Vladimir Putin recusava dizer o nome do principal opositor, que por diversas vezes foi descrito pelos amigos mais próximos como um “animal político”. Tanto fora como dentro da prisão tentou lutar contra a soberania e o poder do Presidente russo e contra a corrupção existente no país. Os esforços levaram-no a obter reconhecimento internacional. Em 2022 foi capa da revista Time enquanto “o homem que Putin teme” e a sua vida foi retratada num documentário que venceu um Óscar. Alexei Navalny morreu esta sexta-feira, aos 47 anos.

Com um pai soldado do Exército Vermelho, da União Soviética, e uma mãe economista, Navalny assumiu-se desde cedo como “liberal” e era defensor de uma economia de mercado. Licenciou-se em Direito e, mais tarde, em Economia. Pelo meio, num resort na Turquia e quando ainda não era um político temido pelo Kremlin, conheceu a mulher, Yulia Navalnaya.

Morreu Alexei Navalny, o “indesejável número 1” do Kremlin

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Casaram-se em 2000 e tiveram dois filhos. Dasha nasceu em 2001 e Zahkar em 2008, ano em que Navalny começou a ganhar notoriedade com um blog onde fazia denúncias de corrupção no seio de empresas estatais russas. Enquanto o marido se dedicava a essas investigações, que o levavam a ter cada vez mais (e mais poderosos) inimigos, Yulia Navalnaya ficava em casa e concentrava-se na educação dos filhos.

De acordo com a Vanity Fair, Yulia nunca deixou de apoiar o marido. Escrevia-lhe cartas, ia visitá-lo à prisão sempre que era possível e estava em tribunal quando o Kremlin abria novos processos ou aumentava as penas que já cumpria.

Dos verões na casa do avô à detenção num país que outrora disse ser governado por “vigaristas e ladrões”, eis alguns momentos-chave da vida de Navalny:

  • 4 de junho de 1976. Nasceu em Butyn, uma cidade nos arredores de Moscovo. Durante a infância, até ter 10 anos, passou os verões com o avô paterno numa zona rural, perto de Chernobyl, na Ucrânia.
  • 1997. Licenciou-se em Direito pela Universidade Russa da Amizade dos Povos, uma das mais prestigiadas do país. A carreira como advogado começou muito antes de se envolver na política.
  • 1999. Juntou-se ao Yabloko, o único partido russo que se assumia como liberal. Oito anos depois, indica o Business Insider, foi expulso do partido. Os outros membros responsabilizaram as suas “atividades nacionalistas” pela saída, uma vez que participou em marchas nacionalistas que contaram com a presença de neonazis (que não teriam sido convidados).
  • 2000. O casamento com Yulia Navalnaya, que tinha conhecido dois anos antes na Turquia. Um vídeo partilhado recentemente nas redes sociais, que data de 2020 (ano em que comemoraram 20 anos de união), mostra o casal sorridente e apaixonado antes de Navalny ser detido pela última vez.

  • 2008. Começou a ganhar notoriedade por investigações, que partilhava online, em que denunciava corrupção no seio do governo russo e de empresas estatais, como a gigante do gás Gazprom e a Rosneft, do petróleo. De acordo com o Business Insider, o opositor de Putin comprou ações nessas firmas para, enquanto acionista, ver como é que funcionavam e detetar irregularidades.
  • 2010. Fundou um projeto contra a corrupção, o RosPil, que contava com uma equipa de advogados a analisar empresas estatais e a expor irregularidades que pudessem detetar.
  • 2011. O ano em que, segundo a Associated Press, criou a Fundação Anti-Corrupção (FKB, na sigla original) com o objetivo de continuar a expor corrupção nas mais altas patentes políticas russas.
  • Dezembro de 2011. Esteve detido durante 15 dias por “desafiar um funcionário do governo”. Antes, tinha participado em protestos contra a alegada manipulação nas eleições parlamentares russas.
  • Setembro de 2013. Concorreu à presidência da Câmara de Moscovo. Terminou as eleições em segundo lugar, atrás de Sergey Sobyanin, com 27% dos votos.
  • Outubro de 2013. Foi condenado a cinco anos de pena suspensa no âmbito de um caso em que, enquanto conselheiro do governador local, era acusado de desviar fundos e que envolvia a Kirovles, empresa estatal do setor da madeira da região de Kirov. Navalny disse que as acusações tinham motivação política, nota a AP.
  • Março de 2015. Foi considerado pela Time uma das 30 pessoas mais influentes na internet. Conquistou o lugar na lista por “expor a corrupção no regime de Vladimir Putin”. “Enquanto tiver ligação à internet, continuará a ser um grande espinho” para Putin e “uma força na política russa”, considerou a revista, citada pelo The Moscow Times.
  • Fevereiro de 2016. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que Navalny não teve um julgamento justo no caso Kirovles e obrigou a Rússia a pagar as custas judiciais e possíveis danos. A sentença de pena suspensa de cinco anos foi, desta forma, anulada pelo Supremo Tribunal russo. Porém o caso foi novamente devolvido ao tribunal de Kirov, que o voltou a julgar e que manteve a pena.
  • Dezembro de 2016. Anunciou que ia concorrer às eleições presidenciais russas de 2018. Porém, acabaria impedido, devido à condenação no âmbito do caso Kirovles.
  • Abril e maio de 2017. Foi atacado com tinta verde, que lhe provocou queimaduras químicas e que o levou a ter de ser operado, em Barcelona. Na altura, partilhou uma fotografia no Instagram onde explicou que demoraria “meses” a recuperar totalmente a visão do olho direito.
  • Agosto de 2020. Num voo de Tomsk, na Sibéria, com destino a Moscovo, sentiu- se mal. O avião foi obrigado a fazer uma aterragem de emergência e começam a surgir rumores de que teria sido envenenado com o agente neurotóxico do tipo Novichok, algo que posteriormente seria confirmado. Esteve em coma induzido. Conseguiu recuperar totalmente, na Alemanha.
  • Ainda em agosto de 2020. Apesar dos riscos, continuou a desafiar o poder russo. Ainda no hospital, de acordo com a Sky News, começou mais uma investigação. Desta vez, sobre o “Palácio de Putin”, uma imponente mansão multimilionária nas encostas do Mar Negro. O Presidente da Rússia tem vindo a afirmar que a propriedade não é sua.

O luxuoso palácio de mil milhões que Putin diz não ser seu (e que se tornou “demasiado perigoso” investigar)

  • Janeiro de 2021. “A Rússia é o meu país. Moscovo é a minha cidade”. Após cinco meses na Alemanha tentou regressar a solo russo. Foi detido. As autoridades disseram que tinha violado a pena que lhe havia sido aplicada no caso Yves Rocher (empresa a que tinha ligações, tendo sido condenado por fraude; disse que as acusações tinham motivação política). De acordo com um excerto do livro The Dissident: Alexei Navalny, Profile of a Political Prisoner, nunca quis ser conhecido como um “dissidente”.
  • Março e abril de 2021. Navalny fez uma greve de fome de três semanas, que o obrigou a ser internado, devido à ausência de acesso a cuidados de saúde e “tortura” por privação do sono na prisão em que estava a cumprir uma pena de dois anos e meio por violação da liberdade condicional.

Navalny anuncia greve de fome e diz estar a ser privado de cuidados de saúde

  • 24 de fevereiro de 2022. Condenou a invasão russa da Ucrânia. “A guerra com a Ucrânia foi desencadeada para encobrir os roubos de cidadãos russos e desviar a sua atenção dos problemas internos do país, da degradação da sua economia”, disse, citado pelo New York Times.
  • 22 de março de 2022. Foi condenado a uma pena adicional de nove anos por desvio de fundos e desrespeito pelo tribunal. É transferido para uma prisão de segurança máxima no oeste da Rússia.
  • 12 de março de 2023. O documentário Navalny venceu o Óscar de Melhor Documentário.
  • 26 de abril de 2023. Novas acusações, desta vez de extremismo e terrorismo. Segundo a AP, Navalny foi sarcástico ao dizer, durante uma audiência em tribunal, que as acusações implicavam que estivessem a orquestrar “ataques terroristas enquanto” estava na prisão.
  • Agosto de 2023. Depois de uma primeira condenação, a justiça russa aumenta em 19 anos a pena relativa às acusações de extremismo.
  • Dezembro de 2023. Esteve desaparecido durante quase três semanas após ter um “incidente de saúde sério”. Foi “encontrado” numa colónia penal russa numa região autónoma perto do Ártico russo. No dia 26, disse que a viagem tinha sido “cansativa”, mas garantiu que estava “bem”.

Navalny diz que está bem após ter sido localizado em penitenciária no Ártico russo

  • 16 de fevereiro de 2024. Morreu, segundo um comunicado oficial do serviço prisional onde se encontrava, após sentir-se “mal depois de uma caminhada”. “Perdeu a consciência quase imediatamente”, sendo que terão sido “feitos todos os esforços de reanimação, mas não tiveram resultados”.

Alexei Navalny, rosto da oposição a Putin, morreu após “uma caminhada” na prisão. Tinha 47 anos