Com base nos pedidos de indemnização feitos pelos proprietários de escravos quando o comércio foi abolido pela primeira vez em 1833, e ao adicionar juros desde então, Michael Banner estabeleceu que a Grã-Bretanha (que inclui Inglaterra, Escócia e País de Gales) deve 205 mil milhões de libras às Caraíbas (mais de 240,7 mil milhões de euros). Este é o tema do novo livro Britain’s Slavery Debt (A dívida britânica da escravatura, em tradução livre para português) do teólogo inglês, também reitor e membro do Trinity College, em Cambridge.
As reações à proposta não se fizeram esperar. Ao recordar o Dia D, que também envolve questões de justiça histórica, o ex-ministro das Forças Armadas do Partido Conservador do Reino Unido, Mark Francois, reconheceu ao jornal Daily Mail, ter havido uma “dívida de honra” para com os aliados da Commonwealth, mas que, em troca, o Reino Unido “forneceu tudo” a essas nações durante várias décadas, incluindo defesa e a segurança internacional. James Heartfield, especialista em Império Britânico, disse ao mesmo jornal que “encontrar feridas no passado não está a ajudar as pessoas a assumir a responsabilidade de construir o seu futuro”.
Apelo ao Governo escocês para “mostrar liderança”
Já que o governo do Reino Unido rejeitou acolher a proposta de indemnização às nações das Caraíbas, Banner afirmou ao jornal The Herald que o governo da Escócia pode liderar esta reparação. Para o académico, é sabido que os escoceses desempenharam um papel muito importante no crescimento e na manutenção do império britânico, em particular a cidade de Glasgow, que estava solidamente ligada ao comércio com as Caraíbas. No total, a Escócia deve às nações das Caraíbas cerca de 20 milhões de libras (cerca de 23,5 milhões de euros) em reparações pela escravatura, um décimo do total devido pelo Reino Unido.
Banner acredita que existe uma verdadeira falta de compreensão entre o público, no que diz respeito ao papel da Grã-Bretanha na escravatura. “Não estávamos lá no início. Foram Portugal e Espanha. Eles foram os líderes primeiro. A Grã-Bretanha chegou tarde, mas quando chegámos a esse ponto, estávamos no topo da liga. No final do século XVIII, éramos a principal nação escravocrata do mundo, e toda a economia se baseava nela”, afirma Banner.
Ao Daily Mail, Stephen Kerr, deputado conservador da Escócia, afirmou que o raciocínio de Banner “pode ter o seu lugar nas torres de marfim das universidades do Grupo Russell [grupo dentro da Academia de Cambridge]”, mas que não fala dos desafios do mundo real que os escoceses atualmente enfrentam.
Escravidão ainda afeta gerações atuais
Em resposta aos que dizem que “não se está a pedir dinheiro aos vikings ou romanos”, que também tinham escravos, o académico é claro: “Não podemos identificar os sucessores dos perpetradores — os herdeiros dos perpetradores — e os herdeiros das vítimas”. É, contudo, possível saber quem vive atualmente nas Caraíbas, e pede reparações — “os herdeiros daqueles que foram injustiçados”, defendeu Banner.
Depois da abolição da escravatura, acrescenta, a vida dos ex-escravos continuou a ser sombria. Durante muito tempo, permaneceram como trabalhadores efetivos ou trabalhavam por salários de miséria nas mesmas plantações onde tinham sido explorados. A abolição não era, por isso, uma questão de garantir liberdade às pessoas, mas de desenvolver formas de “mantê-las nas plantações”.
O “modelo do imperialismo britânico” não ajudou em nada as nações das Caraíbas a recuperar da escravatura: “Tirámos-lhes as matérias-primas e depois enviámos-lhes produtos acabados pelos quais tinham de pagar”, diz Banner, para quem isso torna evidente a negligência e esquecimento da Grã-Bretanha perante aqueles que acabaram, inclusive, por ser levados para combater ou auxiliar o Reino Unido na Primeira Guerra Mundial.
Diversas partes concordam com reparação
A Caricom, uma organização que representa 20 Estados das Caraíbas, publicou um plano de 10 pontos para a “justiça reparadora” que inclui, entre outros, um pedido formal de desculpas dos governos europeus pelos seus crimes históricos, programas de repatriamento para os descendentes de africanos escravizados, apoio ao desenvolvimento das populações indígenas, a resolução das crises de saúde pública, a erradicação do analfabetismo e a reaproximação dos descendentes à herança africana. O plano dá ainda destaque à reabilitação psicológica, à transferência de tecnologia e à anulação da dívida para aliviar o peso das heranças coloniais.
Instituições como a Igreja de Inglaterra, a Universidade de Glasgow, bem como algumas famílias britânicas proeminentes, concordaram em criar fundos para pagar indemnizações pela escravatura.
Marcelo trouxe o tema das reparações (às colónias) para Portugal
O tema das reparações a povos explorados por países colonizadores chegou a Portugal, mais recentemente, pela mão do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que reconheceu a responsabilidade do país por crimes cometidos durante a era colonial, sugerindo o pagamento de indemnizações pelos erros do passado.