O antigo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, acusou este sábado o Ministério Público de ter uma “cultura de preconceito em relação à atividade política”, de “abusar” do recurso a escutas telefónicas e a buscas domiciliárias e de “ignorância” sobre como se desenrola a atividade política, vendo “em tudo indícios de crime”.

Numa entrevista à CNN Portugal, Santos Silva recusou comentar as recentes declarações de José Sócrates sobre a Operação Marquês, preferindo centrar-se em problemas estruturais que identifica no funcionamento da Justiça em Portugal — e, em concreto, nos desenvolvimentos da Operação Influencer, o caso que fez cair o governo de António Costa.

O dirigente socialista e antigo líder do Parlamento lamentou que, pela segunda vez, a justiça tenha “desmontado a teia de indícios que o Ministério Público julgou ver” — referindo-se ao recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o caso. Santos Silva recordou que há um “ex-primeiro-ministro que há cinco meses está indiciado, ou o país ficou a saber que corria, por iniciativa do Ministério Público, um inquérito no Supremo Tribunal de Justiça contra ele, e ao fim de cinco meses nem sequer foi ouvido, embora já tenha apresentado um requerimento”.

“Não me conformo com o facto de em Portugal poder haver pessoas que têm o seu nome enlameado e que nem sequer são ouvidas em sede de inquérito”, declarou Santos Silva.

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Para o antigo presidente da Assembleia da República, há “um procedimento demasiado habitual em Portugal”, que é o de haver pessoas condenadas “no tribunal da opinião pública, através de iniciativas que são muito pouco respeitadoras, para dizer o mínimo, dos seus direitos fundamentais”.

“Sabemos, por notícias nunca desmentidas, que um cidadão esteve quatro anos a ser escutado, diz agora o Tribunal da Relação, ilegalmente”, sublinhou, lembrando também que houve cidadãos que “passaram praticamente uma semana detidos” em “condições de especial humilhação” para, ao fim de uma semana, serem “mandados em paz pelo juiz de instrução, que não viu nenhuma sustentação para outra medida que não fosse o Termo de Identidade e Residência”.

Santos Silva diz que as alegações do Ministério Público demonstram a existência de “um grande desconhecimento” sobre o funcionamento da política e sobre o modo como os decisores políticos procuram “atrair investimento” para Portugal. “Aparentemente, os procuradores têm muita ignorância de como se faz e em tudo vêem indícios de crime”, assinalou.

Isto faz parte de um “padrão de preconceito” do Ministério Público, considera Santos Silva, que também acusa o MP de “preguiça” nas investigações, que “vivem” demasiado de escutas telefónicas e buscas. O socialista fala num “padrão — tanto quanto se consegue ver de fora, porque o Ministério Público não dá nenhuma espécie de esclarecimento — [porque] parece que há um abuso da figura da escuta telefónica”, bem como das buscas domiciliárias para fazer uma “pesca de arrasto, para ver se encontra alguma coisa”.

“É um padrão que não é muito consonante com exigências básicas de um Estado de direito”, defendeu. “Estamos perante uma possível violação muito grande de regras do Estado de direito.”

Questionado sobre se Marcelo Rebelo de Sousa deve demitir a procuradora-geral da República, Lucília Gago, o antigo líder do Parlamento evitou comentar diretamente, mas disse que compete ao Presidente da República “assegurar o funcionamento regular das instituições”, pelo que deve avaliar se “estamos ou não perante uma situação de tal gravidade” que exija uma intervenção desse género.