Nas eleições legislativas de março, apenas 81 pessoas votaram no Bloco de Esquerda no concelho de Miranda do Douro (2,2%). Em todo o distrito de Bragança, a votação do Bloco não chegou aos 1500 votos (1,9%). Ainda assim, Catarina Martins escolheu justamente o Nordeste Transmontano para a primeira incursão da campanha bloquista ao interior do país. “O Nordeste Transmontano é Europa”, defendeu Catarina Martins, durante uma visita ao Centro de Valorização do Burro de Miranda, uma organização que se dedica à preservação desta famosa espécie autóctone de Trás-os-Montes.
A partir do extremo nordeste do país, mesmo estando num território que favorece pouco o Bloco de Esquerda e onde também se tem registado um forte crescimento do Chega, Catarina Martins quis deixar um apelo ao voto e ao combate à abstenção para lembrar que as eleições europeias são a oportunidade ideal para o interior que se sente “esquecido”.
“Nas eleições europeias não há voto desperdiçado. Aqui, toda a gente vota para o mesmo círculo. Portanto, quem está aqui no planalto mirandês e muitas vezes até se sentiu esquecido, aqui como no resto do interior, saiba que nas eleições europeias é um círculo único e todos os votos contam para eleger quem possa representar estes projetos”, destacou Catarina Martins aos jornalistas.
“As eleições europeias têm muito a ver com o nosso quotidiano no país. Têm a ver com o território, que tipo de emprego é que temos, que tipo de paisagem é que temos, como é que é a nossa cultura. Tudo isto também está em disputa nas eleições europeias”, acrescentou.
Antes, a ex-líder do Bloco de Esquerda tinha passado a manhã a contactar com os veterinários da Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino e a interagir com os cerca de 60 burros de Miranda que vivem no centro.
Foi Miguel Nóvoa, o secretário técnico da raça asinina de Miranda (ou seja, o ponto de contacto do estado português para os trabalhos de conservação do burro de Miranda), que explicou a Catarina Martins como o trabalho da associação, ao longo dos últimos anos, permitiu “inverter a tendência” de ameaça aos burros. Atualmente, há 700 fêmeas reprodutoras vivas, um número chave para perceber o estado de ameaça: se forem menos de mil, a espécie está em risco.
Ao Observador, este veterinário nascido em Esposende garante que o burro de Miranda ainda é uma companhia fundamental para o humano em Trás-os-Montes. Continua a ajudar com o arado, especialmente no que toca a lavrar campos de batatas, e no transporte das alfaias agrícolas em distâncias longas. Mas também é um “animal de companhia de grande porte”, defende Miguel Nóvoa, dando o exemplo de “alguém que já não tem cá os filhos, que tinha 20 vacas e as vendeu e que ficou com os dois burros”. Para muitos, os burros (que, com uma esperança de média de vida de cerca de 30 anos) são mesmo amigos de uma vida inteira.
Quando a Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino surgiu, em 2001, nasciam em média dez burros de Miranda por ano em Portugal. Mais de 20 anos depois, o número aumentou para 100 nascimentos por ano — o que permite que esta famosa espécie autóctone do Nordeste Transmontano esteja hoje bem conservada, embora ainda não tenha perdido a classificação de espécie em risco.
Para Catarina Martins, este trabalho é um exemplo do “melhor” que se faz em Portugal nesta área da preservação da biodiversidade. Tem sido, aliás, esse um ponto forte do discurso da candidata bloquista: em vez de responder à extrema-direita, chamar a atenção para o que há de “melhor”. Foi assim quando visitou uma escola multicultural em Almada e foi assim também em Trás-os-Montes.
Joana Braga, uma das responsáveis da associação, explicou à bloquista que o centro se dedica essencialmente à reprodução da espécie, mas a associação tem também um “santuário” para os burros idosos, de quem os donos não se querem desfazer. Este “lar de idosos para burros” permite dar “um final de vida digno” a animais que “trabalhar muito”.
Em declarações aos jornalistas, Catarina Martins elogiou o trabalho desta associação e destacou a necessidade de a Europa não se esquecer destes projetos no mundo rural.
“Para nós é muito importante que o interior não fique permanentemente com os custos ambientais de projetos que são feitos e acabam por criar até dificuldades às populações, ou que não fique sistematicamente condenado ao despovoamento”, disse Catarina Martins.
“Isto é o melhor que nós temos e nós queremos chamar a atenção para isso. Estamos aqui com associações que dão emprego nesta zona a veterinários, a biólogos, a linguistas, a pessoas das mais variadas áreas, da cultura e da ciência. Estão aqui no interior e é disto que nós precisamos. Aquilo que nós viemos cá dizer foi o seguinte: se há algo que os fundos europeus devem fazer pelo território português é precisamente os projetos, o investimento nestes projetos, que permitem criar emprego, condições de vida, ao mesmo tempo que trazem biodiversidade e cultura. Isso é extraordinário e esta é a nossa aposta”, assinalou Catarina Martins.
“Muitas vezes, habituámo-nos a falar do interior sempre como um sítio condenado ao despovoamento, condenado aos danos ambientais de grandes projetos que são pensados para o interior e acabam por prejudicar as populações. O que nós dizemos é não, vamos fazer as coisas de outra maneira. Vamos aprender com o melhor que existe”, afirmou ainda.
Destacando que o trabalho de conservação do burro de Miranda permitiu manter a espécie, Catarina Martins lembrou também a importância destes projetos para a segurança do território, para a “companhia da população”, mas também para o emprego.
“Estamos a falar do emprego qualificado, na biologia, até na linguística, aqui com as questões do mirandês que são tão importantes. Estes projetos têm tudo a ganhar com o desenho dos fundos europeus. Para nós, os fundos europeus devem ser desenhados tendo em conta todo o território e tendo em conta o povoamento do interior, em projetos que estão ligados à biodiversidade, à cultura e que, com isso, garantem emprego qualificado, garantem qualidade de vida e segurança do território”, defendeu.
“Às vezes fala-se dos projetos europeus, dos fundos europeus, como uns milhões que chegam num instante, faz-se um negócio qualquer de betão que, depois de inaugurado, não se sabe muito bem o que é que se há de fazer com ele. Nós propomos outra forma de olhar para o interior. É que os fundos europeus sejam, sobretudo, para projetos como estes”, acrescentou.
Em conversa com Catarina Martins, o veterinário Miguel Nóvoa lembrou, por exemplo, como os burros têm contribuído para a diminuição do risco de incêndios através da “brigada florestal animal”, um “conjunto de burros usado para reduzir risco de incêndios”.