Estávamos a 4 de abril de 2009, uma data sugestiva, dia em que se comemora a Revolta da Madeira. E foi precisamente nesse dia que os irmãos Élvio e Filipe decidiram lançar, a partir da pequena freguesia de Gaula, na Madeira, um movimento de cidadãos que se propunha a fazer frente ao todo-poderoso jardinismo. A ambição era muita, mas passado 15 anos não parece desajustada: desde então, o Juntos Pelo Povo, que entretanto se tornou um partido e se apresentou a eleições autárquicas, regionais e nacionais, colecionou vitórias e já se tornou “o grande vencedor” destas eleições no arquipélago — palavra, quem diria, do próprio Alberto João Jardim.

Este domingo, essa série de vitórias consolidou-se: o JPP, um partido aparentemente vindo do nada, cujos críticos acusam de ser uma voz “demagógica” ou “populista”, conseguiu reforçar-se como terceira força política, atrás apenas de PSD e PS, ganhar mais deputados e vencer no seu concelho de origem, Santa Cruz (o segundo maior da Madeira).

Logo na primeira projeção, estimava-se que passaria dos atuais cinco para um intervalo que iria de sete para dez — em qualquer caso, ganharia sempre força. A trajetória em crescendo, e mesmo tendo a história do partido que diz falar para o povo — sem “ideologias” pelo meio — corrido o perigo de ser manchada recentemente graças a uma zanga familiar, mantém-se: dos cinco deputados que elegeu com estrondo na sua estreia em 2015 passou para três em 2019, cinco em 2023 e agora nove deputados (16,9% dos votos).

“Pelas primeiras projeções que acabámos de ver, efetivamente, o JPP é o partido que mais cresce, será a revelação deste ato eleitoral”, registava o dirigente Miguel Ganança em reação à primeira projeção eleitoral. A “revelação” já tem uns anos, mas o percurso, confirma-se agora, é ascendente.

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A “poção mágica”: ataques aos partidos e aos “tachos”

Mas afinal o que é que o JPP, partido irrelevante a nível nacional mas fenómeno poderoso na Madeira, tem? Desde aquele dia 4 de abril, as analogias entre os irmãos de Gaula (freguesia que já foi governada por ambos) e os “gauleses” da história de Astérix e Obélix não tardaram em surgir: afinal, o movimento criado pelos irmãos Sousa surgia como uma espécie de pequeno desafiador contra a máquina que sempre governou a Madeira. O mito passou a ser alimentado pelos próprios fundadores: ao Expresso, Élvio, secretário-geral e líder parlamentar do JPP, chegou a recusar revelar a “poção mágica dos druidas de Gaula”.

Há, ainda assim, algumas explicações que são apontadas para ajudar a explicar o fenómeno e que pouco têm a ver com ingredientes mágicos. Um deles será a ideia de uma espécie de movimento antissistema, que surgiu na ilha, no plano autárquico, dez anos antes de o Chega de constituir como partido, mas que já tinha por base a ideia, repetida pelos irmãos em várias ocasiões, de acabar com “tachos” na ilha e com uma “estrutura viciada” e sempre dominada pelo PSD (que é, segundo Élvio Sousa, “farinha do mesmo saco” que o PS).

A ideia de construir uma alternativa ao PSD fora dos partidos tradicionais começou com o jardinismo, mas continuou com a liderança de Miguel Albuquerque, que Élvio Sousa chegou a acusar de ter “horror a pobres”, de “proteger os milionários”, de governar num regime semelhante aos comunistas e de não ter “os tintins” para enfrentar o seu partido.

O JPP esforçou-se desde o início para vincar a sua imagem de partido do povo, como o nome indica, preocupado com as pessoas e a falar para elas — o partido diz-se “sem ideologia, mas de base humanista”, nas palavras de Élvio Sousa ao Observador, acrescentando ainda que o JPP “lidera no setor primário, agricultura, pesca e afins”. A ideia de uma ausência de associação a partidos — Filipe Sousa chegou a ser militante do PS durante 10 anos, mas bateu com a porta antes da criação do movimento que daria origem ao JPP — e de um movimento “pelo povo” que não se definia de esquerda nem de direita, contando, como o Expresso escrevia, com independentes e pessoas próximas de partidos tão diferentes como o PS ou o CDS, terá reforçado a ideia de independência. “99 por cento dos militantes” do JPP nunca estiveram noutros partidos, dizia Élvio Sousa à TSF em 2023.

Os irredutíveis gauleses que passaram a Abel e Caim mas atiram ao pódio na Madeira

O percurso de crescimento e o desafio de Cafôfo

Élvio Sousa, arqueólogo de profissão (e vocalista e guitarrista numa banda nos tempos livres) foi desde o início visto como o grande impulsionador do movimento de cidadãos, tendo depois, após a conquista da junta de Gaula em seu nome — e com o irmão a vencer a Câmara de Santa Cruz, em 2013 — sido o principal defensor da transformação do JPP em partido político, para concorrer às eleições regionais de 2015. Filipe, vindo do PS, estava cético e continuava desconfiado dos partidos; Élvio promoveu o processo de formalização em tempo recorde e o JPP acabou a estrear-se com 10,28% (13.144) dos votos e cinco deputados na Assembleia Legislativa da Madeira.

Após um tropeção em 2019, quando o JPP se ficou pelos três deputados regionais, em 2023 uma zanga familiar com base na construção das listas e na distribuição de lugares ensombrou a campanha do JPP — que acusou o PSD de se estar a aproveitar do tema para tentar sabotar o partido. Se a intenção era essa, acabou por falhar, uma vez que o partido dos “gauleses” conseguiu crescer e colocar cinco deputados na Assembleia da Madeira. Desta vez, volta a sair reforçado da noite eleitoral em que se autoproclama uma “revelação”.

Se os seus mandatos servirão para ajudar a construir ou bloquear soluções de governação, é ainda uma incógnita: nas primeiras reações, o JPP deixou hipóteses de coligação em aberto, mas as declarações que foi fazendo foram no sentido de se querer afirmar sozinho. Ao Observador, em 2023, Élvio Sousa chegou de resto a excluir a hipótese de qualquer acordo com o PSD por causa dos seus “vícios de governação”, resumindo assim a sua postura: “Vale mais manjar uma côdea de pão em paz do que estar num banquete em ansiedade”. Noutras ocasiões, foi rejeitando ser a “noiva” de outros partidos. Desta vez, Paulo Cafôfo, do PS, já mostrou vontade de fazer um acordo com o JPP para tirar o PSD do poder.

Durante a campanha, a ideia passou por lançar propostas como a redução da despesa pública e da estrutura do Governo. Este domingo, o discurso do JPP chegou a ser classificado como “demagógico e populista” por forças como o PCP, que ficou à porta da Assembleia Legislativa e viu uma força que diz ter demasiada “projeção mediática” voltar a crescer. Até ver, a estratégia, ou “poção” do JPP, continua a ser apreciada pelos eleitores da Madeira. Falta perceber se o partido se mantém como oposição ou se muda de receita e tenta fazer parte de uma nova solução — para já, Élvio Sousa disse apenas que quer ter uma noite de sono descansada e que a partir das “5h ou 6h da manhã” estará a pé para atender o telefone a quem lhe quiser propor entendimentos.