A economia portuguesa criou, em 2023, cerca de 97 mil postos de trabalho, um abrandamento face aos 106 mil empregos criados no ano anterior. Ainda assim, tem agora 4,9 milhões de trabalhadores que representam um novo recorde em Portugal, em termos anuais, na série do INE iniciada em 2011. Os dados do instituto mostram, porém, que a criação de emprego de 2023 se fez sobretudo através de postos de trabalho que exigem menores qualificações, o que para o Governo ainda é um efeito da recuperação da pandemia. Também a ganhar terreno estão as pessoas que têm um segundo emprego.
O emprego em Portugal cresceu 2% em 2023 face ao ano anterior, revelam as estatísticas do INE divulgadas esta quarta-feira. A realidade por grupo profissional é muito diversa. Num ano, a categoria dos “trabalhadores não qualificados” ganhou 27,9 mil pessoas, o que significou uma subida de 7%. São, agora, 425 mil trabalhadores com esta classificação, que compreende desde “trabalhadores não qualificados” da agricultura, produção animal, pesca e floresta, da indústria, construção ou transportes, assim como “assistentes na preparação de refeições”, “vendedores ambulantes”, “prestadores de serviços de ruas” ou “trabalhadores dos resíduos e de outros serviços elementares”.
Ao Observador, o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, diz que este grupo ainda recupera das perdas da pandemia e sublinha que, desde 2019, viu o peso sobre o total do emprego diminuir de 9,3% para 8,5%. “Uma variação meramente anual, neste caso, é curta quando pelo meio tivemos a situação da pandemia. Quase todos os grupos estão abaixo do pré-pandemia, ainda não recuperaram totalmente o valor desse tempo”, sinaliza.
Esta foi uma das categorias que sofreu fortemente com a Covid-19 — pela sua natureza, são postos de trabalho que, muitas vezes, têm de ser exercidos presencialmente, tendo sido prejudicados com os confinamentos impostos. De 2019 para 2021, o grupo perdeu quase 70 mil trabalhadores, recuperando em 2022 e 2023. Mesmo assim, ainda tem menos 18 mil profissionais do que no pré-pandemia, 2019.
Nos ganhos de 2023, seguem-se os “trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores” (mais 6,5%, ou 57,6 mil) — que estão a meio da tabela das qualificações — e os “operadores de instalações e máquinas e trabalhadores de montagem” (mais 5,1%, mais 20,2 mil) — que estão entre as profissões menos qualificadas.
No outro espetro das qualificações, e com ganhos menos expressivos, esteve o grupo dos “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, que é bastante heterogéneo, com profissões que vão desde profissionais de saúde, a professores, engenheiros ou relações públicas. Em 2023, criou 17,6 mil postos de trabalho, uma subida, mais modesta, de 1,6%. Ainda assim, mantém-se como o grupo mais numeroso: tem mais de 1,1 milhões trabalhadores. Miguel Fontes sublinha que, ao contrário dos menos qualificados, esta categoria não perdeu com a pandemia e tem estado a criar emprego. Face a 2019, gerou 157,2 mil postos de trabalho e viu o peso no total do emprego subir de 19,9% para 22,2%. Por isso, o secretário de Estado argumenta: “O emprego que estamos a criar é mais qualificado”.
Por outro lado, há o grupo que perderam emprego: foi o caso dos “técnicos e profissões de nível intermédio” (-3,5%, uma quebra de 19,7 mil empregos) e o “pessoal administrativo” (também -3,5%; o que representa menos 17,2 mil pessoas). O número de representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos também diminuiu, 4%.
A nível setorial, a recuperação da pandemia também pode ajudar a explicar o crescimento substancial do setor do alojamento, restauração e similares, que foi o que mais ganhou (12,4%), assim como o das atividades imobiliárias (8,7%). Estes foram dois dos setores mais afetados pela pandemia, mas em 2023 não só recuperaram como ultrapassaram o pré-Covid. Por outro lado, registaram-se perdas, entre 2022 e 2023, no comércio por grosso e a retalho (-0,7%), nos transportes e armazenagem (-0,9%), nas indústrias transformadoras (-1,4%), na educação (-2,4%) e na administração pública e defesa; segurança social obrigatória (-3,4%).
Os dados do INE resultam do Inquérito ao Emprego, que é feito trimestralmente por amostragem. Não se trata, portanto, de dados administrativos, uma diferença que tem sido usada pelo Governo para justificar a diferença entre os dados referentes às Forças Armadas do INE e da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, a entidade do Ministério da Defesa responsável pela matéria — este grupo, na estatística mais recentes do INE, viu o emprego cair 19,2%.
Os dados do INE também permitem perceber que, em 2023, e ao contrário do que as próprias estatísticas do instituto — entretanto corrigidas — chegaram a dizer, não houve perda de trabalhadores com o ensino superior. Pelo contrário: aumentaram 2,9%. Mas foi nos que têm o ensino secundário e pós-secundário que o emprego mais cresceu (4,7%).
Já nos que têm até ao terceiro ciclo do ensino básico, houve um ligeiro recuo, de 1,1% — que resulta de uma quebra de 2,6% no caso dos homens mas de um aumento de 1% no caso das mulheres. Esta redução, conjugada com o aumento dos trabalhadores não qualificados, pode querer dizer que os empregos que requerem menos qualificações estão a ser ocupados por pessoas mais qualificadas do que antes?
O secretário de Estado do Trabalho admite que “nalguns casos” isso possa ser verdade “por via do aumento genérico das qualificações de toda a população”, mas não acredita que seja a regra. Ainda assim, reconhece que há “algum desajustamento” por nos últimos 30 anos o país ter alterado “de forma muito rápida e significativa a estrutura de qualificações do que foi possível mudar a estrutura socioeconómica do país”. Mas isso “não significa que não ganhemos se aumentarmos as qualificações”.
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Segundo emprego em máximos
Os segundos empregos ganharam terreno no ano passado, confirmando a informação trimestral que o INE tem vindo a divulgar, e que aponta para máximos. No ano passado, cerca de 251 mil pessoas tiveram um segundo emprego, uma subida de 7,2% face ao ano anterior. A série do INE enviada ao Observador vai apenas até 2021, ano em que o instituto registava 218 mil pessoas com um segundo emprego, uma via que tende a ganhar força em momentos de crise.
Por setor, é notório o maior peso que os segundos empregos têm nos serviços. Ou seja, é este o setor da atividade principal da maioria das pessoas que têm mais do que um trabalho, e é também o setor onde mais se exerce essa atividade secundária. Não é de estranhar, dado que é o setor de atividade com maior número de trabalhadores (à frente da agricultura e da indústria).
O Governo pede “prudência” na análise desta tendência de crescimento do segundo emprego e defende que a análise deve ser feita num horizonte mais alargado, pelo que ainda será cedo para tirar grandes conclusões. Mas admite que seja um movimento normal dado o aumento do custo de vida. “Sabemos que a inflação a que todos estivemos expostos, o agravamento do custo de vida, obrigou as pessoas a procurarem aumentar o seu rendimento quando o podem fazer. Essa pode ser uma explicação”, atira Miguel Fontes.
Mas tem outra: o facto de alguns setores se queixarem de falta de mão de obra. “Se temos um mercado de trabalho muito aquecido e onde há muita necessidade de contratação, há muito mais ofertas de emprego e essa possibilidade de segundos empregos existe quando o desemprego é muito baixo”, frisa. “Temos de ser prudentes, formular hipóteses e procurar acompanhar de forma mais alargada no tempo para tentarmos perceber a que se deve essa situação”, acrescenta.
Segundo o INE, a taxa de desemprego em 2023 fixou-se em 6,5%, duas décimas abaixo do que previa o Governo (6,7%), mas mais quatro décimas do que em 2022. Especificamente no último trimestre do ano, a taxa acelerou face ao trimestre anterior, para 6,6%. A Randstad, empresa especializada em recursos humanos, sublinha numa nota de análise divulgada esta quarta-feira que a diminuição no número de empregados face ao trimestre anterior (-35.000 pessoas) representa “a maior queda num quarto trimestre desde 2012”.
O secretário de Estado do Trabalho diz que há um efeito da sazonalidade — o emprego tende a aumentar no verão — mas reconhece o “contexto e a conjuntura particularmente desafiantes“. “É verdade que já não podemos dizer que estamos a crescer como estávamos em termos de emprego nos últimos tempos”, considera, acrescentando que o mercado de trabalho, ainda assim, tem “resistido bem” aos “choques sucessivos”.