É certo que Pedro Pablo Pichardo, lesionado, não estava presente. É certo que nomes como Lázaro Martínez ou Donald Scott (mas sobretudo o cubano) estão a anos luz daquilo que já conseguiram um dia fazer – e se vão lá chegar mais uma vez permanece como incógnita. É certo que Will Claye, que teve os seus tempos mais áureos quando competia com o compatriota norte-americano Christian Taylor, também não fazia parte da lista dos inscritos. No entanto, perceção ou realidade, ficou a ideia de que a final do triplo salto não teve tanto destaque na transmissão em direto ou na gravação dos saltos com melhores marcas do que é habitual. Ainda assim, deu para ver algumas coisas de Tiago Pereira. Mais importante, deu para celebrar o seu bronze.

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Na primeira vez que surgiu nas imagens já depois daquela habitual cerimónia de apresentação dos atletas na antecâmara da final, o atleta do Sporting tinha acabado de 16,74 naquela que foi a sua segunda tentativa após um nulo. A forma como teve de ajustar a corrida a meio para colocar da melhor forma o pé da impulsão na tábua e a forma como caiu na caixa de areia mostravam que podia fazer melhor, como acontecera no mês passado em Torun quando bateu o recorde pessoal (17,02), e terá sido isso que Iván Pedroso, treinador que orienta alguns dos principais nomes do triplo salto como Yulimar Rojas após uma carreira de sucesso, foi tentando explicar dentro do possível das bancadas para a pista. Depois, vieram outras provas.

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Só mesmo no final, e quando parecia mais complicado a conquista da primeira medalha internacional aos 30 anos, voltámos a ver Tiago Pereira. Aí, em direto, estava nervoso. Cada salto que havia, cada suspiro que ia dando. Uns minutos antes, quando o chinês Yaoqing Fang pensava que os seus 16,93 podiam ser ameaçados pelo italiano Emmanuel Ihemeje ou pelo norte-americano Donald Scott, foi o português que voou para o salto de uma vida que lhe valeu o então parcial terceiro lugar na final. Os olhos estavam na caixa de areia, nas bancadas onde estavam Pedroso, nos ecrãs do recinto em Glasgow. Ihemeje tinha condições para superar mas caiu mal, Fang também não fez melhor. O bronze estava garantido, com Hugues Fabrice Zango, do Burquina Faso, a ganhar a prova com 17,53 e o argelino Yasser Mohammed Triki a ser segundo com 17,35.

Nesse momento, o destaque estava do lado contrário e na britânica Molly Caudery, que acabara de ganhar em “casa” a medalha de ouro no salto com vara à frente da neozelandesa Eliza McCartney e da norte-americana Katie Moon (Sandi Morris não foi além da quinta posição de forma surpreendente). Assim, foi preciso esperar pela final dos 60 metros barreiras masculinos ganhos por Grant Holloway, dos EUA, para voltarem as imagens da festa, numa altura em que o atleta nacional distribuía sorrisos ao lado de Zango e Triki já com uma bandeira XXL de Portugal às costas. Se o irmão Rui, mais conhecido por Papillon, é um dos principais nomes do hip hop português, em Glasgow foi Tiago que deu música a quase toda a concorrência.

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“Já chorei, já gritei, já ri! Já passei por isso tudo e ainda estou a cair em mim. Só tinha um salto válido a 16,74 mas aceitei a indicação do treinador e decidi arriscar tudo. Estou muito feliz. por finalmente conseguir materializar em resultados o trabalho que tenho vindo a fazer. Lancei aqui a minha candidatura ao pódio europeu, quiçá ao título”, atirou ainda na zona mista, nas primeiras declarações citadas pela Federação de Atletismo depois da medalha de bronze nestes Mundiais de Pista Coberta que acabou por ser quase uma “vingança” da desilusão que teve com a quarta posição dos últimos Europeus em Pista Coberta. “Vim para este concurso muito bem preparado. Sabia o que estava a fazer. Pensei que ia saltar mais do que saltei. Estou muito grato pela medalha, muito feliz com o resultado”, acrescentou depois à Antena 1.

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“Desde jovem, quero ser sempre o melhor. Posso ir jogar contra o Cristiano [Ronaldo] ou o Messi mas quero ser o melhor, mesmo sabendo que eles têm uma qualidade fenomenal. Pode ser contra o Pedro Pichardo ou o Andy Díaz, que me venceu em Torun. Ser o melhor em Roma significaria um título. Mais do que um título, ‘o’ título: o meu objetivo é ser campeão da Europa. Sempre tive a felicidade de conseguir evoluir, mesmo nos momentos maus, e nunca fiquei para trás. Passo a passo, fui aprendendo. Hoje, posso dizer, sem problema nenhum, que sou o melhor atleta da minha geração. De todos os que cresceram comigo da minha geração, sou o melhor atleta. Considero-me, psicologicamente, um dos mais fortes de Portugal. Já lidei com muitas situações difíceis, tanto na vida, como no desporto, e sempre tive a força mental para seguir e manter o meu foco”, referiu numa entrevista recente ao JornalismoPortoNet, admitindo que esteve para abandonar a carreira em 2021, ao não ser chamado para os Europeus: “Quero ser imortal no desporto português”.

De recordar que, nos últimos 15 dias, Portugal tem um histórico em finais de Mundiais em Pista Coberta no triplo salto masculino: Nelson Évora conseguiu duas medalhas de bronze em 2008 (Valência) e em 2018 (Birmingham), Pedro Pablo Pichardo ganhou a medalha de prata em 2022 (Belgrado) e agora Tiago Pereira conquistou também a medalha de bronze em Glasgow. Em termos globais, a Seleção alcançou a 16.ª medalha em Mundiais em Pista Coberta, entre cinco ouros, cinco pratas e agora seis bronzes.