Marie Aneas recebe-nos atrás de um balcão onde nos espera já um número generoso de frascos pretos, com as etiquetas devidamente viradas para o lado oposto onde nos encontramos, para adensar o grau de mistério e processo de adivinhação. Imagine uma prova cega de vinhos, mas neste caso com diferentes aromas. É assim que começa esta aventura olfativa que dura cerca de hora e meia, até obtermos o nosso perfume Opar.
A ação decorre num recanto do Lapa 71, o espaço comercial na Rua Garcia da Orta que acolhe também este pequeno laboratório de fragrâncias. Bom, na realidade, a experiência começa um pouco antes de entrarmos num mundo encantado para narizes corajosos e que adoram testar combinações — para os demais, o processo pode ser desafiante qb. Quando efetua a sua marcação online, deverá preencher um breve questionário que permite traçar um primeiro perfil do cliente. As questões incluem indicar o perfume do momento, que aromas não aprecia, identificar a sobremesa e vinho prediletos e ainda as flores de eleição.
“Quando olhamos para essa informação conseguimos reunir o material que faz sentido, portanto já eliminei algumas hipóteses, mas também adiciono elementos que fazem a pessoa sair da sua zona de conforto”, apresenta a perfumista, nascida e criada no parisiense bairro do Marais e que aqui trabalha sobre matéria-prima oriunda de Grasse, epicentro da perfumaria no sul de França. “Vamos cheirar cada uma e dar uma pontuação de um a cinco. Vai-me dizendo se vamos no sentido certo ou não, mas o ponto de partida é reunir aqui um pouco de todas as famílias olfativas.”
Tampa atrás de tampa, a perfumista vai destapando elementos de diferentes famílias, da aromática à floral, da amadeirada à cítrica, numa orquestra de notas que desafia sentidos e atenção. Para aliviar um nariz saturado de tanta e tão intensa roda-viva, pode passar pelo “mentol” para estar pronto para “regressar ao trabalho”. “Quando tivermos uma boa seleção, que pode ser entre seis e oito, avançamos. Não há bem uma regra, pode ser mais ou menos. Nunca apenas um, porque num processo como estes feito por medida queremos desfrutar”.
É por tentativa e erro que se vai progredindo. Confundimos a pêra com medronho, tomamos erradamente o cassis por maracujá, pesamos a influência da doçura e dos cítricos, e deixamos que Marie retifique tudo o que há para retificar. Quando chegamos a um conjunto de notas que merecem positiva elevada é tempo de misturar tudo, começando assim um meticuloso labor. “Cada gota conta”, confirma a perfumista, que usa um conta contas para ir vertendo cada um dos eleitos. “Estou a seguir a ordem da formula mas não há um ordem específica quando despejamos dos frascos”.
Et voilá! Marie deposita um pouco da mistura original no nosso pulso e espera pelo feedback. “Pode dizer-me se quer mais framboesa ou arroz, por exemplo”, atira, expectante. Será boa hora para deixar o alerta: pode adorar cada uma das partes escolhidas, mas a soma de todas elas não corresponder necessariamente à expectativa com que se chega. “Há pessoas que têm surpresas”. É possível que dê por si a reconsiderar o uso de white musk, a rejeitar o inicialmente desejado “cheiro a praia” (Ozonic, desculpa, mas não vai dar), ou a dar uma oportunidade ao tomate e uvas, qual salada de frutas subtilmente enfrascável.
Claro que tudo depende do objetivo à chegada. Entre um público nacional e estrangeiro, Marie consegue vislumbrar alguns padrões. É um facto que no verão as frescuras cítricas estão em franca maioria, mas também há quem chegue com um conceito bem fechado antes de se lançar neste “parque de diversões”, como lhe chama a perfumista. “Podem dizer que querem sentir-se sexy, por exemplo, que querem um perfume para sair à noite, ou fazer algo para uma ocasião especial, como um casamento. Temos também casais que procuram criar a sua fragrância especial, e ainda uma cliente que não suportava cheiros desde que engravidara e fizemos algo para ela.”
A Opar abriu em junho de 2023, com um nome que tanto convoca a uma colónia perdida de Atlântida, como uma “neblina” polaca — e ainda, claro, “o par”, no sentido português de casal (neste caso o encontro entre cliente e perfumista em busca de uma fragrância). Marie chegou em novembro. É pelo boca a boca que têm atraído interessados, descreve, que podem chegar tão perdidos quanto ela andou quando teve que fechar caminhos. “Sabia e não sabia que ia acabar nos perfumes. Desde criança que cheirava tudo, mas aos 18 anos foi muito difícil decidir o que queria seguir.” A dúvida desfez-se no dia em que antigos alunos visitaram a sua escola falando das atuais experiências profissionais. Uma dessas pessoas frequentava a escola de perfumaria onde Marie acabaria por estudar, de tão entusiasmada que ficou com a partilha. Depois de cinco anos de formação, licenciou-se me janeiro do ano passado. “Viajei um pouco e parei em Lisboa.”, conta, enquanto nos pede de novo um espaço na pele emprestado para avaliar a segunda tentativa. “O arroz está a explodir, consigo cheirar muito a framboesa; o que podemos ajustar?”.
Outro alerta: o mais certo e não acertar ao primeiro ensaio, e está tudo certo. Marie sugere acrescentar jasmim para equilibrar e quem sabe aquele ligeiro toque de menta do gerânio. “O musk absorve tudo o resto”, reconhecemos, enquanto a bergamota reclama misericórdia, que é como quem diz um pouco mais de protagonismo.
À terceira é de vez. Quando por fim atingimos um resultado que agrada, segue-se o momento de ver surgir em pleno o conteúdo líquido. “Agora vamos escalar. Não é que seja aborrecido mas é a parte mais repetitiva, em que vamos adicionado quantidades maiores”.
Por esta hora já terá percebido que não há dois perfumes iguais. Nem um mesmo perfume que reaja de igual forma em diferentes peles. Quando finalizamos o processo, para além de levar consigo 100 ml Eau de Parfum únicos, não tem que se preocupar com a combinação escolhida, em caso de necessidade de refill. Fica tudo registado na base de dados da Opar.
“Temos um perfil de clientes que sabem muito bem o que querem, e outros que não sabem bem para onde vamos, o que também é ok. A minha primeira versão é sempre aquela que me parece mais equilibrada mas podemos ir afinando. Temos sessões em que fizemos dois dias porque assim as pessoas tiveram tempo para dormir sobre o assunto. Às vezes é apenas uma dificuldade em expressar aquilo que realmente procuram.”, elabora a nossa guia.
É tempo de recorrer à maquina para selar o perfume, para garantir que não se entorna no caminho para casa. Só falta batizá-lo. “Vamos etiquetá-lo agora” com o nome que o cliente escolher. Neste caso, o amarelo rouba as atenções e deve-se ao uso de tuberosa na nossa fórmula.
Há um ano, esta perfumaria artesanal foi criada com a intenção de ser um laboratório para desenvolver fragrâncias exclusivas para cada cliente, através de um serviço por marcação, à porta fechada. Agora, a fundadora de origem polaca, Karolina Oledzka, inaugurou esta semana a segunda loja de perfumes. Na Rua da Alegria, 41D segue-se uma vertente mais comercial, e por aqui encontram-se fragrâncias para corpo e também para a casa. A abertura coincide também com o lançamento dos dois primeiros perfumes Opar, Maresia e Veraneio. A estes junta-se mais uma novidade: as velas perfumadas. “A Opar Alegria assinala uma estreia no lançamento de produtos com a nossa marca e assinatura. Vamos manter as duas lojas: a da Lapa para uma experiência privada, que deve ser agendada; e a nova loja para as nossas fragrâncias e também para workshops de perfumaria, onde podemos receber grupos”, define Karolina Oledska.
Maresia inspira-se numa viagem de carro até ao Guincho, entre espuma do mar e ervas frescas da Serra de Sintra. Já Veraneio vale-se da intensidade e pede para ser usado nas longas noites estivais. As duas fragrâncias estão disponíveis em dois formatos – perfume (100 ml – €149) e vela (280 g – €59). As experiências privadas (€169) podem ser marcadas online.
Opar Alegria, Rua da Alegria, 41D, Lisboa. Opar Lapa, Rua Garcia da Orta, 71C, Loja 11, Lisboa