O Ministério Público abriu inquérito às acusações de assédio e abuso de poder por parte de Boaventura Sousa Santos no Centro de Estudos (CES) da Universidade de Coimbra. Depois de receber o relatório da Comissão Independente do CES, que confirmava a existência de “padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia” da instituição, a Procuradoria-geral da República confirma ao Observador ter sido instaurado um inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra.
O relatório da Comissão Independente foi enviado ao Ministério Público há cerca de um mês, a meio de março. No documento, como o Observador escreveu na altura, confirmava-se situações de abuso e assédio, ainda que os autores do relatório fizessem a ressalva de que não tinha sido possível confirmar a veracidade de todas as informações que chegaram ao conhecimento daquela entidade. A PGR confirma agora ao Observador que “recebeu o relatório da comissão independente do CES e uma carta do coletivo de vítimas” e que esses “dois documentos, após análise, deram origem a um inquérito que se encontra em investigação no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra”.
Em causa estão acusações contra o sociólogo e investigador Boaventura Sousa Santos. As denúncias surgiram em público, pela primeira vez, num dos capítulos do livro “Sexual Misconduct in Academia” (Conduta Sexual Imprópria na Academia), com a chancela da editora britânica Routledge, e assinado por três investigadoras com um passado ligado ao Centro de Estudos Sociais: Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom.
No texto, as investigadoras descreviam ter sido vítimas de situações de assédio sexual numa instituição de ensino superior, sem referir explicitamente o Centro de Estudos Sociais, em Coimbra. Da mesma forma, o nome de Sousa Santos também não era referido.
A instituição formalizou a criação de uma Comissão Independente para recolher informação e testemunhos e apurar se as denúncias que visavam o CES tinham fundamento. No relatório que acabou por enviar ao Ministério Público, os membros da Comissão Independente referiam ter obtido relatos com “informação precisa e detalhada, situados no espaço e no tempo, descrevendo em pormenor reuniões de trabalho, conversas, situações de convívio e outras, apresentando, na sua maioria, consistência entre si e coerência interna”.
Ao todo, referia o mesmo documento, foram contabilizadas 14 pessoas denunciadas e 32 denunciantes. Do lado das vítimas, a informação recolhia apontava no sentido de que a maioria seriam mulheres (quase 80%) e que mais de metade era “estudante de doutoramento” e “investigador pós-doutoramento”.
Na reação à divulgação do relatório, Boaventura Sousa Santos disse estar “mais tranquilo” do que um ano antes, quando o caso começou a ser denunciado. “Nunca esperei uma absolvição das suspeitas que sobre mim pairaram porque, efetivamente, nunca fui confrontado com acusações concretas de abuso de poder ou de assédio — como, aliás, o próprio documento agora atesta”, referia o sociólogo. “Mas esperei que houvesse um esclarecimento que pusesse fim ao clima de suspeição, coisa que não aconteceu e que a Direção do CES optou, para já, por não garantir”, atirava ainda.