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É mais um escalar da tensão entre a Rússia e a França. Moscovo deteve e colocou em prisão preventiva até 5 de agosto um francês sob a alegação de que não se registou como “agente estrangeiro” e que recolhia informações militares. Ou seja, de que teria ações de espionagem.

O Presidente francês apressou-se a, poucas horas depois da detenção, na quinta-feira, esclarecer que o homem era francês mas “não trabalha ou trabalhou” para Paris. Na verdade, Laurent Vinatier é consultor de um organização não governamental (ONG) suíça de resolução de conflitos militares e, na sexta-feira, num tribunal de Moscovo pediu “desculpas” por não se ter registado como “agente estrangeiro” e que no seu trabalho sempre “apresentou a posição russa”, noticia a imprensa francesa, como, por exemplo, o Le Monde.

O seu advogado argumentou que o Vinatier não sabia que tinha de se registar como “agente estrangeiro” e pediu que ficasse detido em sua casa, junto com a família, mas o juiz não aceitou e determinou quase dois meses de prisão, até 5 de agosto, quando se decidirá o seu processo.

Um vídeo publicado pelo Comité de Investigação Estatal da Rússia na plataforma Telegram mostra o momento em que agentes de segurança fardados detêm o especialista na esplanada de um café em Moscovo e o levam, sem resistência, para dentro de uma carrinha policial. Na nota que acompanha o vídeo não é  identificado o homem que, diz o comité, “durante vários anos”, não cumpriu de maneira intencional a “obrigação estabelecida” de apresentar documentos necessários para o registo de “agente estrangeiro”.

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A categoria de “agente estrangeiro” é definida na legislação russa como qualquer pessoa que receba apoios financeiros de outros países ou que esteja sob “influência estrangeira”, sendo obrigatório o seu registo junto às autoridades. Esta figura legal tem servido a Moscovo para acusar sobretudo cidadãos russos críticos do regime como ativistas, jornalistas ou políticos e por vezes é usada para deter pessoas antes de as acusar com outros crimes.

Na nota no Telegram deste poderoso comité de investigação lê-se que “o indivíduo recolhia propositadamente informações de atividades militares e técnico-militares da Federação da Rússia”. Para esse efeito, continua, o francês “visitou repetidamente o território da Rússia, incluindo a cidade de Moscovo, onde se reuniu com cidadãos russos”. Ora, argumenta este comité que investiga grandes crimes, “estas informações, quando obtidas por fontes estrangeiras, podem ser utilizadas contra a segurança do Estado”.

O homem foi posteriormente identificado pela agência russa de informações TASS como Laurent Vinatier, um consultor da ONG suíça Centre for Humanitarian Dialogue (Centro para Diálogo Humanitário) que lida com questões relacionadas com conflitos militares na Eurásia desde 2014.

Aliás, a AFP refere que, Vinatier, nascido em 1976, trabalhava há muitos anos no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mesmo antes do ataque de fevereiro de 2022, no âmbito de discretos esforços diplomáticos paralelos. E o Le Monde refere a sua participação, bem como da ONG para a qual trabalha, nas negociações entre Kiev e os separatistas do Donbass em 2014, sendo uma parte fundamental do acordo assinado pela capital ucraniana e Moscovo em julho daquele ano.

“É um dos nossos cidadãos a trabalhar numa ONG suíça. Não é sob nenhuma hipótese alguém que estava a trabalhar para a França”, reagiu o Presidente francês Emmanuel Macron, numa entrevista na quinta-feira à noite à rádio BFMTV, assegurando que Vinatier receberá proteção consular. E o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Stéphane Séjourné, já disse que solicitou ao governo russo mais informações sobre a detenção, para além da proteção de Vinatier.

A Centre for Humanitarian Dialogue, depois de confirmar que Vinatier tinha sido detido na Rússia, exigiu a sua libertação, garantindo estar a “trabalhar para conseguir mais detalhes das circunstâncias e assegurar a sua liberdade”.

Em Paris, o caso está a ser tratado como uma escalada da agressão russa contra a França em retaliação aos recentes apoios do país à Ucrânia, com envio de caças e de instrutores militares assim como a permissão do uso de armas francesas contra alvos dentro da Rússia.

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“Estávamos à espera desta forma de escalada”, afirmou fonte do executivo francês ao Le Monde. “Infelizmente, não estamos surpreendidos”.

A fonte considerou que esta detenção se juntou a outras “micro-agressões e provocações”, como os casos de vandalismo em Paris, onde a polícia francesa investiga uma possível participação russa.

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“Estamos a entrar num ambiente de constante confronto, e a França está inegavelmente a receber um tratamento prioritário”, referiu.

Para os franceses, a acusação de espionagem juntamente com argumentos burocráticos, que podem levar Vinatier a ser condenado a até cinco anos de detenção, é apenas mais uma destas provocações.

Segundo uma outra fonte do jornal francês, a Rússia estava “bem ciente” do que Vinatier fazia no país e das suas conexões, que incluíam nomes russos importantes  como o conselheiro do Kremlin, Dmitri Kozak.