“We want safety for all, that’s why we fight everyday”. A promessa de Mariana Mortágua de garantir “segurança” a todos é feita em inglês para uma plateia de imigrantes que a ouvem numa salinha apertada, entre estantes de livros e quadros de cortiça com informações úteis para quem chega ao país sem ter uma rede a que se agarrar. Nesta terça-feira soalheira em Lisboa, a coordenadora do Bloco de Esquerda decidiu dirigir-se à associação Solidariedade Imigrante para falar de um dos temas que aqueceram a campanha, a imigração, e deixar recados à direita, que acusa de querer “explorar” estes trabalhadores.
Por entre os corredores estreitos do pequeno andar onde a associação está instalada — um andar cuja renda é paga pelos próprios imigrantes, que andam a pedir (sem sucesso) um espaço à autarquia, disse o presidente, Timóteo Macedo — o Bloco é bem recebido, uma vez que não é exatamente um visitante novo por estas bandas e que há muito tem uma relação próxima com a associação. São os mesmos imigrantes que participam no “atendimento”, porque “entendem o que o outro passa”, explicou Anabela Rodrigues, candidata em quarto lugar pelo Bloco e ativista antirracista.
Daí que Mortágua ouça incentivos assim que se senta numa mesa cheia de doces e café, com alguns dos membros da associação à sua volta. Madina Omar, imigrante que vive em Portugal há mais de duas décadas, foi direta ao apelo ao voto no Bloco: “Gostava de que os portugueses perdessem o medo e experimentassem por uma vez votar e dar voz ao Bloco. Vamos tentar dar uma oportunidade à mudança”, apelou.
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Entre os outros desejos que deixou, na conversa com Mortágua pediu que a sociedade veja os imigrantes como pessoas que “não estão a mais” e trabalham nos setores em que “os cidadãos daqui não querem e não podem trabalhar”, com especial ênfase à “dignidade” que quer ver no trabalho doméstico. Mortágua já tinha estado a falar com Adélia Costa, que trabalhou como empregada doméstica e junto de quem falou sobre as “horas a mais” que se fazem e a “exploração” de que estas trabalhadoras são alvo.
Mortágua teve um discurso completamente alinhado com o de Madina: falando aos imigrantes ali presentes, em português com o já citado remate em inglês, defendeu que sem eles “áreas como Agricultura, construção e cuidados” simplesmente “não existiriam”, frisando que quem chega de fora deve ter “direitos iguais e deveres iguais”. Disse andar a ouvir “muitas mentiras sobre a imigração” e que “não há um problema de segurança” a esse propósito em Portugal, acrescentou mais benefícios da imigração — de fazer a economia funcionar a representar um contributo muito significativo para a Segurança Social, para “pagar as reformas de quem nasceu em Portugal” — e defendeu que estas associações fazem o trabalho que o Estado devia fazer. No final, passou ao tiro à direita.
“Quem vem levantar suspeitas, medo, sobre os imigrantes, não é porque quer menos imigrantes; quer é mais imigrantes clandestinos e explorados”, atirou, dias depois de ter arrancado a campanha a classificar as declarações de Pedro Passos Coelho, que associou uma sensação de insegurança à imigração e criticou o governo socialista por não ter feito mais nesta área, como um “disparate”. “Sabem que estas pessoas são essenciais mas querem que sejam incapazes de fazer valer os seus direitos”, atacou Mortágua desta vez, garantindo que “fazia bem” a todos os candidatos visitarem a associação, para falarem com imigrantes de “trabalho esforçado”, com uma vida “não muito distante da que tiveram os portugueses quando imigraram”.
E foi ainda mais dura no ataque à direita, que chegou mesmo a acusar de querer mais imigrantes clandestinos: “Ouvimo-la [a direita] muitas vezes falar sobre os perigos da imigração irregular. Mas noto que onde governa, nas autarquias, o que há é mais dificuldade para regularizar imigrantes, estão a ser criados entraves. Isso diz tudo sobre uma direita que só quer atirar estas pessoas para mais dificuldades, irregularidades e clandestinidade. Não é porque querem menos imigrantes, querem imigrantes mais explorados e mal pagos, à mercê desta economia selvagem”.
Será uma referência a casos como o da Junta de Freguesia de Arroios, governada por PSD e CDS, da qual o Bloco fez queixa à Provedora de Justiça por recusar emitir atestados de residência a imigrantes sem título de residência válido — uma avaliação que não cabe à junta, uma vez que esta não tem competências para avaliar a “situação jurídica” dos seus habitantes, argumenta o Bloco.
O recado final foi para o PS, que extingiu o SEF — e bem, concordou Mortágua, uma vez que os imigrantes não deviam ser recebidos “pela polícia, porque não são criminosos” — mas criou a AIMA, agência para a Integração, Migrações e Asilo, que tem tido problemas no acolhimento de imigrantes. Ora essa entidade deve ser “melhorada”, garantindo que “funciona” mesmo e acabando com a “enorme confusão” que está a acontecer até agora e que deixa os trabalhadores imigrantes mais expostos a abusos.
Será um tema fácil de negociar com o PS, caso tenha oportunidade para isso? Para a líder do Bloco, a imigração é um tema “incontornável”, sobre o qual tem havido “muita desinformação e mentira”, pelo que é preciso assumir “posições fortes” e ter um debate “sério” com todos os partidos que façam parte de uma eventual maioria de esquerda sobre como acolher os imigrantes e dar direitos a toda a gente. Mais uma vez, e como em todas as promessas que tem feito, só conseguirá ter alguma hipótese de a cumprir se a esquerda conseguir crescer, e crescer de tal forma que bloqueie uma maioria à direita.
Catarina Martins e Luís Fazenda juntam-se a arruada, com cântico inspirado em Variações
À tarde, Mariana Mortágua contou com a ajuda de Catarina Martins, que voltou a entrar na volta da líder para participar na tradicional arruada do Bloco de Esquerda por Lisboa. Uns metros mais à frente, foi a vez de o fundador Luís Fazenda se juntar à comitiva.
Apesar de estar acompanhada pela ex-líder, que ainda nas últimas legislativas percorria como coordenadora aquele mesmo percurso, Mortágua liderou a arruada. Pelo meio, encontrou uma ou outra pessoa que lhe perguntaram pela antecessora e pediram para cumprimentá-la, com Mortágua a chamar por Catarina Martins e a concluir: “Nós no Bloco somos sempre a somar”. Catarina Martins anuiu e disse aos jornalistas ter a certeza de que as pessoas “reconhecem a preparação” da nova líder, cuja prestação classificou como “extraordinária”.
O novo cântico que os jovens do Bloco vão cantando arruada fora é também centrado na coordenadora: os membros que compunham a comitiva foram buscar inspiração a António Variações, mas também nas rendas altas que pagam para cantar “Se o senhorio não tem juízo/ Se pagas mais do que é preciso/ Vota na Mortágua/ É p’ra votar, é p’ra votar/ Se te está a custar”. Pareceu entrar no ouvido.
Durante a arruada, Mortágua teve interações simpáticas, sendo que algumas incluíram queixas de pessoas com quem se cruzou sobre os preços das casas ou, no caso de uma idosa, do “sofrimento” que a “direita” a fez passar. Houve selfies, abraços, uma fã que disse ver em Mortágua “a força das mulheres” e até a presença do mais visível crítico das últimas direções do Bloco, o ex-deputado Pedro Soares.
No final da arruada, voltou a tentar travar eleitores de esquerda que possam ter a tentação de ceder ao “voto útil”: “Há muita gente, para não dizer toda a gente, que assistiu e viu como a maioria absoluta trouxe tanta instabilidade. A minha mais profunda convicção é que as pessoas vão votar porque acreditam”, atirou. Para Mortágua, a esquerda precisa de “olhar olhos nos olhos do país” e assumir que há “problemas graves”, frisou, recordando as histórias das mulheres que encontrou durante a arruada e que lhe disseram que os filhos ou netos “não conseguem encontrar casa para viver”.