Se dúvidas houvesse, eles andam por aí, e o talento e empreendimento na cidade é cada vez mais um cocktail multinacional. Arquitetos, designers, e artesãos estrangeiros escolheram Lisboa (e mais além) para sediar os seus estúdios, lojas, casas e ateliês. Dos espaços privados às zonas públicas, à boleia do inglês, francês ou espanhol, 80 moradas locais associam-se à Lisboa Design Week, que arranca esta quarta-feira e se prolonga até domingo. À segunda edição do projeto lançado por Michèle Fajtmann e Julie de Halleux, os participantes foram desafiados a destacar peças de design português, materiais de origem portuguesa e a estabelecer colaborações únicas, envolvendo marcas e criadores.

“Criar é difícil em todos os lados, não apenas aqui. O que notei quando lancei este projeto, meio por acaso, foi que faltava um certo orgulho. Os criadores sentiam-se pouco reconhecidos pelo seu trabalho, sentiam que se valorizava pouco este setor como setor económico, com impacto direto na sociedade. Também senti isso quando comecei em conversações com a Câmara Municipal, que não consideravam esta área do design e da criação como parte da cultura. Penso que aos poucos vai mudando.”, enquadra a belga Fajtmann, que há 15 anos trocou a prática da advocacia pela curadoria de eventos de carácter artístico e intervenção no espaço público, lançando o projeto My City. Quando a pandemia de Covid-19 rebentou, trocou Londres pela capital portuguesa, e apostou nesta plataforma agregadora. “É de loucos planearmos 80 localizações, porque somos uma equipa pequena com pouco orçamento, mas como disse ao nosso comité mesmo que as pessoas não passem por 80 sítios é importante gerar este sentimento na cidade, fazer barulho.”

O volume vai subindo e, segundo a mentora da Lisbon Design Week, nota-se o efeito desse movimento nestes últimos anos, para um resultado final que corresponde a um mix entre designers e artesãos com nome consolidado e novos criadores. “Quando comecei a ter esta ideia muitos designers se queixavam da falta de clientes em Portugal, e que tinham que vender para fora. Hoje todos esperam clientes nacionais. Víamos que havia imensos talentos aqui e só faltava ativar esses artistas e marcas. O designer pode não ter nascido em Portugal mas colabora localmente, usa os materiais e meios locais. É uma questão de partilhar esse interesse.”

Da Infante Santo a Alfama, de Arroios a Campo de Ourique, vai ser possível entrar num hotel, arquivo, loja nova ou clubhouse, onde encontrará apresentações exclusivas, lançamento de novas coleções, palestras, masterclasses e open studios, visitas guiadas e exposições. Siga alguns destaques para incluir na agenda, neste cruzamento entre artes e ofícios.

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[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Studio Gameiro

Travessa do Rosário, 33, Lisboa. Das 10h00 às 18h00

Design de iluminação, design de mobiliário e arquitetura. O cartão de visita do ateliê fundado por João Gameiro Neves é devidamente conhecido e duas das séries mais destacadas do Studio Gameiro reforçam protagonismo nesta edição da Lisboa Design Week. Serão mostradas algumas peças especiais das coleções (S)LAB e CLAM, que espelham essa relação entre artesanato tradicional, design sustentável e soluções sob medida para interiores.

© Lisboa Design Week

Fuschini & “Nossa Terra” no Arquivo Aires Mateus

Rua Silva Carvalho 175 r/c, Lisboa. Das 11h00 às 19h00

Sam Baron, designer francês sediado em Portugal desde 2001, é o responsável pela curadoria de “Nossa Terra”, uma seleção de artefatos de terracota que serão dispostos sobre uma mesa única, com 14 metros de comprimento. O cenário é o Arquivo Manuel Aires Mateus, espaço dedicada a exposições e eventos especiais, em Campo de Ourique. Mas a ponte com o arquiteto não termina aqui. Referência na indústria do mobiliário, a Fuschini dos arquitetos Vasco de Lima Mayer e Sara Oom de Sousa vai apresentar uma mesa desenhada por Aires Mateus, entre outras peças.

© Lisboa Design Week

Fantasque

Rua Damasceno Monteiro, 37A, Lisboa. Das 11h00 às 18h00

Tapetes, cerâmica, mobiliário. Depois de dez anos em Paris, a designer Lucie Schweitzer seguiu para Portugal, emancipando-se do estúdio de design global onde trabalhava. O estúdio que abriu na Graça adere ao registo atelier aberto para conhecer de perto as paisagens trabalhadas por Fantasque, que devem mais à intuição que ao planeamento prévio. Para esta ocasião serão expostas também criações de cerâmica de Ludivine Billaud.

© Lisboa Design Week

“Tempo” no Santo Infante

Av. Infante Santo, 23-B, 1350-177, Lisboa

O casamento de peças desafia a navegar por outros tempos, e a parar no tempo. A reflexão leva-nos até ao Santo Infante, onde 10 personalidades foram chamadas a reconectar-se. A cada uma delas juntou-se um ceramista que criou uma peça para repousar o objeto especial escolhido pela convidada. O resultado é o seguinte conjunto de duplas: Felipa Almeida + Henriette Arcelin, Teresa Braga + Cécile Mestelan, Catarina Barreiros + Grau° Cerâmica, Tânia Martins + Tento na Tinta, Catarina Macedo Ferreira + Studio Ēeme, Maísa Champalimaud + Studio Corolle, Marta Oliveira da Silva + Nu cerâmica, Joana Duarte + Diana Barbosa, Madalena Beirão + LJ Ceramica, Isabel Stilwell +Tea Sculac. As peças estão em exposição (há ainda um catálogo, que se inicia com um poema inédito de Mariana de Almeida Nogueira) mas é possível pedir para replicar.

© Santo Infante

“Bucólica” na Oficina Marques

Rua Luz Soriano, 71. Das 1030 às 18h00

Há uma nova coleção de cerâmica e instalação para descobrir nesta oficina do Bairro Alto, que resulta da colaboração com o Andringa Studio, da designer de interiores Rita Andringa, e ainda com os artistas florais da Bosque Concept. O título da mostra de Gezo Marques e José Aparício Gonçalves  dá as pistas que faltavam: o design de produto cruza-se com o design de ambiente e fica lançado o convite à imersão ao longo destes dias, para uma experiência sensorial plena, como se estivesse em “Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare.

© Inês Pinhão/Oficina Marques

Lisbon by Design

R. Gomes Freire, 98, 1150-179 Lisboa. May 23 & 24 / 16:00 – 21:00 / Open to the public (10 euros)
May 25 & 26 / 10.00 – 18.00 / Open to the public (10 euros)

Uma raiz de cedro sem vida que ressuscitou com a suavidade da lã. João Bruno foi em busca da sua base na terra e essa procura pelas origens que todos tricotamos é hoje uma peça de arte, que dá as boas vindas a quem sobre a escadaria do Palacete Gomes Freire. O designer é um dos 26 nomes que até domingo expõe o seu trabalho na Lisbon by Design, a feira de artes, matérias e criações que chega à sua quarta edição inserida na programação da Lisboa Design Week. Logo à entrada, as telas/instalação do studio Farinha Rosa, entre pintura e o têxtil, ou um encontro floral entre Oficina Marques e Bosque.

Lá em cima, a Vago Ceramics de Vânia Gonçalves cruza-se com os tapetes de Arraiolos de Mariana Rola, o têxtil e a cerâmica volta a unir-se na aliança entre a Azure da brasileira Bhya Sugai e a Pareidolia de Tatiana Ferreira. E há mais, do Studio Éme à “Contaminação” de Martinho Pita e Vasco Fragoso Mendes. Sebastião Lobo serve um banquete medieval com esculturais acessórios; com o ceramista Alain Louis o minimalismo encontra-se com a saliência das curvas e picos; a Burel traz à capital a herança da Serra da Estrela e apresenta as novas poltronas com estruturas de verga. Maria Prata dialoga com a cerâmica de Carlos Manuel Gonçalves, guiados pelo artesanato tradicional português. Ana Paula Almeida ilumina o longo corredor com os seus candeeiros suspensos — e há mais luminária para descobrir à boleia das peças de Cherie Er e Gabriel Tan, da Origin Made, fixados no porto em 2019. Bela Silva une-se à Viúva Lamego para celebrar os 175 anjos de marca portuguesa, bem como Noé du Chaufour-Lawrence, por detrás de um painel criado para o palacete.

Um dos trabalho de Mariana Rola Pereira © Lisboa Design Week

Further Ther e Luso Collective

Further Ther: Rua de São Bento, 562, Lisboa. Luso Collective: Rua do Beato, 30, Lisboa. Das 10h00 `as 13h00 e das 16h00 às 17h00

Recentemente, motivaram uma ida do Observador ao Alentejo para conhecer o seu novo ateliê. Natasza Grzeskiewicz & Tomás Fernandes, que em 2019 fundaram em Lisboa a marca (e prática) Further Ther, estão a transformar um antigo pavilhão agrícola numa marcenaria onde nascem cadeiras e mesas únicas a partir de madeiras nacionais. As suas peças refletem a inspiração do design industrial e a experiência recolhida em diferentes estúdios Europa fora. Ao longo destes dias, será possível ver os seus bancos e lâmpadas no ateliê aberto, entre as 16h00 e as 19h00. E ainda averiguar uma nova iniciativa, o pontapé de saída do Luso Collective, com a apresentação de peças de Ther, Garcé & Dimofski, Macheia & Studio Gameiro, com curadoria da dupla Further Ther.

© Lisboa Design Week

‘Narcolepsy’ de Júlio Dolbeth

Tinta nos Nervos. Rua da Esperança 39, 1200-655 Lisboa

Esqueça as fronteiras entre sonho e realidade. Por aqui, à conta do ilustrador portuense Júlio Dolbeth e desta exposição, é fácil a rendição à “Narcolepsy”. Na Tinta nos Nervos, encontramos desenhos exportados dos cadernos do artista, nascidos desse instante fluído em que os lápis ganham vida própria e os riscos parecem formar-se sozinhos. A livraria, galeria, loja de objetos de autor, e café também acolhe o projeto sem fins lucrativos Artisans Map, um guia cultural gratuito que reúne as oficinas e ateliês onde as pessoas ainda criam à mão e produzem de forma 100% natural e sustentável.

© Lisboa Design Week

Studio Mirante – Open Studio

Rua Mirante, 28. Das 10h00 às 18h00, encerra sábado.

Conhecer alguns dos espaços onde os artistas habitualmente trabalham é uma das propostas destes cinco dias. É por isso em modo open studio que a dupla de amigas Margaux Carel & Clotilde de Kersauson vai receber os visitantes no ateliê na zona da Graça. A primeira, nascida em Paris, circulou por fotografia, moda e design de interiores, até se fixar em Lisboa, de volta do barro. A segunda, iniciou-se como designer têxtil e entretanto lançou a primeira linha de cerâmica. Juntas fundaram a Studio Mirante, por onde passarão alguns convidados especiais, caso de outros rostos que fizeram de Portugal casa, como Claire Duport, Laetitia Rouget, Antje Weber, ou o estúdio Canário Arquitetura, de Amanda Balthazar e Felipe Campedelli Arcaro.

© Studio Mirante

Toni Grilo no Coletivo 284

Rua das Amoreiras, 72A. Das 10h00 às 18h00

A peça central da exposição será a “Stella chair”, uma edição limitada apresentada durante a semana do design. O seu autor é Toni Grilo, designer nascido em França que em 2001 transitou para Lisboa, reencontrou as suas raizes, e deixou-se envolver pela riqueza industrial e artesanal do país, continuando a desenvolver projetos em França. Em 2005 abriu a primeira agência, Objection, junto com o designer Elder Monteiro, e em 2008 inaugurou o seu estúdio de mobiliário e decoração em Matosinhos. Em 2023, criou para a Lisbon Design Week uma instalação urbana que foi adquirida pela Câmara de Lisboa para ficar em permanência no Cais do Sodré. Para esta edição, as peças criadas exploram a cortiça, o mármore e o metal.

© Lisboa Design Week