É uma espécie de quimera que deverá ter como resultado final o arquivamento ou a prescrição criminal. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto decidiram extrair certidão das suspeitas de corrupção que incidem sobre a adjudicação da construção da barragem do Baixo Sabor e retiraram as mesmas do caso EDP.

“Determina-se a separação do inquérito (…) referente à investigação ao Grupo Odebrecht e a sua intervenção num conjunto diversificado de negócios, onde, para além de pontuarem a adjudicação da construção das barragens (nomeadamente a do Baixo Sabor) ao consórcio Odebrecht/Grupo Lena”, lê-se no despacho de extração de certidão datado de 21 de dezembro de 2023.

O despacho especifica toda a prova que foi carreada desde 2018 para os autos, sendo que a última busca judicial com vista à recolha de prova ocorreu em junho de 2022 na sede da Odebrecht Portugal.

Caso Odebrecht. 81,5% de alegadas luvas terão sido pagas durante Governo Sócrates

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O despacho de extração de certidão especifica “toda a documentação (física e digital) bem como os objetos apreendidos à sede da Odebrecht”, assim dados digitalizados e documentos físicos que resultaram de pesquisas informáticas com as seguintes palavras-chave: “Sabor”, “Sócrates”, “Príncipe”, “Mexia”, “Pinho”, “Januário” e “EDP”.

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Assim como documentação que foi apreendida no escritório de advogados Vieira de Almeida relacionada com o consórcio ELOS – Ligações e Alta Velocidade e o processo de execução contra o Estado interposto na sequência da anulação do concurso de alta velocidade. O consórcio ELOS ganhou em 2010 o concurso lançado pelo Governo de José Sócrates já em tempo de dificuldades financeiras, tendo o mesmo sido anulado mais tarde. O consórcio reclama desde então uma indemnização de 149 milhões de euros ao Estado, que pode aumentar para cerca de 230 milhões de euros devido a juros de mora.

O “Príncipe” e as alegadas luvas pagas essencialmente durante o Governo Sócrates

As suspeitas sobre alegada corrupção na adjudicação da barragem do Baixo Sabor duram desde 2017, tiveram um impulso em 2018 e um grande empurrão no verão de 2020 com a resposta do Ministério Público (MP) Federal do Brasil à carta rogatória expedida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

Tendo por base a contabilidade clandestina da construtora brasileira Odebrecht (que fazia parte do consórcio construtor da barragem do Baixo Sabor após adquirir a construtora portuguesa Bento Pedroso), o MP Federal brasileiro fez uma ligação entre a entrega de três milhões de reais a André Gustavo (publicitário contratado pelo PSD de Pedro Passos Coelho) com um alegado financiamento da campanha do PSD nas eleições de 2015, como o Observador noticiou logo em agosto de 2020 aqui e aqui.

A contabilidade clandestina, que documentava o pagamento de subornos no Brasil e em todas as jurisdições internacionais em que a Odebrecht operava, registava que tinha sido feitos pagamentos desde 2008 a alguém que tinha “Príncipe” como nome de código.

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Novas informações sobre a contabilidade paralela da Odebrecht enviadas pelas autoridades brasileiras permitiram esclarecer que cerca de 80% das alegadas “luvas” pagas pela construtora brasileira terão sido transferidas durante o Governo de José Sócrates. Ou seja, cerca de 3,8 milhões de euros, de um total de 4,7 milhões de euros, terão sido pagos entre 2008 e 2010, sendo que a obra foi adjudicada pela EDP em junho de 2008, a obra iniciou-se apenas em 2011 e a barragem só entrou em funcionamento em 2016.

Diligências posteriores permitiram perceber que o nome de código “Príncipe” podia representar mais do que uma pessoa e podia dizer respeito a várias situações. Os responsáveis da Odebrecht chegaram a colocar a hipótese nos autos de que estes pagamentos dissessem respeito a salários e prémios não declarados ao fisco.

As transferências para um alegado testa de ferro de Ricardo Salgado

Contudo, tais informações nunca foram consideradas totalmente credíveis pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto. Isto porque foram descobertos novos elementos nos autos do processo Universo Espírito Santo que levavam para outras pistas.

Os elementos informáticos enviados pelos brasileiros referem um ficheiro de transferências “DDD Remessas F Canas 2012” que os procuradores indicariam que se trataria de Francisco Canas, falecido em 2017 e o principal arguido do caso Monte Branco.

Isto é, as empresas do Grupo Odebrecht, como a Fasttracker Global Trading e a Innovation Research Engineering and Development Ltd., recebiam fundos da conta ‘Paulistinha’ ou de outras sociedades offshore da construtora brasileira e terão transferido entre setembro de 2008 e outubro de 2009 cerca de um milhão e 350 mil euros para Canas.

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Tais transferências terão sido feitas de diversas formas. Umas canalizadas para a Suíça e outras para uma das contas de Francisco Canas num banco controlada pelo BPN em Cabo Verde. Esta conta em Cabo Verde, por exemplo, recebeu 695 mil euros das empresas da Odebrecht em fevereiro e abril de 2008.

O modus operandi de Canas, como também ficou claro em diversos autos, como os processo Monte Branco, BPN e até na Operação Marquês, passava por receber transferências bancárias na Suíça ou em Cabo Verde e disponibilizar os fundos em malas com ‘dinheiro vivo’, na sua loja localizada na baixa de Lisboa. Armando Vara, Duarte Lima, entre outros suspeitos de crimes económico-financeiros, são algumas das figuras públicas que recorreram a Canas e à sua rede — que, em troca, receberia 1% por cada transferência realizada.

Ora, pelo menos dois milhões de euros com origem nas contas da Odebrecht terão passado entre dezembro de 2008 e março de 2009 pela conta bancária que o empresário José Carlos Gonçalves teria no Espírito Santo Banker Dubai, o banco do Grupo Espírito Santo nos Emirados Árabes Unidos.

O empresário José Carlos Gonçalves foi identificado como alegado testa-de-ferro de Ricardo Salgado no caso Monte Branco através de declarações de Francisco Canas, o cambista que se tornou o principal arguido daquele caso por liderar uma rede de branqueamentos de capitais. Gonçalves chegou a ser detido pelo juiz Carlos Alexandre em 2012 por suspeitas de alegada fraude fiscal e de branqueamento de capitais de cerca de 18 milhões de euros.

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Contudo, a investigação ao “Príncipe” entrou num beco sem saída. Quem é ou quem são as pessoas que receberam os valores descritos na contabilidade clandestina da Odebrecht? Não se sabe e provavelmente nunca viremos a descobrir.

Recentemente, José Sócrates utilizou esta investigação para acusar o Ministério Público de o perseguir e de não investigar o Governo Passos Coelho.