A disponibilização de vacinas, a existência de água potável e saneamento básico e o desenvolvimento de métodos para prevenir infeções poderiam evitar anualmente 750.000 mortes ligadas à resistência antimicrobiana (RAM), indica um estudo da revista Lancet divulgado nesta quinta-feira.

As estimativas são de que 7,7 milhões de mortes a nível mundial todos os anos são causadas por infeções bacterianas, o que representa uma em cada oito do total e torna estas doenças “a segunda maior causa de morte a nível mundial”.

Daquele total, 4,95 milhões estão associadas a bactérias que desenvolveram resistência aos antibióticos refere um comunicado da Lancet sobre o estudo.

As conclusões são de cientistas ligados a uma nova Série Lancet, com artigos científicos que incluem duas ou mais revisões, analisando em profundidade um tema. Neste caso o assunto é a RAM e a análise é parte de um conjunto de quatro artigos publicados na revista científica.

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Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma lista atualizada, incluindo 15 bactérias que considera uma ameaça à saúde humana devido à sua crescente resistência aos antibióticos.

A agência de saúde das Nações Unidas alertou mais uma vez para o perigo da crescente resistência de certos patógenos e apelou para o desenvolvimento de novos tratamentos.

O acesso a antibióticos eficazes é essencial para doentes em todo o mundo. O não-fornecimento destes coloca-nos em risco de não cumprirmos os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU relativos à sobrevivência infantil e ao envelhecimento saudável”, afirma a Professora Iruka Okeke, da Universidade de Ibadan (Nigéria) e coautora da série, citada no comunicado.

“Antibióticos eficazes prolongam vidas, reduzem incapacidades, limitam os custos de saúde e permitem outras ações médicas que salvam vidas, como a cirurgia. No entanto, a resistência antimicrobiana está a aumentar — acelerada pelo uso inadequado de antibióticos durante a pandemia de Covid-19 — ameaçando a espinha dorsal da medicina moderna e levando a mortes e doenças que outrora teriam sido evitadas”, adianta.

Bebés e crianças, idosos e os que sofrem de doenças crónicas são os mais vulneráveis à RAM, devido ao seu maior risco de contrair infeções bacterianas em geral.

Calcula-se que um terço das mortes de recém-nascidos em todo o mundo são causadas por infeções e metade delas por sépsis (uma resposta potencialmente letal do sistema imunitário a uma infeção grave).

No caso das pessoas idosas e com doenças crónicas, os hospitais representam um “risco significativo”, sendo que a resistência antimicrobiana “compromete a segurança de procedimentos médicos comuns, como transplantes de órgãos, substituições de articulações, quimioterapia contra o cancro e tratamento de doenças não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares e pulmonares crónicas”.

Num comentário ao trabalho, Nour Shamas, farmacêutica clínica e membro do grupo de trabalho da OMS sobre sobreviventes da RAM, assinala que a resistência antimicrobiana “pode afetar qualquer pessoa”, defendendo que “decisores políticos, profissionais de saúde, doentes e sociedade em geral” deviam apelar para que a redução da “propagação de doenças infecciosas e o desenvolvimento de resistência” e a garantia de “acesso a antimicrobianos”, bem como que eles sejam usados criteriosamente, “se torne uma prioridade global, urgentemente”.

Para lutar contra a RAM, o mais importante deve ser a prevenção de infeções, defendem os coautores Joseph Lewnard, Professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Yewande Alimi, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças — África.

Das 750.000 mortes ligadas à RAM que poderiam ser evitadas todos os anos, os cientistas estimam que melhorar a prevenção e o controlo de infeções nos estabelecimentos de saúde poderia salvar até 337.000 pessoas, o acesso universal à água potável e ao saneamento eficaz perto de 247.800 e o alargamento da imunização pediátrica e a introdução de novas vacinas poderiam poupar 181.500 vidas.

Reduzir a utilização dos antibióticos quando o benefício para os doentes é limitado e investir em garantir o acesso global a novos antibióticos, vacinas e testes de diagnóstico são outras das medidas defendidas no estudo, no qual se pede igualmente “um maior financiamento para programas de prevenção da RAM”, considerando que este “está significativamente aquém” do destinado a “doenças com encargos menores, como o VIH, a malária e a tuberculose”.

O coautor Ramanan Laxminarayan, da Universidade de Princeton (EUA) e presidente da organização de investigação em saúde pública One Health Trust, considera que o desenvolvimento de novos antibióticos não reduzirá o impacto da RAM, a não ser que lhes seja garantido um acesso alargado.

“A redução do custo de desenvolvimento de medicamentos ajudaria a manter os antibióticos acessíveis, como demonstram as parcerias público-privadas para remédios destinados ao tratamento da malária e de doenças tropicais negligenciadas”, defende.

Para 2030, o estudo propõe “metas globais ambiciosas, mas alcançáveis” como “uma redução de 10% na mortalidade por RAM através da intensificação das intervenções de saúde pública para prevenir infeções (…) de 20% no uso inapropriado de antibióticos em humanos (…) e de 30% na utilização inadequada” destes medicamentos em animais.

O comunicado da Lancet é divulgado nas vésperas da Assembleia Mundial da Saúde (de 27 de maio a 1 de junho, em Genebra), durante a qual os autores desta Série Lancet deverão “apelar para uma ação global urgente sobre a resistência antimicrobiana (RAM) e a garantia do acesso sustentável aos antibióticos”, para não haver “um aumento constante no número de mortes” devido às infeções associadas.