O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental (ONG) moçambicana, descreveu esta sexta-feira como “desoladora” a situação dos direitos humanos no país no último trimestre de 2023, acusando a polícia de ter matado cidadãos inocentes.
“A situação é desoladora, o Estado moçambicano, através da sua polícia, as forças de intervenção rápida, são o principal instrumento de abuso e violação dos direitos humanos, com a nota dominante de neste período terem matado cidadãos moçambicanos”, afirmou Adriano Nuvunga, diretor do CDD, em conferência de imprensa.
Nuvunga falava à margem do lançamento dos relatórios sobre a “Situação dos Direitos Humanos no Quarto Trimestre de 2023” e a “Situação dos Direitos Humanos Durante as Eleições Autárquicas de 2023”, elaborados por aquela ONG.
O diretor do CDD apontou a morte de cidadãos pela polícia no Bairro de Namicopo, província de Nampula, norte do país, durante manifestações da oposição contra os resultados das eleições autárquicas de 11 de outubro, como prova do desrespeito pelos direitos fundamentais.
Eleições em Moçambique: um polícia e um jovem mortos durante manifestações na província de Nampula
“Eu estive em Namicopo, onde o Estado moçambicano, através da sua polícia, deliberadamente, matou moçambicanos”, sublinhou, defendendo, de seguida, que “o Estado tem de ser levado a tribunal”.
Apontou igualmente o homicídio em dezembro do jornalista João Chamusse, na sua residência, em Maputo, como outro exemplo da deterioração da situação dos direitos humanos em Moçambique.
“Em parte nenhuma, alguém tem que morrer (assassinado), mas, em particular, quando é jornalista”, enfatizou. Na sequência do assassinato de João Chamusse, a polícia efetuou detenções, mas não se conhecem desenvolvimentos em relação ao caso.
O diretor do CDD acusou a polícia de ter “esquadrões de morte”, imputando aos agentes da corporação também a autoria da morte em julho último do jovem Massacar Abacar, conhecido por “Cebolinha”, numa cela de uma esquadra em Maputo. Na altura, as autoridades policiais disseram que “Cebolinha” morreu por causas naturais, negando qualquer responsabilidade pelo óbito.
“Nós vamos assacar as consequências [aos responsáveis pela violação dos direitos humanos], vamos levar à PGR [Procuradoria-Geral da República], os casos de abusos, porque o Estado tem que ser responsabilizado”, realçou Adriano Nuvunga, apontando que as armas da polícia são para proteger os cidadãos e não para matar.
Yara Lamúgio, advogada na área dos direitos humanos, que apresentou o relatório sobre “Situação dos Direitos Humanos Durante as Eleições Autárquicas de 2023”, disse que “o quarto trimestre foi palco de sucessivas violações dos direitos humanos”. Os abusos “decorreram de forma arbitrária”, com ênfase em violações contra “o direito à vida e o direto direito à manifestação”.
A Lusa contactou esta sexta-feira o comando-geral da Polícia da República de Moçambique, que considerou que as autoridades já se pronunciaram cabalmente em torno dos episódios ocorridos no período eleitoral.
Em finais de dezembro, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) pediu desculpas pelos óbitos provocados pelas autoridades, considerando que se tratou de episódios “imprevisíveis” e que a ambição da corporação era garantir a ordem.
“Há sempre situações imprevisíveis e nós tivemos incidentes aqui [Chiure] em que um jovem perdeu a vida. A Polícia lamenta esta ocorrência e (…) pedimos desculpa por este incidente e vários outros registados”, declarou Bernardino Rafael, durante um comício na província de Cabo Delgado.
“Não é normal no mundo o comandante-geral da polícia aparecer a pedir desculpas, mas, porque nós queremos trazer esta humanização da vossa polícia, é uma obrigação moral, social e espiritual do comandante-geral pedir perdão pelos erros cometidos pelos agentes da polícia. Pedimos perdão a todas as famílias para as quais não prestamos o serviço como devia ser”, acrescentou, na altura, Bernardino Rafael.