e a mesma hora uma ação de protesto”. “Desta vez, não é uma manifestação, não temos de obrigatoriedade de notificar a Câmara – o que fizemos desde dezembro – e vamos voltar a reunir todos os patriotas nesse evento”, garantem.

O anúncio da intenção de realizar uma marcha extremista no Martim Moniz levou coletivos antirracistas a decidirem preparar uma manifestação de “pessoas de todas as cores”, para o mesmo dia e zona.

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Em paralelo, organizações antirracismo promoveram uma carta aberta, denominada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio”, onde pediam ao Presidente da República, ao Ministério Público e às autoridades policiais para “travar a saída desta manifestação”, por violar a lei. A carta recolheu cerca de 6.500 subscritores para pedir a proibição da manifestação.

Os vereadores do Cidadãos Por Lisboa e do Bloco de Esquerda propuseram ainda um voto de repúdio sobre a manifestação, atendendo ao que dizem ser o seu “caráter violento, racista ou xenófobo na cidade de Lisboa, afirmando o seu caráter intercultural e a defesa intransigente de cidade aberta, sem muros nem ameias”.

“Porquê só agora?”, questiona a associação SOS Racismo

Para a associação SOS Racismo, a posição da autarquia foi demasiado tardia e a não autorização da autarquia lisboeta relativamente à manifestação que estava marcada para o dia 03 de fevereiro representa “o corolário de uma luta de muitas associações e muitas pessoas que se mobilizaram para fazer algo que o Estado já devia ter feito: impedir que estas pessoas racistas e nazis tivessem voz”.

“Era a única atitude possível e que já devia ter tomado há três semanas. Aquilo que estava a ser escrito e que era dito foi motivo para que milhares de pessoas subscrevessem uma carta para que as autoridades tomassem medidas”, afirmou à Lusa o fundador e dirigente da organização, José Falcão. “Porquê só agora?”, questionou José Falcão, lamentando que o Estado esteja “a dar palco há muito tempo” a situações de xenofobia, racismo e discursos de ódio.

Nesse sentido, o ativista e dirigente da SOS Racismo aponta o dedo à legalização pelo Tribunal Constitucional de partidos de extrema-direita, indicando como exemplos o Chega e o PNR. “O Tribunal Constitucional não fez absolutamente nada do que devia ter feito. Arrastou-se todo este processo e foi preciso a mobilização de milhares de pessoas para que o Estado e a Câmara de Lisboa fizessem o que tinham de fazer”, continuou.

Questionado sobre a queixa-crime apresentada pela associação ao Ministério Público contra os responsáveis pela convocatória da manifestação anti-islamização, a quem indicam os crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, José Falcão vincou que a justiça tem de atuar, independentemente da não realização da iniciativa. “É crime, independente de haver manifestação. Tem a ver com as afirmações que estas pessoas escreveram. Que a justiça faça aquilo que tem de fazer e cumpra a lei”, observou, sentenciando: “Esperamos que, de uma vez por todas, o Estado de direito mostre que estas pessoas são criminosas”.

Assis enaltece decisão da Câmara de Lisboa

Francisco Assis, cabeça de lista do PS pelo Porto nas próximas eleições legislativas e presidente cessante do Conselho Económico e Social, elogiou a decisão da Câmara de Lisboa, considerando que os organizadores da manifestação devem ser combatidos “sem delongas”.

“Tal como saudei [quinta-feira] as oportunas palavras da ministra [Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes], hoje [esta sexta-feira] enalteço a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de não autorizar a realização de uma marcha xenófoba e racista promovida por um grupo de extremistas de direita”, escreveu Francisco Assis, numa nota enviada à agência Lusa.

Assis considera que, “em nome de uma suposta defesa do ocidente, estes grupos atentam contra o que de melhor a história cultural ocidental produziu: O modelo das sociedades abertas, a afirmação dos direitos humanos, o valor da livre autonomia individual, o primado do princípio da igualdade, a supremacia da democracia, a opção pela razão crítica”. “Há que os combater sem delongas. São verdadeiros inimigos da civilização”, acrescenta na mesma nota.

Numa anterior nota enviada à agência Lusa, Francisco Assis defendeu que essa manifestação representava “uma clara afronta a princípios e valores que fundamentam a ordem constitucional”. “Não pode haver a mais pequena tolerância para com os inimigos do Estado democrático de direito”, sustentou.