A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) identificou tentativas de interferência por parte da administração da Global Media na liberdade editorial da TSF, na sequência da reestruturação do grupo levada a cabo pela gestão nomeada por um fundo com sede nas Bahamas.

Num comunicado emitido esta quinta-feira, a ERC refere ter concluído o processo de averiguações sobre o impacto da reestruturação do Grupo Global Media sobre o pluralismo informativo e linhas editoriais. Neste processo, as diligências realizadas encontraram duas situações na TSF “suscetíveis de configurar uma tentativa de interferência ilegítima da administração da Global Media na liberdade e autonomia editoriais das respetivas direções de informação”, o que corresponde à violação da lei de imprensa.

Entre os episódios analisados pela ERC estão as interferências do então presidente executivo da Global Media no programa de debate público Fórum TSF no dia em que se demitiu o primeiro-ministro em novembro do ano passado. José Paulo Fafe, que já tinha comentado o tema durante a sua audição parlamentar, terá dado ordens “insistentes” à então diretora da rádio para mudar o tema em debate, passando do conflito na Palestina para a crise política. Segundo Rosália Amorim, o gestor fez sugestões “direcionadas” sobre os convidados que deveriam participar no programa jornalístico. A então diretora da TSF recusou dar ordens ao autor do programa para acolher as interferências da administração.

A ERC sublinha que a escolha de temas e de comentadores é uma matéria “de natureza estritamente editorial” que cabe aos diretores e está vedada às administrações qualquer interferência nessa matéria”. Logo, houve “uma tentativa de interferência dos órgãos de gestão do grupo no espaço de autonomia editorial”.

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Outro caso está relacionado com o pedido de um administrador da Global Media para ser identificado o jornalista responsável pela publicação no site da TSF de uma notícia sobre a falta de pagamento dos prémios de 2018, 2019 e 2020 aos ciclistas vencedores do Grande Prémio Jornal de Notícias. A referida notícia que teve como base um comunicado à agência Lusa foi retirada do site, com o administrador a questionar a falta de contraditório e o impacto negativo para o JN que era, tal como a TSF, parte do grupo Global Media. Para o regulador, esta atuação foi uma “forma de pressão sobre o trabalho jornalístico”.

Foi ainda verificado que a substituição pela administração do responsável pela informação da TSF, Domingos Andrade, não foi acompanhada de consulta ao Conselho de Redação, violando a lei da rádio e o estatuto dos jornalistas. Também não terá sido assegurado o direito de participação das redações das revistas Evasões e Volta ao Mundo nas mudanças das respetivas direções.

Em consequência destas situações, a ERC abriu um procedimento de contraordenação à entidade proprietárias destes órgãos.

Os factos identificados remontam à gestão liderada por José Paulo Fafe que, por sua vez, foi nomeado pelo World Opportunity Fund (WOF) que entrou no capital da Global Media no ano passado. Já este ano, este fundo deixou de ter direitos acionistas na Global Media, tendo sido substituída a administração que agora é visada no processo do regulador. A empresa proprietária da TSF foi vendida a um grupo de empresários e Domingos Andrade foi entretanto nomeado diretor-geral da rádio.

Domingos Andrade foi destituído em setembro do ano passado, tendo sido substituído por Rui Gomes e Rosália Amorim, como diretora de informação. Na sequência destas mudanças foi anunciado um plano de reestruturação que previa a saída de até 200 trabalhadores de todo o grupo que à data detinha o JN, o Jogo e o DN. O processo foi alvo de forte contestação, tendo sido ainda acompanhado pelo atraso no pagamento dos salários.

Na deliberação aprovada a 29 de maio, a ERC indica que estão em causa informações vindas a público sobre os efeitos da reestruturação nas empresas de comunicação social da Global Media e as consequências no exercício da atividade jornalística, em particular no pluralismo e na preservação das linhas editoriais dos órgãos do grupo.

Num documento de quase 50 páginas que resultou da audição de várias testemunhas e das intervenções públicas feitas entre o final do ano passado e o início deste ano, nomeadamente no Parlamento, o regulador descreve os efeitos da entrada do novo acionista e da gestão por ele nomeada.

A ERC já tinha suspendido os direitos de voto do fundo WOF por incumprimento da lei da transparência dos proprietários de órgãos de comunicação social. Foi ainda aberto um outro processo relativo à mudança de controlo acionista da rádio TSF que foi efetuada sem obter a autorização prévia do regulador da comunicação social.