A princesa Irene, irmã da anterior Rainha Beatriz dos Países Baixos e tia do atual Rei Willem-Alexander, era a segunda das quatro filhas da Rainha Juliana e considerada a mais bonita de todas. Irene não ficou na História pelo seu papel na linha de sucessão ao trono, mas ele obrigou-a a abdicar do que o passado lhe garantia em nome de um futuro ao lado do homem que amava. Apaixonou-se por um espanhol, mudou de religião e, se se casasse sem a aprovação do governo e do parlamento, seria considerada “como morta”. Sem medo da sentença, escolheu seguir o seu caminho, abdicou dos seus direitos, partiu para o exílio e casou-se num templo com centenas de pessoas, mas sem nenhum membro da família. Os pais, a Rainha Juliana e o príncipe Bernardo assistiram pela televisão quando a filha deu o “sim, quero” em espanhol e em Roma, a 29 de abril de 1964, há precisamente 60 anos. É preciso saber alguma História, recorrer à Constituição e à imprensa da época, para perceber porque é que tudo isto abalou os Países Baixos e transcendeu as suas fronteiras.
A princesa Irene Emma Elisabeth nasceu a 5 de agosto de 1939 no Palácio de Soestdijk, foi a segunda das quatro filhas da princesa herdeira dos Países Baixos, que viria a ser a Rainha Juliana. A irmã mais velha era a princesa Beatriz, que foi Rainha entre 1980 e 2013, e depois de Irene nasceram as princesas Margarida e Cristina. Numa altura em que a Europa começava a entrar na II Guerra Mundial, a princesa recebeu o nome da deusa grega da paz, Eirene. A família real fugiu do conflito para o Reino Unido quando a pequena Irene era ainda bebé e a princesa viria a ser batizada na capela do Palácio de Buckingham, com a rainha consorte da altura, a rainha Isabel (mãe de Isabel II), como madrinha. A família partiria ainda para o Canadá, mais precisamente para Ottawa, quando Londres ficou sob ataque.
Já depois da guerra e com a família de regresso a casa, a princesa Irene estudou na Universidade de Utrecht e seguiu para Madrid para aprender espanhol. Foi lá que conheceu o príncipe Carlos Hugo de Bourbon-Parma e começou o que viria a ser a saga do casamento de ambos. O príncipe nasceu em Paris, estudou em Oxford e na Sorbonne e foi capitão da força aérea em França. Era uma figura do “Carlismo”, uma força política de direita que apoiou Franco na guerra civil, contudo viria também a ser um dos responsáveis pela sua conversão na luta pela democracia e fim da ditadura, juntando-se a liberais, social-democratas e socialistas na altura da transição de regimes, segundo conta o El País. O príncipe era o filho mais velho de Francisco Javier de Bourbon-Parma, que na altura da ditadura de Franco era uma das casas pretendentes ao trono de Espanha.
No verão de 1963 a princesa Irene converteu-se ao catolicismo para casar com o seu príncipe. Mas o facto de ter trocado a religião protestante pela católica terá sido um segredo até fevereiro do ano seguinte, quando o seu povo ficou a saber através de uma fotografia publicada na imprensa, onde se podia ver a princesa ajoelhada numa missa em Madrid. Por esta altura Irene era a segunda na linha de sucessão, atrás da irmã, e os membros da família real que poderiam vir a ascender ao trono deveriam seguir a religião do fundador da dinastia, William de Orange. Os neerlandeses terão ficado em choque e até o governo da altura terá tido uma reunião de emergência. A polémica instalou-se e não era caso para menos. Se, por um lado, a casa real neerlandesa (e todo o país) não queria proximidade com a ditadura espanhola, por outro foi precisamente contra Espanha que o já referido Rei William conquistou a independência dos Países Baixos numa guerra que durou oito anos no longínquo século XVI.
A notícia ganhou proporções internacionais. Conta a revista Time que, sem certezas sobre a identidade do noivo da princesa, os jornais neerlandeses começaram a especular sobre diferentes candidatos. A Rainha Juliana mandou o seu secretário avisar a princesa, que estava em Madrid, que o casamento com um espanhol deixaria o seu povo muito incomodado e, como resposta, o secretário disse-lhe que já não iria haver compromisso. A princesa terá avisado o pai que iria regressar a casa, mas o avião aterrou sem Irene. A Rainha dirigiu-se à nação através de uma emissão noturna de rádio para comunicar que a filha já não estava noiva. “A nossa filha Irene informou-nos esta tarde que este noivado não vai acontecer. A nossa filha está agora a passar por uma fase muito difícil”, cita a revista. A Rainha Juliana e o príncipe Bernardo embarcaram rumo a Espanha. Teriam sido os primeiros monarcas neerlandeses a pisar solo espanhol, mas não chegaram lá. Durante uma paragem em Paris a soberana ficou a saber que o seu governo se demitia se ela chegasse a terras de Franco e assim o avião militar voltou para trás.
Dias mais tarde, o príncipe Bernardo voltou a embarcar num avião para ir buscar a filha a Madrid e levou também o futuro genro. Irene tinha na altura 24 anos e Carlos Hugo tinha 33. Disseram que foram amigos durante anos antes de ficarem noivos. A Constituição neerlandesa decretava que o casamento dos herdeiros ao trono tem de ter a aprovação do governo e de, pelo menos, dois terços do parlamento. Caso tal não acontecesse devia renunciar ao trono e ao casar em violação da Constituição a princesa seria oficialmente vista “como morta”.
Uma reunião que terá durado entre cinco e seis horas pela noite dentro e que teve lugar no Palácio de Soestdijk juntou a Rainha, o marido, a princesa, o noivo, o primeiro-ministro Victor Marijnen e três ministros. A Time escreve que os membros do governo comunicaram que o país não estava preparado para a união, o New York Times conta que foi a princesa que não quis que fosse pedido ao parlamento o consentimento para o seu casamento. Citando o comunicado do primeiro-ministro, o resultado seria igual em ambos os casos: a partida da princesa. Irene manteve-se fiel às suas convicções, não aceitou renunciar ao seu amor, por isso renunciou antes ao seu direito de sucessão e concordou em viver no exílio.
A notícia chegou aos neerlandeses por rádio. Depois, foi através de um comunicado que a princesa quis dirigir-se aos seus súbditos e explicar-lhes a situação. “Estou feliz por anunciar o meu noivado com o príncipe dom Carlos Hugo de Bourbon-Parma, duque de Madrid. A nossa intenção é casar em breve. Eu não continuarei a viver aqui. Não devo pensar que isto implica uma despedida”, afirmou a princesa citada no New York Times de 9 de fevereiro de 1964. “Tive aqui uma juventude feliz na casa dos meus pais e também senti tantas vezes e tão fortemente o vosso amor e não estou apenas grata por isso, mas posso garantir que vou estar entre vós bastantes vezes num futuro próximo porque os Países Baixos terão sempre o mesmo espaço querido no meu coração.” Na sequência, a Rainha e o marido também tornaram pública uma mensagem na qual mostram estar ao lado da filha. “Alegramo-nos de coração cheio pela sua felicidade e do seu futuro marido e os nossos melhores desejos vão sempre acompanhá-los.” O primeiro-ministro comunicou ao parlamento que a Rainha e o marido davam o seu total apoio ao noivado.
A princesa Irene foi dama de honor no casamento de Juan Carlos de Espanha com a então princesa Sofia da Grécia, em 1962, mas deixou-se intimidar com a ideia de casar longe de casa, como aconteceu com o futuro rei espanhol. A 22 de abril o Diário de Lisboa noticiava em primeira página que “Irene tem esperança de que a sua mãe assista ao casamento”. A saga do casamento da filha da Rainha Juliana também foi acompanhada em Portugal. A princesa teria dado uma entrevista em Paris revelava também que iria adotar a nacionalidade espanhola e que continuava com esperança de ter a mãe ou alguém da sua família no casamento. Segundo a notícia, que continuava no interior, a Rainha já tinha enviado uma série de presentes de casamento, como por exemplo uma baixela de prata e roupas. “Mas o maior presente dar-mo-á se for ao casamento”, disse a princesa citada no jornal. Os noivos disseram que o destino da lua de mel ficava em segredo, que depois fixariam morada em Madrid e Irene acrescentou que não se arrependia de nada.
Irene e o príncipe Carlos Hugo casaram na manhã de 29 de abril de 1964 na Catedral de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma. Os noivos chegaram juntos à cerimónia, onde milhares de pessoas os aguardavam na rua, a princesa foi brindada com aplausos quando saiu do carro e houve até quem cantasse o hino nacional neerlandês. Irene não contou com a presença de nenhum membro da sua família e viria a emocionar-se e chorar discretamente durante a cerimónia. O casamento foi conduzido em espanhol pelo cardeal Giobbe e foi nessa língua que os noivos deram o sim. A Pathé faz um breve resumo neste vídeo que está disponível no Youtube.
A noiva usou a tiara da família Bourbon-Parma e um vestido criado por Pierre Balmain com rendas oriundas dos Países Baixos. Segundo o Diário de Lisboa, a princesa tinha aprovado à última hora que o casamento fosse transmitido pela televisão para que a família pudesse ver à distância e assim foi. Na noite anterior houve um banquete e, bem cedo na manhã do dia do seu casamento, Irene terá falado ao telefone com os pais que assistiram ao casamento da filha pela televisão no castelo da princesa Armgard, mãe do príncipe Bernardo e avó paterna da noiva. Depois do casamento os noivos foram ao Vaticano receber a bênção do Papa Paulo VI. No dia seguinte, a 30 de abril, a Rainha Juliana fez 55 anos e os seus súbditos juntaram-se em peso à volta do Palácio de Soestdijk para dar apoio à sua Rainha, que colocou os seus deveres de soberana acima dos de mãe.
O casal teve quatro filhos: Carlos, Margarita, Jaime e Carolina. Viriam a divorciar-se em 1981. A princesa tinha 42 anos e o marido 51 quando o tribunal de Utrecht lhes concedeu o divórcio e a tutela partilhada dos quatro filhos. A notícia do jornal El País de 27 de maio desse ano que dava conta do sucedido acrescentava que ambos poderiam voltar a casar na Holanda e que estava em curso o pedido de anulação do casamento religioso. Foi a primeira vez no século XX que um membro da família real neerlandesa se divorciou e, tal como aconteceu com o casamento, rompeu com a tradição para seguir o caminho que queria para a sua vida. A princesa Irene regressou ao seu país natal com os filhos e é lá que tem vivido desde então. Em 2019, quando celebrou 80 anos, a família reuniu-se para celebrar no teatro em Amesterdão, só a rainha Máxima falhou a chamada. Carlos Hugo de Bourbon-Param morreu a 18 de agosto de 2010 em Barcelona aos 80 anos devido a um cancro na próstata. Ficou na memória dos espanhóis como um dos chefes da casa Bourbon-Parma e uma figura do período de transição, em especial no País Basco.