A plataforma sindical de polícias considerou este domingo que houve “precipitação e alguma leviandade” do Governo em qualificar como insubordinados os agentes que entregaram baixas médicas e falharam o policiamento de um jogo de futebol.

Em declarações à Lusa, o porta-voz da plataforma sindical e presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícias, Bruno Pereira, considerou “um paradoxo as declarações do ministro [da Administração Interna]” deste domingo, em conferência de imprensa.

O dirigente sindical afirmou que houve precipitação e desrespeito pelas regras do estado de direito ao afirmar que vai abrir inquéritos para averiguação de factos “ao mesmo tempo que assume preliminarmente que há responsabilidade e que há culpa por parte dos polícias, nomeadamente relativamente às baixas médicas”.

Bruno Pereira acusou o ministro José Luís Carneiro de “laivo persecutório” contra os polícias, que o Governo não demonstrou quando os médicos “se recusaram a fazer urgências para lá do razoável”.

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“Apelo pelo menos a alguma cautela na moderação das palavras para que não acicatemos ainda mais os ânimos, tendo em conta que eles já estão bastante acicatados e os polícias já estão num nível de intolerância máximo. (…) Não nos precipitemos também com alguma leviandade em qualificá-los como insubordinados. Não cai bem, não fica bem, e não é de modo algum respeitoso”, disse à Lusa o responsável sindical.

A Plataforma dos Sindicatos da PSP e Associações da GNR também emitiu um comunicado a condenar o “inadmissível o ataque pidesco ao sindicalismo na PSP, que procura cortar a liberdade de expressão”, conduzido pelo ministro.

“Não nos parece muito democrático nem juridicamente aceitável que com a abertura de inquéritos legítimos se precipitem corresponsabilizações preliminares, assumindo-se de forma autoexplicativa que há responsabilidade, culpa e infração por parte dos polícias”, pode ler-se. “Está a abrir-se um inquérito que tem na sua génese uma decisão enviesada e inquinada. Releva-se a adjetivação infeliz de insubordinação gravíssima, assumindo que não se quer saber do resultado do inquérito, esquecendo o trabalho realizado pelas Forças de Segurança ao longo de décadas.”

A Plataforma aproveitou ainda para comentar a participação à Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) das declarações do presidente do SINAPOL, dizendo “que ameaçaram colocar em causa a atividade da PSP durante os próximos atos eleitorais”.

“Em nenhum momento as declarações pretenderam constituir uma ameaça, bem pelo contrário. Pretenderam alertar para uma hipotética situação que deve ser equacionada por quem dirige o país, considerando a importância vital que o ato eleitoral representa num estado de direito democrático e, cuja realização não deve ser perturbada, querendo as forças de segurança cumprir devidamente a sua missão”, acrescentou a Plataforma.

“Os profissionais das forças de segurança esperavam muito mais do Governo”, disse ainda. “Hoje receberam do senhor ministro da Administração Interna um claro sinal de ameaça. Se a irresponsabilidade do governo já era gritante ao longo deste processo, hoje mais do que nunca é notória a incapacidade política, a falta de preparação e, sobretudo, o esgotar da legitimidade e do reconhecimento enquanto tutela, desta que é das mais importantes pastas de um governo.”

O ministro da Administração Interna anunciou que vai participar ao Ministério Público todos os novos indícios de incitamento à insubordinação, a sua prática e eventual ligação a movimentos extremistas, praticados pelas forças policiais.

José Luis Carneiro falava aos jornalistas à saída de uma reunião, que durou mais de quatro horas, com o comandante-geral da GNR e com o diretor nacional da PSP, na sequência do adiamento no sábado do jogo Famalicão-Sporting, devido à falta de condições de segurança, causadas pela falta de policiamento.

Para José Luis Carneiro, o direito à manifestação é legitimo e tem sido legitimamente exercido, mas não pode ser confundido com indisciplina e atos de insubordinação que coloquem em risco o estado de direito.

Bruno Pereira sublinhou que não viu nos incidentes de sábado em Famalicão qualquer extremismo por parte dos polícias, mas admite que o Governo possa ter razões para averiguar a existência desses movimentos dentro dos protestos dos polícias, mas afirma que é o executivo, com a recusa em ceder às reivindicações das forças de segurança, nomeadamente o subsídio de missão equiparado à Polícia Judiciaria, que está a “regar com gasolina” o crescimento de movimentos inorgânicos.

“Há uma questão de urgência que impera e impõe uma correção de um problema que foi criado por este Governo, por muito que venham alegar que é uma impossibilidade político-legislativa. Não é verdade, a questão de urgência pode perfeitamente ser preenchida aqui sob pena de efetivamente andarmos a regar com gasolina a possibilidade de os movimentos inorgânicos poderem alastrar, poderem viralizar e poderem contaminar aquilo que tem sido um protesto extremamente sóbrio e feito com enorme elevação”, disse.

Sobre as declarações de sábado do presidente do Sindicato Nacional de Polícia (SINAPOL), Armando Pereira, que em entrevista à SIC Notícias admitiu eventuais impactos na realização das próximas eleições legislativas, Bruno Pereira disse não lhe caber “fazer a defesa da honra” do sindicalista, afirmando não ter visto qualquer ameaça nas declarações, mas sim um alerta, já reiterado em carta enviada ao primeiro-ministro, António Costa, com conhecimento de José Luís Carneiro, e que chama a atenção para o crescente descontentamento que pode vir a afetar várias atribuições das polícias, como a entrega de exames nacionais nas escolas, o controlo de fronteiras ou o policiamento de grandes eventos.

“Ainda que possam não ter alguém a controlar a caixa de correio 24 horas, o que é certo é que temos vindo a apelar a alguma descontenção, porque os polícias estão há quatro semanas em protesto permanente feito com maior elevação e sobriedade e a resposta do Governo é não assume o problema que criou, não quer procurar uma solução e não quer assumir uma posição que junto de um futuro Governo possa assegurar que esta situação é corrigida”, disse.

Na conferência de imprensa de hoje, o ministro da Administração Interna adiantou que as declarações do presidente do SINAPOL seriam participadas à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), e reiterou que o Governo de gestão não tem condições de assumir encargos financeiros permanentes.

Os elementos PSP e da GNR exigem um suplemento idêntico ao atribuído à Polícia Judiciária, estando há mais de três semanas em protestos numa iniciativa de um agente da PSP em frente à Assembleia da República, em Lisboa, que depois se alargou a todo o país.

A plataforma que congrega sindicatos e associações das forças de segurança escreveu ao primeiro-ministro sobre a “situação limite” dos profissionais que representam, alertando para um eventual “extremar posições” perante a “ausência de resposta” do Governo.

A PSP indicou, na sexta-feira, que polícias de vários comandos do país tentaram entregar as armas de serviço como forma de protesto e avançou que existe “um número de baixas médicas superior ao habitual” entre os agentes.