Em três dias, foram quatro as declarações que Pedro Nuno Santos fez sobre cenários de governabilidade — e em todas acrescentou ou alterou alguma coisa no seu discurso. Depois de ter declarado que responderia com “clareza” a uma questão sobre os cenários pós-eleições, durante o debate com Luís Montenegro, e garantido que não se oporia a um governo minoritário da Aliança Democrática, Pedro Nuno foi corrigindo — ou, segundo o PS, “acrescentando” — partes dessa sua promessa, para voltar a colocar a hipótese de uma geringonça em cima da mesa.
Esta quarta-feira, o líder socialista falou duas vezes: uma serviu para lançar um “repto” ao PSD, que deveria prometer “reciprocidade” ao PS — caso contrário, Pedro Nuno Santos sentir-se-ia “desobrigado” de deixar a direita governar num cenário em que esta dependa do Chega. Mas passaram poucas horas até vir garantir que foi “mal interpretado”, e que a sua promessa de viabilização desse hipotético governo se manteria.
Os cenários são confusos, mas aqui fica a explicação, frase a frase, das declarações de Pedro Nuno Santos sobre o assunto.
Debate com Montenegro: “PS não apresentará nem viabilizará moção de rejeição”
O PS se não ganhar, por humildade democrática, queria deixar claro que não apresentará uma moção de rejeição nem viabilizará nenhuma moção se houver uma vitória da AD, que nós esperamos sinceramente que nunca aconteça. Relativamente a [viabilizar] orçamentos, o pior serviço que poderíamos prestar à democracia era fazermos aqui um negócio sobre um documento que não é conhecido. Haveria alguém a abrir champanhe em casa se fechássemos aqui acordo para orçamentos que não conhecemos. Nem me parece que o líder do PSD esteja em condições de assegurar que aprovará um OE do PS”.
O debate que pôs em confronto Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro arrancou com uma novidade: o líder socialista fez questão de fazer saber que estaria pronto para viabilizar um governo da Aliança Democrática, desde que houvesse uma “vitória” da coligação de direita. Neste caso, não colocou nenhuma outra condição: ou seja, a acreditar nesta declaração por si só, estaria fora de hipótese uma solução como a geringonça de 2015, que existiu porque o PS conseguiu garantir o apoio de uma maioria parlamentar de esquerda apesar de não ter vencido as eleições. Ora, aqui o que Pedro Nuno Santos dizia era que bastaria à AD ficar em primeiro lugar para não contar com a oposição do PS.
Tendo em conta que no Parlamento nacional não existe uma obrigação de votar os programas de Governo, o que isto significaria seria que, caso os partidos mais pequenos apresentassem uma moção de rejeição contra o PSD, o PS não os ajudaria a aprová-la. Nos corredores do PS, garantia-se que isto servia para “libertar” o PSD do Chega — não precisaria de contar com a aprovação do partido para formar Governo, porque os socialistas estariam dispostos a deixá-lo governar.
Ainda assim, os problemas colocar-se-iam pouco depois, quando esse governo tivesse de apresentar um Orçamento, uma vez que já não contaria com nenhuma garantia do lado do PS: nesta declaração, Pedro Nuno insinua que “alguém” — leia-se, André Ventura — abriria champanhe para celebrar se visse o centrão a combinar orçamentos e a acertar o que poderia ser uma governação de bloco central. Ficava assim dada a resposta do PS sobre este cenário pós-eleitoral: Pedro Nuno sentenciava que tinha sido “claro” e que o “tabu” do lado de Luís Montenegro se mantinha.
Terça-feira. A adenda que salva a geringonça e a pressão sobre o PSD
“Eu ontem fui muito claro sobre isso. Nós só governaremos se ganharmos ou se conseguirmos formar uma maioria. Infelizmente, ainda não recebemos do PSD uma resposta à viabilização de um governo do PS”
Já em modo campanha e embalado pelo debate do dia anterior, Pedro Nuno Santos foi, na terça-feira, interpelado pelos jornalistas e juntou um dado ao que tinha dito no dia anterior, admitindo que existia uma “confusão”: se na véspera só tinha falado de um cenário em que o PSD ganhasse, desta vez acrescentava que, afinal, se o PSD ganhasse mas a esquerda tivesse maioria, contava governar na mesma. Ou seja: uma nova geringonça estaria, sim, nos seus planos. Nesta altura, dirigentes do PS lembravam ao Observador que Pedro Nuno Santos já tinha falado da possibilidade de governar desde que tivesse maioria — o que é verdade, mas não acontecera no debate na noite anterior, quando anunciou que seria “claro” sobre o assunto, sem deixar margem para tabus.
“O PSD só tem de ganhar e não existir uma maioria absoluta de esquerda que se entenda”, resumia um socialista sobre as condições de governação do PSD. Na prática, isto significa que o PS está a contar conseguir governar tanto se ficar em primeiro lugar — cenário em que pede ao PSD que viabilize o seu governo, em vez de formar uma maioria, provavelmente com o Chega, para deitá-lo abaixo — como se ficar em segundo e tiver uma maioria parlamentar do seu lado.
Neste dia, Pedro Nuno Santos pressionou Luís Montenegro para ter uma resposta — “continua a fugir à pergunta, falta o PSD dizer o que fará quando o PS ganhar as eleições” — e acrescentou que o silêncio e as respostas “redondas” de Montenegro poderiam ter um segundo significado: “É muito importante que Montenegro não se esconda apenas no não é não [ao Chega]. Senão começamos todos a duvidar do que vai dizendo sobre o não é não”. Ou seja, o líder do PS sugeria que se Montenegro não se disponibilizava a viabilizar um governo minoritário do PS era porque teria ainda uma intenção de se entender com o Chega.
Quarta-feira, parte um: PS sente-se “desobrigado” se PSD não lhe responder
“O PS é o único partido que foi claro. Vai governar se ganhar ou conseguir constituir maioria (…). Não havendo reciprocidade, o PS sente-se desobrigado”
A dúvida ficou no ar assim que Pedro Nuno Santos falou, mais uma vez, em cenários de governabilidade, esta quarta-feira: o líder do PS parecia estar a recuar já na sua intenção de viabilizar um governo da AD, uma vez que disse sentir-se “desobrigado” de o fazer por não ver uma “reciprocidade” da parte do PSD.
A partir de uma conferência da CIP, no Porto, o socialista disse não ter recebido da parte do PSD uma resposta ao seu “repto”. Queria que o PSD assegurasse que deixaria um PS sem maioria governar — embora, na verdade, o PS diga que só deixa o PSD governar se este tiver uma maioria a acompanhá-lo, uma vez que quer obrigar o PSD a admitir se inclui ou não o Chega nessa maioria.
Nesta declaração, Pedro Nuno voltou a confirmar que a ideia de fazer uma geringonça está na sua cabeça, lembrando que foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares nessa época e que essa é a “prática política” do PS, pelo menos desde 2015.
Quarta-feira, parte dois: a “má interpretação” e a correção
Foi mal interpretado. O que eu disse não retiro. O que exigimos é reciprocidade, é o único repto que quero continuar a lançar ao PSD. Exigimos e esperamos do PSD o que garantimos ao PSD. Não apresentaremos nem viabilizaremos se o PS não ganhar ou não tiver uma maioria para apresentar. Queremos reciprocidade, que o PSD responda ao repto do PS da mesma forma. Acho que é justo, ninguém pode estar a exigir ao PS e não ao PSD.
Afinal, Pedro Nuno Santos foi “mal interpretado”, assegurou na sua segunda declaração do dia. Depois de a generalidade dos jornais, televisões e rádios ter dado destaque ao aparente recuo do líder socialista, que dizia sentir-se “desobrigado” de viabilizar um governo da AD caso o PSD não respondesse ao seu “repto”, Pedro Nuno veio corrigir a sua declaração e assegurar que tudo se mantinha igual.
Ou seja: a intenção do PS de viabilizar um governo do PSD — mais uma vez, só caso o PS não ganhe ou não tenha maioria à esquerda — mantinha-se. Afinal, Pedro Nuno não se sentia “desobrigado” de cumprir com o que prometera. E repetia a mesma fórmula: “Não apresentaremos nem viabilizaremos se o PS não ganhar ou não tiver uma maioria para apresentar”. Era preciso corrigir a expressão que tinha lançado a confusão durante a tarde. A pressão do PS sobre Luís Montenegro para dizer o que fará depois das eleições continuará, por vontade de Pedro Nuno.
E a ideia (com duas semanas) de não viabilizar governos de direita
“É praticamente impossível que o PS possa viabilizar um Governo de direita (…). Seria profundamente negativo para Portugal ter PS e PSD comprometidos com a mesma governação e depois por uma razão de ordem programática e ideológica. A visão que temos do país é muito distante do PSD, não é compatível e nunca trairíamos eleitorado do PS. Não queria que se criassem ilusões sobre essa matéria”.
A primeira declaração clara de Pedro Nuno Santos sobre todo este assunto ia em sentido contrário. Foi feita na noite de 4 de fevereiro, quando o PSD/Açores ganhou as eleições na região mas sem maioria, e se colocou a questão sobre o que os socialistas deveriam fazer. O líder socialista recusou então comentar a questão específica dos Açores, recordando que é preciso preservar a autonomia açoriana, mas extrapolou para o plano nacional, onde dizia ser “praticamente impossível” uma viabilização de um Governo de direita.
No PS, a explicação passa por frisar que, ao contrário dos Açores, no Parlamento nacional não é obrigatório que o programa de Governo seja votado — mas a apresentação de qualquer moção de rejeição significará que isso acontece de qualquer modo. O resto da frase parece rejeitar uma espécie de governação de bloco central — fala numa “visão do país” distante do PSD e em visões programáticas diferentes — mas o início da declaração refere-se claramente à simples viabilização, que então rejeitava quase por completo e agora vem admitir. Nos Açores, o PS acabou mesmo por anunciar que votaria contra a formação do governo de direita.