O Tribunal da Relação diz que o Ministério Público não apresentou qualquer indício de que Diogo Lacerda Machado tenha exercido qualquer influência sobre António Costa em decisões políticas investigadas no processo principal da Operação Influencer.

No acórdão em que rejeitaram o recurso do MP quanto às medidas de coação dos arguidos, os juízes desembargadores são taxativos. Escrevem que “as proclamações” sobre a influência de Lacerda Machado “não estão sustentadas em qualquer facto concreto”.

Para que isso acontecesse, dizem os juízes, “era essencial” que o MP descrevesse algum “comportamento objetivo” em que o ex-primeiro-ministro tivesse demonstrado “receptividade ou predisposição para ouvir e acatar o que o seu melhor amigo teria para lhe dizer”, em decisões políticas ou medidas legislativas. E isso, concluem os magistrados, “não aconteceu”.

De uma relação de amizade com um membro do governo, aliás, claramente assumida de forma pública e reiterada por ambos os protagonistas (…) tem de resultar a conclusão inexorável de que houve tráfico de influências, ou corrupção activa ou passiva, ou prevaricação?”, questiona o acórdão.

As conclusões do Tribunal da Relação dizem respeito apenas aos crimes de tráfico de influências alegadamente praticados por Diogo Lacerda Machado no processo principal da Operação Influencer — e não às suspeitas sobre António Costa que foram enviadas para o Supremo Tribunal da Justiça, para serem investigadas à parte.

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Fazem parte, ainda assim, de um acórdão em quase tudo arrasador para o MP. Na decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeita o recurso do Ministério Público no âmbito da Operação Influencer por considerar que “os factos apurados não são, só por si”, crime. Desta forma, os arguidos, incluindo Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, viram as medidas de coação aliviadas, deixando de estar proibidos de sair do país e ficando apenas com Termo de Identidade e Residência.

Mais: os juízes são claros ao concluir que, mesmo que houvesse indícios de crime, não havia — pelo menos na altura em que foram feitos os primeiros interrogatórios judiciais e em que foram decretadas as medidas de coação — quaisquer perigos para o processo (de fuga ou de perturbação do inquérito, por exemplo) que sustentassem essas mesmas medidas de coação.

O acórdão, sabe o Observador, fala em “meras conjeturas” e “especulações” a partir de escutas telefónicas que, entendem os juízes desembargadores, só provam que os arguidos falaram ao telefone. E faz ainda uma crítica dura aos procuradores titulares do processo: diz que, no recurso, o MP alega factos que não eram sequer referidos no documento de apresentação dos arguidos a interrogatório, o que viola os deveres de “probidade e boa fé” a que o Ministério Público está especialmente obrigado.

Em comunicado, divulgado esta quarta-feira e a que o Observador teve acesso, a Relação faz, ainda assim, uma crítica à informalidade com que os arguidos trataram dos negócios sob investigação, chamando a atenção para “a incorreção de se tratarem assuntos de Estado à mesa de restaurantes olvidando procedimentos e esquecendo a necessidade de se documentarem as relações havidas entre representantes de interesses particulares e os governantes do âmbito das suas funções”. E salienta que “não existe legislação em Portugal sobre a atividade de lobby, legislação que, a existir, evitaria muitas situações dúbias como algumas daquelas que foram apuradas nos autos”.

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Ao anunciar a decisão de rejeitar o recurso do Ministério Público, a Relação salientou que foram analisados “todos os factos invocados” a primeiro interrogatório e alertou que “não se pode confundir um facto, enquanto acontecimento histórico, com o teor de escutas ou mesmo com notícias de jornais”. “Desta análise resultou que nenhum do factos adiantados se traduziam na comissão de crimes não ultrapassando o desenvolvimento das funções de cada um dos intervenientes tendo todos eles atuado no âmbito das mesmas.”

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A Operação Influencer resultou na demissão do primeiro-ministro António Costa, após ter sido divulgado que era alvo de uma investigação do Supremo Tribunal de Justiça (processo que entretanto baixou para o DCIAP) sobre projetos de lítio e hidrogénio. O caso levou, em novembro, à detenção de Vítor Escária, chefe de gabinete de Costa, Diogo Lacerda Machado (consultor e amigo de Costa), dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Nunes, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas. Os cinco arguidos ficaram em liberdade após interrogatório judicial. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa representa “apenas uma análise da prova existente à data do primeiro interrogatório judicial e das necessidades cautelares que àquela data se verificavam”.

O Ministério Público vê agora ser rejeitado um recurso que interpôs no final do ano passado por “não concordar com o despacho do juiz de Instrução Criminal que aplicou as medidas de coação a cinco arguidos”, sendo que pretendia que fossem restaurados todos os crimes pelos quais os indiciava.

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