Marcelo Rebelo de Sousa responsabiliza António Costa por não ter sido possível ter um Governo socialista de transição, depois da demissão do primeiro-ministro (PM), em novembro do ano passado. Em novos registos áudio do jantar do Presidente da República com jornalistas estrangeiros, divulgados pela CNN Portugal, Marcelo defende que Costa “podia ter saído de PM, mas não de líder do PS” e que, ao deixar também o cargo de secretário-geral do partido, abriu “o problema da sucessão e da divisão da sucessão, que existia”.
Marcelo conta que “algumas pessoas pensaram que era possível adiar, com um Governo transitório socialista, que substituísse o primeiro-ministro António Costa e simulasse que a realidade não piorava”, mas insiste que isso seria impossível: “Ao apontar-me um independente para primeiro-ministro, [Costa] torna impossível a viabilidade de um governo liderado por um independente que não é socialista, num momento em que a única garantia de continuidade saía de líder do PS. Era impossível, era para cair rapidamente.”
Essa solução, diz o Presidente da República, teria “mais custos para os dois partidos fundamentais e mais benefícios para o partido mais contestatário”. “É um momento muito difícil. Eu preferiria que fosse em 2026, que o primeiro-ministro não se tivesse ou não tivesse sido forçado a demitir-se por causa do processo judicial — por ter entendido que era insuportável —, mas estava lá um problema“, conclui.
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Costa “chocado” e a conversa com a PGR
Foi a propósito deste tema que o Presidente da República revelou alguns detalhes da manhã em que o Ministério Público fez buscas no Palácio de São Bento e deteve o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, e Diogo Lacerda Machado, empresário e amigo de Costa, entre outros arguidos.
Marcelo Rebelo de Sousa conta que foi acordado por António Costa, quando recebeu a notícia. E repetiu que chamou a procuradora-geral da República ao Palácio de Belém a pedido do próprio primeiro-ministro, embora sublinhe que o faria de qualquer forma. “Nenhum de nós percebia porquê, o que é que se passava, não havia informação. Ele, que era o primeiro interessado, queria saber o que se passava — com ele, com colaboradores dele, com ministros do Governo dele. E, portanto, pediu-me para eu falar com a PGR — eu falaria sempre.”
Nessa conversa, garante, disse a Lucília Gago: “Não quero saber pormenores, não posso. Quero só perceber: aconteceu alguma coisa grave? Envolve o primeiro-ministro? Envolve o Governo? Ao menos isso.”
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Por essa altura, continua, “a Procuradoria tinha elaborado uma nota” e, quando a PGR chegou a Belém, “já a nota existia e tinha sido ou estava a ser divulgada”: “Portanto, o primeiro-ministro e eu ficámos a saber, como todas as pessoas, pela nota quais eram as matérias, genéricas, quais eram as pessoas. E depois uma nota final, de que havia suspeitas genéricas sobre o PM. Mais nada.”
Perante isso, António Costa entendeu — “justificadamente”, no entendimento de Marcelo — que não podia continuar em funções por estar em causa “um dano reputacional, moral e político incontrolável”, palavras que o PR atribui ao próprio primeiro-ministro. “Não sabia quanto tempo ia durar. A investigação podia durar um mês, dois meses, três meses, quatro meses. Era maior? Era menor? Era contra um, contra dois, contra três?”
Costa, que já tinha estado em Belém antes do comunicado, estava decidido a sair — e até nem via necessidade de voltar a encontrar-se com Marcelo: “Ia imediatamente dizer ao país que saía, mas eu insisti que ele voltasse lá. Mas ele estava muito claro, muito determinado e muito chocado”, contou o Presidente da República.
Os “novos factos” da Operação Influencer
Aos jornalistas estrangeiros, Marcelo Rebelo de Sousa sentiu necessidade também de justificar porque é que falou na ida de António Costa para o Conselho Europeu quando foi conhecido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que não encontrou indícios de crime na matéria que foi apresentada aos arguidos da Operação Influencer em novembro, quando foram detidos.
O Presidente da República diz que tentou encontrar “uma fórmula que não pudesse ser acusada de pressão sobre a justiça, mas que quisesse dizer que, à luz dos novos factos, vale a pena esperar uma evolução diferente dos acontecimentos”. Garante que disse apenas que, “depois dos dados recentes relativos à intervenção e ao processo judicial”, lhe parecia “mais simples, fácil e rápido ter o problema resolvido” a tempo de Costa “poder assumir funções no Conselho Europeu”. “Acho que esse prazo pode ser suficiente para, até lá — eu não quero com isto pressionar processo nenhum, influenciar processo nenhum — mas, até lá, haver a hipótese de ficar clarificada a situação processual.”
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Até porque, garante, a data de junho pode ser apenas teórica. “Pode acontecer que o processo europeu seja mais longo. Aconteceu com o presidente [da Comissão Europeia] Barroso na reeleição. Pode acontecer que não seja fácil a distribuição de lugares e a escolha de lugares logo em junho, julho. Que vá até setembro, outubro. Portanto, estamos a falar de um prazo muito dilatado.”
Se isso acontecer, acredita o Presidente da República, António Costa “será um grande presidente do Conselho Europeu” e isso seria “bom para Portugal e bom para a Europa”.
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Todo o relato levou Marcelo Rebelo de Sousa a uma análise do momento político atual, depois de “uma situação verdadeiramente indesejável”, para concluir que, sem a estabilidade de uma maioria absoluta e do primeiro-ministro dos últimos oito anos, “só resta um referencial, que é o Presidente da República”: “O primeiro-ministro mudou e o novo tem de afirmar a sua liderança; e o novo líder do PS tem de afirmar a sua liderança, para poderem ser referência.”
E este, garante Marcelo, é o momento de o país voltar a mostrar “bom senso”, “através de um fenómeno de transição que passa pela capacidade de se transformarem o PS e o PSD, e de dialogarem sobre questões de regime“.
O risco do desentendimento entre os dois partidos “fundamentais” é dar poder e destaque ao Chega — que o Presidente não refere diretamente: “Se não dialogarem, transformam em árbitro outra força política. Quem vai decidir, lei a lei, é outra força política.”
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