Em torneios deste nível, o jogo de ténis pode ser desvirtuado. Assim que se entra num loop de negatividade, até escapar a areias movediças fica mais fácil. Quando se tem à volta a frustração, pouco importa quem está do outro lado. Primeiro, uma tenista joga com o que vai na sua cabeça e, depois, joga com a adversária. No passado, quase que noutra vida, Aryna Sabalenka chegou a ser perita em perder para ambos. “Mentalmente, estou pronta para qualquer coisa”. Pela forma como a bielorrussa chegou à final do Open da Austrália, sem conceder qualquer set às adversárias, notava-se que tinha razão.

É privilégio de poucos, mas Sabalenka tinha a hipótese de voltar ao melhor dia da sua vida e revalidar o título. Pelo menos foi assim que descreveu a vitória contra Elena Rybakina, há um ano, que lhe valeu o primeiro Grand Slam da carreira. Seria uma pena, na sua perspetiva, não repetir o momento de sucesso, especialmente depois da campanha imaculada até à final à qual nem Coco Gauff resistiu.

Qinwen Zheng, de 21 anos, é de um calibre ligeiramente diferente. Pela primeira vez numa final de um Grand Slam, a número 15 do ranking mundial podia igualar o feito da compatriota Li Na que venceu o Open da Austrália em 2014. “É inacreditável. Estou super entusiasmada por ter tido um desempenho tão bom e chegar na final. Este é o meu sonho desde criança”, destacou após eliminar Dayana Yastremska. “Sei que ainda tenho uma luta pela, estou a tentar controlar as minhas emoções”.

A única vez que Zheng e Sabalenka se encontraram antes da final do major australiano foi nos quartos de final da última edição do US Open, desafio que a bielorrussa ultrapassou no caminho para a final que acabaria por perder para Coco Gauff. Sabalenka disputava o Open da Austrália com a experiência de uma derrota e de uma vitórias nos derradeiros jogos de um Grand Slam. “Quando se está pela terceira vez numa final, pensamos: ‘Ok… é uma final, está tudo bem’. É apenas mais um jogo, conseguimos separar as coisas”, perspetivou Sabalenka.

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Na Rod Laver Arena, o primeiro jogo de serviço de Sabalenka viria a ser ilustrativo do que se podia perspetivar. Durante apenas um minuto e 26 segundos, a tenista de 25 anos aplicou à oponente um jogo em branco que foi uma demonstração de força. As bancadas mostraram-se apreciadoras de contos encantados e deram o seu apoio a Zheng que também tinha armas ao seu dispor, nomeadamente o serviço, ou não fosse a jogadora com mais ases na competição. Até à final, eram 48, mais 23 do que Alycia Parks, a segunda jogadora em melhor posição nesta estatística.

Sabalenka conseguiu um break logo no primeiro jogo de serviço de Zheng. Quando a chinesa tentava responder, a número dois do mundo salvou três break-points, confirmando a vantagem no primeiro set. Num jogo de rallies curtos, Zheng aumentou o nível do serviço (terminou o set inaugural com 63% de acerto na primeira tentativa e seis ases, números superiores aos de Sabalenka) e entrou no ritmo do encontro. Porém, a chinesa mostrava dificuldade em defender-se das pancadas pesadas da adversária, o que tornava as oportunidades de contra-atacar quase inexistentes. Com o set em 2-5, Sabalenka teve três oportunidades para encerrar as contas do parcial logo ali. Fê-lo imediatamente a seguir (3-6).

A força de Zheng tornou-se sua inimiga. No início do segundo set, quando se esperava uma boa entrada, a chinesa perdeu o domínio do serviço ao cometer três duplas faltas no primeiro jogo. Com a queda dos níveis de energia e o aproximar das decisões, os pontos foram-se tornando cada vez mais longos. Confortável com a vantagem, Sabalenka chegou a guardar por momentos o lado bruto para aplicar uma certa dose de finesse, como no ponto em que somou o segundo break no segundo set, ficando a liderar por 1-4. A almofada não a deixaria a dormir mal. Sabalenka, sem se poupar a um teste à paciência, conseguiu, ao quinto match-points, fazer o 2-6 e revalidar o título do Open da Austrália.