A postura magnânima da Rússia compreende todos os meios necessários para que a imagem do país não saia degradada. Em 2014, Sochi organizou os Jogos Olímpicos de Inverno e o patriotismo não aceitava menos do que resultados do tamanho de uma nação sempre disposta a impor-se. Os atletas da casa arrecadaram 30 medalhas, 11 das quais de ouro. O desempenho foi substancialmente sobrevalorizado.

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Na edição anterior, em Vancouver, a Rússia não tinha ido além das 15 (três de ouro), terminando apenas como 11.º país com mais medalhas. O salto qualitativo teve uma justificação só mais tarde revelada e que também teve particular influência durante os Jogos Olímpicos de Londres (2012). Foi a voz de Grigory Rodchenkov, antigo membro do Centro Anti-Doping da Rússia, que contou e expôs tudo no documentário Icarus realizado depois de ter fugido para os Estados Unidos onde permanece debaixo de proteção policial.

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Rodchenkov expôs que centenas de testes de doping positivos não foram descobertos graças a um esquema de manipulação que operava sob o conhecimento de Vladimir Putin. “Na imprensa russa, foi escrito que eu tinha sido morto, mas estou vivo e a trabalhar arduamente”, disse, à CNN, Rodchenkov que esteve envolvido na manobra que beneficiou mais de 1.000 atletas russos entre 2011 e 2015. Atualmente, depois de ser considerado pelas mais altas figuras do Kremlin como um difamador, vive protegido pelo FBI.

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Como consequência das denúncias de Rodchenkov, os atletas russos deixaram de poder usar a bandeira e o hino do país em Jogos Olímpicos, tudo ainda antes do deflagrar da Guerra na Ucrânia. A medida imposta pelo Comité Olímpico Internacional acabou por ser reforçada depois do início do conflito. “A bandeira e o hino da Rússia tornaram-se símbolos de assassinato e violação. Deviam ser banidos dos Jogos Olímpicos para sempre”.

Ainda que a contestação se mantenha, os atletas russo vão poder participar nos Jogos Olímpicos de Paris. No entanto, alguns países, como é o caso da Letónia, apelam a que os seus atletas se recusem a enfrentar adversários russos e bielorrussos. “Se [os líderes desportivos internacionais] continuarem a agir da mesma forma, vão enterrar o movimento olímpico”, disse Putin, contestando a neutralidade imposta pelo Comité Olímpico Internacional.

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A poucos meses do arranque dos Jogos, a patinadora Kamila Valieva foi suspensa durante quatro anos devido à utilização de substâncias dopantes durante os Jogos Olímpicos de Inverno 2022. “Não há dúvida que se o Comité Olímpico Internacional quiser ter alguma credibilidade tem de os banir [atletas russos] por não menos do que dez anos”, acrescentou Rodchenkov.