O que vai acontecer à remuneração paga à mesa da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML)? A ministra da tutela questionou publicamente os valores e um aumento dos custos com a administração liderada por Ana Jorge. Fonte do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) disse ao Observador que a política de salários dos gestores da Santa Casa está “em avaliação”, não existindo para já uma decisão, apesar de na segunda-feira ter tomado posse o novo provedor, Paulo Alexandre Sousa, aguardando-se para os próximos dias a nomeação dos restantes membros da mesa.

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Rosário Palma Ramalho foi muito crítica dos valores gastos pela Santa Casa com a administração numa situação de emergência financeira e afirmou mesmo que a mesa tinha sido aumentada. No Parlamento, a ministra da Segurança Social constatou que o relatório e contas de 2023 (que ainda não homologou) aponta para um aumento de 18% dos gastos com órgãos sociais que chega aos 20% na remuneração da mesa.

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A consulta aos documentos referidos indica que a mesa da Santa Casa recebeu 522,3 mil euros no ano passado, face aos 435,5 mil euros auferidos em 2022. Os números globais confirmam a evolução referida pela ministra. Mas, ao contrário do que sucede com as empresas públicas, a instituição não discrimina as remunerações por membro da administração.

No ano passado, a mesa era composta por seis membros, incluindo Ana Jorge. É esta a mesa que assina o relatório e contas de 2022 reajustado no início deste ano e em função da auditoria financeira pedida pela anterior ministra Ana Mendes Godinho. Mas em 2022 ainda estava funções a administração de Edmundo Martinho. Ana Jorge só assumiu o cargo em maio de 2023. E é público que, em outubro de 2021, o vice-provedor, João Pedro Correia se demitiu, reduzindo o número de administradores, o que pode explicar os montantes mais baixos pagos em 2022.

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O aumento dos custos com o pessoal — 11 milhões de euros num ano — e a assinatura de um acordo de empresas que terá impacto nos encargos futuros da instituição, num momento em que a Santa Casa apresenta défices de tesouraria na atividade corrente, foram um dos argumentos invocados pela ministra da Segurança Social no Parlamento para afastar a equipa de Ana Jorge. E nessa linha existe o objetivo de reduzir os encargos com administração e cargos de direção da Santa Casa (além do que foi feito pela anterior gestão). Mas isso pode também ser alcançado com a redução do número de administradores da mesa. Os estatutos determinam que podem ser até sete (um provedor, um vice-provedor e cinco vogais). Com Ana Jorge eram seis. E, eventualmente, poderão ficar cinco.

A ministra do Trabalho e Segurança Social realçou que os vencimentos pagos à mesa da Santa Casa (e cuja fixação foi definida por despacho do então titular da pasta em 2013) deviam ser reavaliados. Rosário Palma Ramalho defendeu que a SCML devia “solicitar nos vários exercícios a aplicação dos critérios de referência, não é a própria mesa que o deve aplicar”. “Este despacho é para a situação concreta reportada a um ano em que a saúde financeira da Santa Casa não era a de ter 30 milhões de passivo”.

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O despacho foi assinado por Pedro Mota Soares, tendo como referência os montantes estabelecidos para os gestores públicos.  No esclarecimento prestado ao Observador, fonte oficial do MTSSS remete para a resolução do Conselho de Ministros de 2012 na qual foram definidos critérios objetivos para determinar o vencimento dos gestores públicos em função de quatro critérios com a respetiva ponderação:

  1. Contributo do esforço financeiro público para o resultado operacional (20%);
  2. Volume de emprego (20%);
  3. Ativo líquido (30%);
  4. Volume de negócios (30%).

Com base na pontuação obtida, a Santa Casa foi equiparada a uma empresa do grupo A e nível de complexidade 1. As remunerações mensais brutas foram fixados em;

  • Provedor: 6.850 euros — 4.893 euros de vencimento base mais 1.957 de despesas de representação.
  • Vice-presidente: 6.165 euros — 4.403 euros de vencimento base mais 1.761 euros de despesas de representação.
  • Vogal: 5.480 euros — 3.914 euros de vencimento base mais 1.565 de despesas de representação.

Estes montantes estiveram sujeitos aos cortes em vigor durante o programa de assistência financeira para os dirigentes do Estado — e que no caso dos gestores públicos ainda não foram totalmente eliminados.

Mas estes vencimentos resultaram dos indicadores financeiros da Santa Casa em 2011. E, desde então, referiu a ministra, não houve mais qualquer despacho a atualizá-los, não obstante a degradação da situação financeira da entidade, sobretudo a partir de 2020, como referiu a ministra.

Grande parte dos indicadores usados para fixar os vencimentos são de dimensão — volume de negócios, ativo e trabalhadores — e até cresceram face ao números de 2011. Mas há um indicador em que a performance da Santa Casa piorou de forma incontestável, o resultado operacional passou de positivo para negativo — 4,3 milhões de euros em 2023. Ainda que o critério a considerar seja o peso do esforço público para o resultado operacional e não o valor propriamente dito.