Os pagamentos feitos ao publicitário da campanha de Passos Coelho, André Gustavo, estavam a ser investigados em Portugal, na sequência da Operação Lava Jato, desde 2017 num processo próprio, mas passaram esta semana a  ser investigados no processo EDP. Em causa estará um alegado suborno feito pela construtora Odebrecht — envolvida na Operação Lava Jato — a André Gustavo, num valor (880 mil euros) similar ao montante que o PSD pagou à empresa do publicitário brasileiro (868.943,24 euros) em 2015, para a campanha da coligação Portugal à Frente (coligação PSD/CDS) — eleição que culminou na vitória do então líder do PSD, Pedro Passos Coelho.

Foi por causa desta coincidência de valores e datas que os investigadores brasileiros alertaram, como consta no despacho ao qual o Observador teve acesso e noticiado esta terça-feira pela revista Sábado, que este valor se possa “referir ao financiamento da campanha eleitoral do PSD para a eleição do cargo de primeiro-ministro, disputada em 2015 por Passos Coelho.”

Fonte próxima do antigo primeiro-ministro garante ao Observador, no entanto, que não “houve nenhuma empresa brasileira a pagar seja o que for na campanha de 2015 ou noutra qualquer” e que Passos Coelho desconhece por completo o assunto. O antigo chefe de governo estará incomodado ao ver o seu nome associado a esta matéria quando o contrato com André Gustavo foi “suportado pelo PSD com total transparência”.

Olhando para as contas da campanha da PàF de 2015, verificadas pelo Tribunal Constitucional, e as contas anuais do PSD de 2015, verifica-se que o valor pago à empresa de André Gustavo, a Arcos Propaganda, foi precisamente 868.943,24 euros, um valor noticiado pelo Observador em 2018. Mas se o valor coincide com a investigação brasileira, as contas que constam no Tribunal Constitucional vão de encontro à fonte próxima do primeiro-ministro quando diz que não houve apoios de qualquer empresa brasileira. Olhando, por exemplo, para as contas de campanha eleitoral de 2015, os donativos tiveram valores irrisórios. Numa campanha com receitas de 4,3 milhões de euros, apenas houve 6 mil euros angariados em fundos e 240 euros em donativos em espécie.

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A campanha foi financiada em 2.605.696.54 euros em subvenção estatal e em 1.695.233,67 euros de donativo dos partidos (PSD e CDS).  Estes donativos do partido são também valores distribuídos via Assembleia da República. Ou seja: o dinheiro que saiu da conta do PSD para André Gustavo é dinheiro público, dos contribuintes. No relatório dessa campanha, a única referência que é feita à Arcos Propaganda é que o pagamento de 600 mil euros foi colocado no rol de “despesas em que não foi possível concluir sobre a razoabilidade do preço praticado”. Isso levou até o TC a concluir por uma irregularidade, que é habitual nas contas das campanhas. Ainda não há, no entanto, um acórdão final sobre essa campanha eleitoral.

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A carta rogatória do Brasil, que serviu para abrir a investigação em Portugal, relata que foi encontrada nos escritórios da Odebrecht uma “planilha” (folha de Excel) que tem os pagamentos feitos a alguém com a alcunha de “Príncipe” a pedido do “diretor-superintendente da Odebrecht em Portugal”. Neste documento editável, alertam os investigadores brasileiros, “há um comentário feito por Ângela Palmeira que vincula essa programação à obra de Baixo-Sabor”, que será a barragem de Baixo-Sabor em Trás-os-Montes.

Fernando Migliaccio da Silva — que geria os alegados subornos na Odebrecht — decidiu colaborar com a justiça brasileira e, num registo de delação premiada, referiu que “uma pessoa de nome André, que foi posteriormente reconhecido como sendo André Gustavo Vieira da Silva, visitou a sede da Odebrecth em São Paulo/SP, especificamente para cobrar o “pagamento dos valores relativos a Portugal“. O pagamento terá sido efetivamente realizado em 2015 pela equipa de “Paulistinha”.

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Onde surge, então, a ligação à campanha da PàF? Os investigadores brasileiros, na rogatória enviada para Portugal, dizem que “é possível identificar que os pagamentos faturados “por dentro” pela Arcos Propaganda para o partido PSD e para a Coligação Portugal à frente totalizaram 868.943,24, e foram feitos no mesmo período e em valores muito semelhantes aos repasses feitos “por fora” pelo SOE-Odebrecht em benefício de André Gustavo Vieira da Silva, que totalizaram aproximadamente 880.000 euros”. É aqui que é registada a coincidência de datas e valores.

Mas os investigadores dizem mais: “Deste modo, é possível que os pagamentos descritos na planilha ‘Paulistinha’ com referência à obra da barragem Baixo-Sabor, em Portugal, possam-se referir ao financiamento da campanha eleitoral do PSD para eleição do cargo de primeiro-ministro, disputada em 2015 pelo ex-primeiro-ministro de Portugal Pedro Passos Coelho. Essa afirmação, porém, baseia-se apenas nas informações acima relatadas, de modo que são apenas indiciárias”. Neste caso, de forma cautelosa, a investigação diz que esta suspeita é apenas “indiciária”.

É ainda referido que o próprio André Gustavo garantiu no interrogatório judicial que “os serviços de publicidade e marketing político prestados em Portugal foram “legais e corretos”, embora os “elementos de prova reunidos” sugerem que “efetivamente recebeu 3.000.000 de reais (equivalentes a aproximadamente 880.000 euros).

Artigo atualizado com os valores relativos à campanha das legislativas de 2015, que constam da documentação entregue à Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos.