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"A morte e o luto em Gaza" numa imagem: fotojornalista da Palestina é o grande vencedor do World Press Photo 2024

Este artigo tem mais de 6 meses

Mohammed Salem, da Reuters, foi o vencedor da Fotografia do Ano com uma foto numa morgue em Gaza. A guerra da Ucrânia, as migrações no México e a demência em Madagáscar são outros temas em destaque.

26 fotos

Uma mulher palestiniana, Inas Aby Maamar, de 36 anos, abraça o corpo da sobrinha, Saly, de 5 anos, embrulhado numa mortalha no hospital Nasser, em Khan Younis, Gaza. A foto, tirada a 17 de outubro do ano passado por Mohammed Salem, fotojornalista da agência Reuters, já tinha sido considerada uma das melhores de 2023 pela revista Time. Agora, venceu o prémio de Fotografia do Ano do World Press Photo, o mais importante do fotojornalismo internacional.

Mohammed Salem, também da Palestina, estava na morgue do hospital a registar o momento em que vários residentes de Khan Younis procuravam os seus familiares depois das ofensivas aéreas em Gaza. Foi aí que reparou em Inas Aby Maamar, “agachada no chão da morgue, a soluçar e a abraçar com firmeza o corpo da criança”, lê-se no site da Reuters.

A imagem marcou o fotógrafo nascido em 1985, que tinha sido pai poucos dias antes. “Foi um momento poderoso e triste”, explicou. “Senti que a imagem refletia, num sentido mais amplo, o que estava a acontecer na Faixa de Gaza. As pessoas estavam confusas, a correr de um lado para o outro, ansiosas por saber o destino dos seus entes queridos e esta mulher chamou-me a atenção, a segurar no corpo da menina, a recusar-se a largá-lo.”

A foto, tirada a 17 de outubro do ano passado por Mohammed Salem, fotojornalista da agência Reuters, já tinha sido considerada uma das melhores de 2023 pela revista "Time"

REUTERS

Na fotografia vencedora do World Press Photo 2024 não são visíveis nem o rosto da mulher, de véu amarelo e cabeça baixa, nem o rosto da criança, embrulhada no lençol. No entanto, duas semanas depois de a imagem ter corrido meios de comunicação de todo o mundo, da Al Jazeera ao The New York Times, a Reuters conseguiu encontrar a mulher retratada, Ina, que partilhou uma foto que tinha no telemóvel da sobrinha de 5 anos.

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Saly era a sua “preferida”, contou à Reuters. “Perdi a consciência quando vi a menina, agarrei-a nos meus braços. O médico pediu-me para largá-la, mas disse-lhe para a deixarem comigo.” Na ofensiva de Israel, também a mãe e a irmã de Saly morreram. O único sobrevivente foi o irmão, Ahmed, de quatro anos, que agora vive com a tia.

“A morte e o luto batem à porta de quase todas as casas de Gaza”, afirmou o fotógrafo à revista norte-americana Time. Com a imagem a correr o mundo, esperou que pudesse haver mais uma razão para parar com as “mortes, os ataques e a destruição em Gaza”. “Já cobri muitos conflitos pelo mundo, mas esta guerra foi a pior que vi.”

Para o júri do World Press Photo, a fotografia vencedora tem “várias camadas”, escreveram num comunicado enviado à imprensa. Representa “a perda de uma criança, a luta do povo palestiniano e as 33 mil pessoas mortas na Palestina”. Além de “simbolizar o custo do conflito”, a fotografia mostra também a “futilidade de todas as guerras”, consideram.

A imagem, apesar de ter sido feita “num contexto geográfico médico distante”, descrevem, “ressoa globalmente, levando-nos a confrontar a nossa dessensibilização em relação às consequências dos conflitos humanos.”

O júri sublinhou que Mohammed Salem já tinha sido premiado no World Press Photo há mais de uma década “com o mesmo tema”, reforçando a “luta contínua pelo reconhecimento de uma questão tão urgente”.

Em 2010, Salem, que colabora com a Reuters desde 2003, venceu o 2.º prémio na categoria Spot News do mesmo concurso, com uma fotografia de janeiro de 2009 de um ataque israelita com bombas de fósforo branco em Gaza.

Da demência em Madagáscar ao diário de guerra na Ucrânia

A fotógrafa sul-africana Lee-Ann Olwage foi também distinguida com o prémio de História do Ano do World Press Photo pelo trabalho Valim-babena, publicado na revista GEO.

Lee-Ann Olwage

Olwage, de 38 anos, viajou até Madagáscar para retratar a demência, com a história familiar de Dada Paul, de 91 anos, ao cuidado da sua filha Rafa, de 41 anos, e da associação Masoandro Mody, a única no país dedicada à doença de Alzheimer.

Para o júri do concurso, “a história aborda um problema universal de saúde através da perspetiva da família e dos cuidados”, explicaram. “As imagens selecionadas transmitem calor e ternura, lembrando o amor e a proximidade necessários em tempos de guerra e agressão por todo o mundo.”

O título do trabalho, Valim-babena, é uma expressão malgaxe que se refere ao reconhecimento e à gratidão dos filhos para com os pais que os criaram. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 55 milhões de pessoas do mundo inteiro têm Alzheimer, perto de 40 mil em Madagáscar.

The Two Walls, trabalho a preto e branco do fotojornalista venezuelano Alejandro Cegarra para o The New York Times e para a Bloomberg, foi o vencedor global na categoria Projeto de Longa Duração para projetos fotográficos de vários anos. Cegarra, de 34 anos, que em 2017 se mudou da Venezuela para o México, retrata desde 2018 os imigrantes no México, país com políticas cada vez mais apertadas.

ALEJANDRO CEGARRA

A experiência de migração do próprio fotógrafo ajudou-o, segundo o júri do concurso, a ter outro olhar sobre o assunto, uma “perspetiva sensível e centrada no ser humano, a enfatizar a ação e resiliência dos migrantes”, escreveram.

Julia Kochetova, de 29 anos, da Ucrânia, foi a vencedora da mais recente categoria global dos prémios, a Formato Livre, que inclui abordagens em suportes mais inovadores, como vídeo e som a complementar a fotografia. War is Personal é um site com fotografias, áudios, SMS, poesia e desenhos a acompanhar o trabalho fotográfico da ucraniana.

“Enquanto os meios de comunicação atualizam a sua audiência com estatísticas e mapas e a atenção internacional se desvia para outros lugares, a fotógrafa criou um site que combina fotojornalismo com o estilo pessoal de um diário para mostrar ao mundo como é viver o quotidiano da guerra”, lê-se no comunicado do World Press Photo.

Os vencedores globais das quatro categorias mais importantes do World Press Photo 2024 – Fotografia do Ano, História do Ano, Projeto de Longa Duração e Formato Livre – foram escolhidos pelo júri a partir dos 24 vencedores da competição regional do World Press Photo, anunciados no início de abril. Ao todo, foram recebidas mais de 61 mil submissões de 3851 fotógrafos de 130 países.

Este ano, o júri decidiu incluir também duas menções honrosas a duas fotografias que refletem o conflito Hamas-Israel, uma tirada depois do ataque no festival Supernova, em Israel, e outra nos escombros de Gaza.

“Embora cada fotografia mostre uma única pessoa no rescaldo de um ataque horrendo, o contraste entre as cenas ajuda a compreender as diferentes escalas de devastação sem minimizar o sofrimento individual”, escreveu o júri. As menções são também uma maneira de homenagear os fotógrafos do conflito, “sujeitos a enormes traumas, riscos e perdas pessoas, sobretudo em Gaza”.

Portugal não está na lista de vencedores, mas a exposição com as fotografias premiadas, que vai passar por cerca de 60 cidades em várias partes do mundo, chega ao Algarve no verão. Entre 29 de julho e 18 de agosto, estará no edifício da antiga lota de Portimão, com entrada gratuita.

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