Não era por acaso que lhe chamavam Rei Artur. Rei porque, enquanto avançado e temível homem de área, brilhou na Académica e no Benfica entre títulos coletivos e de melhor marcador do Campeonato. Rei porque, enquanto técnico ainda em início de carreira, conseguiu catapultar a equipa do FC Porto a patamares nunca antes vistos com a conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Rei porque, ao longo de todo o trajeto, passou por outros clubes grandes, abriu a porta da Europa via PSG e foi selecionador nacional já depois de ter estado num Europeu pela Suíça. Artur Jorge, o Rei Artur, morreu esta quinta-feira. Tinha 78 anos.

Nascido no Porto, Artur Jorge, um jogador e uma pessoa à parte que desde pequeno foi sabendo trabalhar o que tinha de menos desenvolvido (como o pé esquerdo) entre um genuíno gosto pelo conhecimento, teve um percurso “anormal” perante aquilo que deveria ter sido. Expliquemos: aposta de José Maria Pedroto para o FC Porto, sagrou-se campeão nacional de juniores frente ao Sporting, mereceu as primeiras chamadas às seleções jovens mas teve depois duas contrariedades que lhe mudaram a carreira e a vida: a morte da mãe, que fez com que se fechasse no quarto sem querer treinar admitindo mesmo deixar o futebol, e uma lesão depois de ter sido chamado por Otto Glória aos seniores portistas. Aí, surgiu a Académica.

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Durante essa paragem, Artur Jorge candidatou-se à faculdade e entrou no curto de Filosofia na Universidade de Coimbra, o que fez com que pedisse ao FC Porto para ser emprestado à Briosa. Os azuis e brancos, perante a proposta, acabaram por compreender e aceitar. No entanto, aquilo que seria apenas uma cedência de uma época  transformou-se em muito mais do que isso, com os golos a multiplicarem-se entre 1965 e 1969 com uma paragem durante o período em que prestou Serviço Militar em Mafra até à proposta que lhe mudaria de vez o destino enquanto jogador: o Benfica. Formado em Germânicas, autor de um livro de poesia, grande admirador de Albert Camus ou Jean-Paul Sartre, apostou nessa fase no futebol e aceitou a mudança. Aí, ganhou quatro Campeonatos e duas Taças de Portugal, sagrou-se o melhor marcador do Campeonato em duas temporadas e só uma lesão grave travou esse trajeto fulgurante, fazendo com que saísse em 1975 para o Belenenses entre uma pequena aventura nos EUA pelos Rochester Lancers em 1977 e o final em 1978.

Como jogador conquistou Portugal, como treinador ganhou a Europa. Depois da passagem como técnico adjunto do V. Guimarães com Pedroto e pelo Belenenses, Artur Jorge deu nas vistas no Portimonense durante dois anos e foi o escolhido por Pinto da Costa para assumir o cargo que tinha sido deixado de forma precoce e inesperada por José Maria Pedroto por doença. O “discípulo” cumpriu o desígnio do Zé do Boné e, entre Campeonatos e Taças de Portugal, comandou o FC Porto à conquista do primeiro título europeu dos dragões na final de Viena frente ao Bayern em 1987, dando início a um caminho que teve ainda passagens por PSG, Benfica ou Seleção, entre vários cargos. No entanto, foi esse momento que definiu tudo o resto.

Artur Jorge transferiu-se no ano seguinte à glória europeia para o Matra Racing, de França, regressando em 1988/89 ao FC Porto antes de voltar a sair para terras gaulesa via PSG em 1991/92 para mais três épocas. Aí ganhou um Campeonato, uma Taça e uma Supertaça, voltando a Portugal em 1994 para orientar o Benfica. Foi na Luz que teve um grave problema de saúde, com uma operação para remover um tumor do cérebro. Acabou por deixar os encarnados no início da temporada de 1995/96 mas marcaria presença no Europeu de 1996 em Inglaterra, comandando a seleção da Suíça. Seguiu-se a Seleção Nacional, num ciclo que ficou marcado pelo polémico empate na Alemanha com expulsão de Rui Costa que afastou Portugal do Campeonato do Mundo de 1998 e também pelo episódio da agressão de Sá Pinto no Jamor um ano antes.

Daí para a frente, passou por vários países e realidades: Espanha (Tenerife), Países Baixos (Vitesse), França (PSG), Arábia Saudita (Al Nassr e Al Hilal, onde foi campeão), Portugal (Académica), Rússia (CSKA Moscovo), seleção dos Camarões (com presença na Taça das Nações Africanas de 2006), Koweit (Al Nasr), de novo França (Créteil-Lusitanos) e Argélia (MC Alger), onde teve o último trabalho no futebol em 2016 num trajeto onde foi também presidente do Sindicato. Morreu esta quinta-feira vítima de doença prolongada.

“Será sempre lembrado”: Presidente da República lamenta morte de Artur Jorge

O Presidente da República lamentou a morte de Artur Jorge, transmitindo à sua família “as mais sentidas condolências”. “Será sempre lembrado pelo seu percurso como treinador de futebol, nomeadamente, e entre os vários títulos alcançados, pela conquista da Taça dos Campeões Europeus em 1987”, refere a nota publicada na página da Presidência, frisando a carreira do antigo futebolista e treinador. “Durante o seu percurso, Artur Jorge foi selecionador da Seleção Nacional de Futebol, treinador de vários clubes históricos em Portugal e no estrangeiro, onde também alcançou importantes títulos”. A Presidência destacou ainda que Artur Jorge “foi condecorado com as insígnias de Grande-Oficial da Ordem do Mérito”, em 1989.

“Foi com grande consternação e tristeza que tomei conhecimento da morte de Artur Jorge, uma figura indelével do futebol português. Jogador de grande gabarito, internacional por 16 vezes, selecionador nacional em duas ocasiões e, como treinador principal, campeão europeu ao serviço do FC Porto, Artur Jorge sempre prestigiou o futebol nacional na Europa e no mundo. Teve passagens marcantes pelo futebol francês, onde foi um grande elo de ligação com a comunidade emigrante lusa, e acima de tudo foi uma pessoa que sempre pautou a sua conduta pelos mais exigentes padrões da ética pessoal e desportiva. Foi um grande intelectual, uma pessoa com um perfil afável, humilde e discreto e o primeiro treinador português a conquistar uma Taça dos Campeões Europeus pelo FC Porto. Todos os amantes do futebol recordam com grande carinho essa conquista indiscutivelmente fundadora, no final dos anos 80, do ressurgimento do futebol nacional nos grandes palcos internacionais”, destacou Fernando Gomes, líder da Federação.

“O Artur será sempre uma das figuras mais importantes e respeitadas do futebol português. O Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol deve ao Artur Jorge a liderança da primeira Comissão Executiva. Trata-se de um dos nossos pais fundadores, a quem devemos a coragem, o espírito de missão e o sacrifício para dar vida a estrutura sindical, em plena ditadura. Quis o destino que nos deixasse na véspera do aniversário da organização que ajudou a fundar, sendo da mais inteira justiça, em nome dos futebolistas, das mais diversas gerações, prestar-lhe a mais sincera homenagem. O Sindicato e os Jogadores têm memória, nunca o esqueceremos e tudo faremos para preservar o seu legado pessoal, bem como os ensinamentos que a sua geração nos deixou”, frisou Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores de Futebol.

[Ouça aqui as declarações de Joaquim Evangelista sobre Artur Jorge na Rádio Observador]

Joaquim Evangelista considera que o legado de Artur Jorge “foi emancipar jogadores”

“Tão inesquecível como aquela noite de Viena. Artur Jorge será sempre um de nós. Até sempre, Mister”, escreveu o FC Porto numa primeira reação na rede X. “Em nome da iniciativa Todos pelo Porto, manifesto o nosso pesar pelo falecimento de Artur Jorge, um portuense enorme, um atleta singular. Um treinador inspirador e galvanizador com quem celebrámos a primeira conquista europeia do Futebol Clube do Porto, em 1987. Nessa noite, durante o intervalo, disse aos nossos jogadores: ‘É hoje ou nunca mais, vamos ficar na história’. E assim foi. Deixou-nos com uma das mais belas memórias das nossas vidas. Hoje é um dia triste para o futebol, para o desporto, e para todos os portistas”, salientou Pinto da Costa através da mesma rede social. “Até sempre, Artur Jorge”, assinalou o antigo treinador e candidato André Villas-Boas.

“Partiu um dos nossos, um portista. Um homem de princípios e de títulos, que tantos e tão importantes nos deu. Partilhámos muita coisa, de Coimbra ao Porto. Foi ele que me abriu as portas da Seleção. Parte um senhor, um verdadeiro pioneiro do nosso futebol. Até sempre, Artur!”, escreveu Sérgio Conceição. “Tenho um afeto especial porque a pessoa que me lançou no futebol era a Dona Filomena, cunhada do senhor Artur Jorge. São de Coimbra. Conheço os sobrinhos, joguei com eles, e tínhamos uma ligação grande a esse nível. Agora o que fica são as grandes memórias de um grande homem, um grandíssimo profissional e o primeiro treinador português a ganhar uma Liga dos Campeões. Era um gentleman, alguém de um trato fantástico, não era seguramente o meu estilo, o meu estilo no sentido em que eu sou um bocadinho mais efusivo a passar a minha mensagem e ele era uma pessoa muito tranquila, muito calma e foi uma inspiração para todos. Não é por ele partir que vamos de elogio fácil, é merecido”, acrescentou ao Porto Canal.

“Artur Jorge, treinador e Homem que recordarei como um dos maiores de sempre. Lembro o dia em que entregou sem medo a baliza do FC Porto a um jovem de 18 anos. Lembro sobretudo as lições de futebol e de vida que sempre transmitiu a quem com ele trabalhou. Obrigado Mister”, apontou Vítor Baía. “Era uma pessoa que na altura em que veio treinador o FC Porto tinha uma cultura acima da média. Percebia de futebol e todos acreditávamos nele como treinador e como homem. É triste para o FC Porto, para quem trabalhou com ele e para o futebol português e europeu. O que me vem logo à cabeça quando penso nele é o intervalo do jogo de Viena. Corrigiu o que estava menos bem e lembro-me perfeitamente de uma frase que disse: ‘Têm 45 minutos para ficarem na história’. Isso galvanizou-nos e deu frutos”, acrescentou o ex-capitão João Pinto.

[Ouça aqui as declarações de Augusto Inácio sobre Artur Jorge na Rádio Observador]

Augusto Inácio sobre Artur Jorge: “Ele era diferente”

“Hoje é dia de voltar ao ano de 2002. A Académica vivia uma das fases mais difíceis da sua história e Artur Jorge aparece a fazer o impensável. Ao dia de hoje parece ainda mais impossível. Um treinador que nos 12 anos anteriores tinha treinado ‘apenas’ o FC Porto onde se tinha sagrado campeão europeu, Benfica, PSG, Seleção Nacional e Tenerife, vinha para Coimbra em modo pró-bono. Não será hoje preciso recordar o seu inolvidável percurso como jogador nesta casa. É sim o dia de lamentar a perda de um herói. Daqueles a quem a nossa casa ficou a dever um obrigado. Daqueles a quem o tempo se encarregará de trazer a justiça devida”, destacou a Académica, clube onde Artur Jorge deixou marca como jogador e treinador.

“Recordo o senhor Artur Jorge porque eu já tenho idade e lembro-me de vir de Coimbra para o Benfica. Para mim há três marcas: o jogador e também o goleador, depois o treinador, com conquistas, e depois um elemento importante neste tempo. O senhor Artur Jorge foi um dos homens do Benfica e de outros clubes que deu sentido ao sindicalismo no futebol português. A dignidade do futebolista também teve nele uma marca e uma referência, mas para mim, como benfiquista, recordo aquela subtileza e aquela mestria, aqueles golos de cabeça que no velho estádio me fizeram saltar tantas e tantas vezes. Estou certo que, onde quer que esteja, que estaremos a acompanhá-lo”, comentou Fernando Seara, presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica, em declarações à BTV em nome do clube a partir de Toulouse.

“O Artur Jorge não foi apenas um grande jogador e treinador de futebol, mas também uma grande pessoa. Tivemos momentos muito bons, enquanto adversários, estava ele na altura na Académica, ou depois quando foi meu colega no Benfica e na Seleção Nacional. Construímos uma amizade muito forte. É um momento muito triste para todo o futebol”, referiu o antigo internacional e selecionador, e atual vice da FPF, Humberto Coelho. “Foi sempre um elemento muito solícito em relação aos mais novos. Transmitia algo diferente daquilo que era normal na altura. Foi sempre uma referência.  Era um treinador muito organizado e que queria sempre levar as coisas no sentido mais construtivo. Marcou-nos muito”, salientou Shéu.

[Ouça aqui as declarações de Toni sobre Rui Águas na Rádio Observador]

Toni sobre Artur Jorge: “Futebol português ficou mais pobre”

“É uma notícia que nos deixa tristes porque, embora sendo quase uma morte anunciada, fruto da doença que tinha há muito, é uma parte de nós que parte. Conheci o Artur Jorge quando eu era júnior do Anadia e ele era júnior do FC Porto. Tivemos confrontos para o Campeonato, cimentámos a nossa amizade na Académica e depois tivemos momentos bons enquanto jogadores, partilhando as cores do Benfica. Depois, cada um seguiu a sua carreira. É um treinador que marca a história do FC Porto, tendo sido o primeiro a ser campeão europeu. O futebol fica mais pobre. São palavras sentidas para alguém que deu um contributo ao futebol como jogador, treinador e selecionador. Era um jogador, fino, inteligente, elegante, com um sentido de oportunidade muito grande e com um futebol de cabeça muito forte”, sublinhou Toni, glória do Benfica.

“Foi com grande tristeza que fiquei a saber da morte de Artur Jorge, com quem tive o privilégio de trabalhar no PSG e como seu adjunto na Argélia, em 2016. É um dia muito, muito triste. Além do grande profissional que foi, era uma pessoa fantástica. É uma perda muito grande. Era um homem muito recatado e dotado de uma capacidade intelectual bem acima da média. Era amigo do seu amigo e eu tive o privilégio de conviver com ele na Argélia, morávamos juntos no mesmo apartamento. Aprendi muito com ele e, ao contrário do que muita gente pensava, era muito engraçado”, elogiou o ex-jogador Valdo à BTV.

[Ouça aqui as declarações de Rui Águas sobre Artur Jorge à Rádio Observador]

“Artur Jorge foi um dos primeiros a tirar o curso especializado de treinador”

“Era um grande cavalheiro, um senhor de uma classe ímpar. Classe essa que eu tenho o privilégio de poder dizer que se prende a toda a sua família. Sinto-me privilegiado pelos poucos contactos que tive. A história do futebol português é a história dos treinadores em Portugal, e é seguramente o primeiro treinador em Portugal a ser culto, a interessar-se por cultura, por livros, por estudos. E depois é a história. A história que se faz ou que não se faz. Foi uma referência. Dizer que foi o primeiro grande treinador português é ser um bocadinho desrespeitoso com outros treinadores de gerações anteriores, que seguramente tiveram menos oportunidades. A evolução do mundo faz com que diferentes gerações tenham diferentes oportunidades, mas eu recordo claramente de ser aluno universitário e de ter muito presente o senhor Artur Jorge. Evoluir no treino, ter conhecimento que na altura era difícil de chegar”, disse José Mourinho à RTP.

[Ouça aqui as declarações de Domingos Paciência sobre Artur Jorge na Rádio Observador]

Para Domingos Paciência, o ex-selecionador Artur Jorge “Marcava pela sua exigência”

“Todas as palavras que possam ser escritas ou ditas agora não conseguirão nunca exaltar com justiça os extraordinários e brilhantes feitos de uma carreira ímpar ao serviço do Futebol Português. A tua memória perdurará para sempre naqueles que te admiravam, dentro e fora do campo. Sentimos e sabemos do teu exemplo de Campeão, Homem, Jogador e Treinador, que chegou e partiu maior do que tudo e todos. Obrigado por tudo”, realçou Carlos Queiroz, também ele antigo selecionador nacional Sub-20 e A.