Milhares de pessoas sem-abrigo foram retiradas de Paris, e dos arredores, no âmbito de uma operação de “limpeza” antes dos Jogos Olímpicos, segundo LeRevers de la Médailleplataforma que representa 90 associações, incluindo Médicos do Mundo, Secours Catholique e Action contre la Faim.

Segundo a Organização. os poderes públicos aceleraram o ritmo nas últimas semanas para retirarem das ruas milhares de “indesejáveis” — prostitutas, sem-abrigo, migrantes ou vendedores ambulantes para melhorar a imagem da cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos de 2024.

No relatório “Un an de nettoyage social avant les JOP : ‘Circulez, y a rien à voir'” (“Um ano de limpeza social antes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos: ‘Nada para ver aqui, nada para fazer’”, em tradução livre para português), publicado na terça-feira, Paul Alauzy, coordenador dos Médicos do Mundo e porta-voz do coletivo, acusou as autoridades de fazer uma “limpeza social” da população mais precária da cidade, para que Paris “apareça da forma mais lisonjeira possível” para a competição mundial.

Requerentes de asilo, famílias e crianças que já se encontravam numa situação precária e vulnerável também terão sido abrangidas pelas ações de retirada. Alauzy diz ter visto a polícia a retirar mais de uma centena de jovens que vivia debaixo da ponte Charles de Gaulle, em Paris.

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O relatório baseia-se em números obtidos a partir de dados recolhidos por várias associações, relatos pessoais e da “análise jurídica” de documentos oficiais (como decretos) entre 26 de abril de 2023 — data da evacuação da enorme ocupação de L’Ile-Saint-Denis, perto da futura aldeia dos atletas — e 30 de maio de 2024.

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O documento revela que 12 545 mil pessoas que vivem em condições precárias foram despejadas na região de Paris entre abril de 2023 e maio de 2024, ainda que seja um número ligeiramente inferior ao de 2022—2023, quando 12 769 pessoas foram despejadas.

Foram registadas “16 operações em quatro meses no final de 2023, ou seja, metade dos despejos do ano, e 26 operações nos primeiros cinco meses de 2024, ou seja, quase tantas como em todo o ano de 2022”. As operações não se cingiram à zona de Paris, tendo ocorrido também nas cidades de Bordéus e Lille, por onde a competição irá também passar.

Em janeiro deste ano a Provedora dos Direitos Humanos francesa, Claire Hedon, abriu uma investigação sobre “a ameaça aos direitos e liberdades no contexto dos Jogos Olímpicos”, para averiguar “a forma como os sem-abrigo são enviados para fora de Paris para centros de alojamento, e a forma como as áreas de habitação estão a ser destruídas”, adiantou o El Monde.

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Há meses que o grupo Le Revers de la Médaille alerta para a expulsão dos sem-abrigo de Paris. Em outubro de 2023 organizou um protesto com a mensagem “Os Jogos Olímpicos não estão prontos” projetada no Arco do Triunfo, visível dos Campos Elísios, que mereceu ampla cobertura mediática.

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Desde esse protesto, o Comité Organizador dos Jogos Olímpicos tem reunido com o coletivo todas as semanas, mas em declarações à AFP, Paul Alauzy disse que as expectativas que tinham foram defraudadas: “Estávamos eufóricos porque nos tinham prometido que o efeito dos Jogos Olímpicos nos permitiria fazer avançar a causa dos que dormem na rua”. Promessas que, meses depois, não se consumaram: “Pouco ou nada conseguimos”, lamentou o porta-voz do grupo.

“Como comité organizador, não somos competentes em matéria de ação social e de ajuda às populações vulneráveis”, sublinhou a comissão em declarações à AFP, motrando-se, ainda assim, empenhada em continuar a prestar apoio social, com um trabalho de proximidade, incluindo nos locais dos Jogos.

Contactado pela mesma agência, o Ministério do Trabalho, da Saúde e da Solidariedade disse que “levou a sério as preocupações” das associações que têm chegado regularmente, garantindo aos assistentes sociais  “o acesso aos recintos”.

O Chefe de Gabinete da Região de Île-de-France, Christophe Noël du Payrat, defendeu que se espera “que os Jogos Olímpicos sejam uma palavra mágica, que resolva os males da sociedade francesa”, um nexo lógico que parece não fazer sentido. Já o vice-presidente da Câmara Municipal de Paris, Emmanuel Grégoire insistiu que “os Jogos Olímpicos não causaram a extrema precariedade da situação”.

As associações apelam à criação de uma base humanitária para os sem-abrigo durante os Jogos Olímpicos, à semelhança da que foi criada para acolher os refugiados ucranianos, e pedem às autoridades que criem alojamentos de emergência.

A Câmara Municipal de Paris também está a trabalhar arduamente para encontrar mais abrigos, avançou o Le Monde. “Identificámos quatro liceus profissionais vagos, o que representa cerca de 1000 lugares potenciais. Estes lugares poderiam ser tornados permanentes”, sublinhou o gabinete, embora reconheça que, com o apoio do Estado, pode fazer-se mais e encontrar-se outros pontos de abrigo.

De acordo com as últimas estimativas, os Jogos Olímpicos Paris2024, que decorrem entre 26 de julho e 11 de agosto, deverão ter um custo total de nove mil milhões de euros, que será coberto por verbas públicas e privadas e prevê-se, durante esse período, a presença de 15 milhões de turistas.

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