Desde que os bispos portugueses anunciaram o lançamento de um projeto para a atribuição de compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais, há menos de um mês, mais dez pessoas já sinalizaram junto da Igreja a intenção de vir a receber um valor para a “reparação”. É uma subida de 50% em comparação com o número de pedidos apresentados ao longo do último ano, desde que o Grupo VITA iniciou funções.

Até ao dia do anúncio, no início de abril, 20 pessoas já tinham comunicado às estruturas da Igreja Católica a sua vontade de receber uma compensação financeira pelos abusos de que foram vítimas. Menos de um mês depois, o número subiu para 30, confirmou ao Observador a psicóloga Rute Agulhas, que lidera o Grupo VITA, organismo criado pela Conferência Episcopal Portuguesa para o acompanhamento das vítimas de abusos e para a capacitação das estruturas da Igreja na área da proteção dos menores.

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Em declarações ao Observador, esta terça-feira, Rute Agulhas reconheceu que o número de pedidos de ajuda e compensações financeiras tem aumentado sempre que há notícias sobre o assunto na comunicação social.

Perfil de interessados é variado: alguns sinalizaram “no primeiro minuto”

De acordo com a psicóloga, o perfil daqueles que têm pedido compensações monetárias é variado. “Atendemos algumas pessoas que já conhecíamos, que já tínhamos atendido e que nunca tinham falado em apoio económico, e que agora vêm ter connosco para nos dizer que também querem. Há outras pessoas que nos contactam só com esse fim, dizendo que querem constar como podendo vir a receber no futuro uma compensação financeira. Há uma diversidade de situações”, explica Rute Agulhas, acrescentando que há também algumas pessoas que “desde o primeiro minuto referiram” a vontade de receber uma compensação financeira.

Além disso, sublinha a psicóloga, há ainda casos de pessoas que pediram ajuda ao Grupo VITA, mas recusaram a possibilidade de uma compensação financeira, por considerarem que “não é esse o caminho”. E há, por fim, outras que assinalaram a vontade de receber uma compensação financeira, mas com o objetivo de a “doar a uma IPSS”. São, explica Rute Agulhas, pessoas que “entendem que o dinheiro deve ser pago”, mas que consideram não precisar dele e que, “portanto, iriam doá-lo”.

De acordo com os dados fornecidos ao Observador por Rute Agulhas, o Grupo VITA já recebeu, desde que está em funcionamento, um total de 97 pedidos de ajuda por parte de vítimas. Na sequência destes pedidos, já foram realizados 60 atendimentos (maioritariamente presenciais, mas também online), havendo novos atendimentos agendados para este mês. Um total de 30 pessoas pediu uma reparação financeira.

Pedidos começam a ser formalizados em junho. Compensações pagas em 2025

No início de abril, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou a criação de um mecanismo destinado a atribuir compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais de menores no contexto da Igreja Católica em Portugal. Numa assembleia plenária realizada em Fátima, os bispos portugueses decidiram a criação de um fundo com o propósito de financiar essas compensações, alimentado com contributos de todas as dioceses portuguesas.

Igreja Católica cria fundo para pagar compensações. Vítimas têm até dezembro para apresentar pedidos

No anúncio, o bispo José Ornelas, presidente da CEP, clarificou que estão em causa “compensações” ou “reparações” — mas não “indemnizações“, na aceção jurídica do termo, uma vez que o objetivo é o de atribuir um montante a quem “julga que é oportuno e útil para o seu processo de reparação, de si próprio e do dano que lhe foi causado”.

Como explicou na altura o responsável, a ideia dos bispos portugueses é “ampliar” o “conceito de indemnização”, indo ao encontro das vítimas. Se o caminho escolhido fosse o das indemnizações decididas por tribunais, explicou Ornelas, a esmagadora maioria dos casos ficaria de fora, uma vez que se encontram prescritos. No projeto levado a cabo pelos bispos, é indiferente se o caso já prescreveu ou não do ponto de vista legal — e se o abusador está vivo ou se já morreu.

O mecanismo anunciado pelos bispos destina-se, numa primeira fase, a todas as pessoas que tenham sofrido abusos sexuais cometidos por clérigos ou leigos ao serviço da Igreja Católica nas últimas décadas. Os pedidos de compensação financeira deverão ser formalizados junto do Grupo VITA ou das comissões diocesanas de proteção de menores entre junho e dezembro de 2024, devendo as compensações ser pagas no ano de 2025. Isto não significa, explicou José Ornelas, que o mecanismo não continue ativo depois desses prazos, para eventuais casos futuros ou casos passados só denunciados no futuro.

Neste momento, ainda são poucos os detalhes conhecidos sobre como irá funcionar o mecanismo de atribuição de compensações financeiras às vítimas.

Sabe-se que o dinheiro terá origem num fundo alimentado pelas dioceses portuguesas, mas ainda não se conhecem os montantes que serão atribuídos a cada vítima, nem sequer uma ordem de grandeza. Os bispos explicaram que, depois de recebidos todos os pedidos, caberá a uma “comissão de avaliação” determinar “os montantes das compensações a atribuir”. Essa comissão deverá ser composta por juristas, psicólogos e psiquiatras, entre outros profissionais.

Questionada pelo Observador sobre o andamento dos trabalhos, a psicóloga Rute Agulhas confirmou que o Grupo VITA está a trabalhar em conjunto com a Conferência Episcopal e com as comissões diocesanas na conceção do projeto. A responsável disse não poder ainda adiantar os detalhes de funcionamento do mecanismo. Em abril, o bispo José Ornelas tinha remetido para junho o arranque do processo, garantindo que nessa altura a Igreja estaria preparada para dar início ao cálculo das compensações.

Já depois da aprovação do mecanismo de compensações financeiras por parte dos bispos portugueses, também a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) já veio anunciar a implementação de um mecanismo semelhante, aplicável aos casos em que os abusos foram cometidos por elementos dos 132 institutos religiosos com presença em Portugal (várias ordens e congregações que têm uma jurisdição própria, distinta da das dioceses).

O Grupo VITA é uma estrutura criada em abril de 2023 por iniciativa da própria CEP e é liderado pela psicóloga Rute Agulhas. Tem a missão de acolher e encaminhar denúncias de abusos, acompanhar as vítimas e promover a formação e a capacitação das estruturas da Igreja Católica para lidar com as situações de abuso. O grupo tem dedicado os últimos meses à realização de uma série de ações de formação sobre a proteção de menores para responsáveis da Igreja Católica em todo o país.

Abusos na Igreja. Como vai funcionar o novo grupo criado pelos bispos para receber denúncias e acompanhar vítimas

O grupo foi criado dois meses depois de ter sido conhecido o relatório elaborado durante o ano de 2022 pela comissão independente, liderada pelo psiquiatra Pedro Strecht. Foi o primeiro estudo do género em Portugal (apesar de já ter sido feito noutros países) e permitiu calcular que, desde 1950 até à atualidade, terá havido pelo menos 4.815 vítimas de abusos de menores na Igreja em Portugal. A comissão independente desfez-se com a publicação do relatório, mas o novo grupo entrou em funções de seguida para dar continuidade ao trabalho de acompanhamento das vítimas. Os contactos e os detalhes desta equipa de especialistas podem ser consultados em grupovita.pt.