Uma centena de mediadores culturais da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) queixou-se ao Governo de discriminação, precariedade e ausência de perspetivas profissionais dentro da organização.

Antigos elementos do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), os subscritores queixam-se de não estarem a ser aproveitados pela AIMA e pedem a regularização dos seus casos, num momento “em que se fala diariamente sobre os milhares de processos pendentes de regularização dos imigrantes e dos poucos recursos humanos para fazer face a tamanha missão”.

Numa carta enviada no dia 22 ao ministro da Presidência e a que a Lusa teve nesta segunda-feira acesso, os mediadores culturais queixam-se de estarem em situação precária há muitos anos, apenas porque as instituições públicas que formaram a AIMA criaram estes contratos para colmatar a escassez de recursos humanos.

Um dos elementos do grupo, que pediu anonimato, disse à Lusa que a situação “está muito tensa” dentro da organização e a falta de quadros está a pressionar principalmente os que têm relações laborais mais frágeis.

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“Fazemos tudo o que é necessário e estamos como externos”, desabafou a mesma fonte.

Criada em outubro de 2023, a AIMA está a tentar diminuir os 400 mil processos de imigrantes por regularizar, um esforço que se irá agravar nas próximas semanas com a previsível saída de uma centena de quadros que já pediram mobilidade.

“Estamos com medo em relação ao futuro”, disse a mesma fonte, que reclama a “regularização dos vínculos precários e o reconhecimento do tempo de contrato de trabalho”.

Os autores alegam já ter exposto este caso ao Conselho Diretivo da AIMA. Mas “nunca logramos resposta às nossas preocupações e pretensões”, lê-se no documento.

Segundo os promotores, a figura do mediador sociocultural foi “utilizada como forma de obviar à contratação pública de trabalhadores para estes institutos públicos”.

Isto resulta na “existência de falsos mediadores socioculturais”, que não têm as mesmas condições de trabalho, nem as mesmas condições salariais, que os colegas do quadro.

Além disso, não têm avaliação profissional, são obrigados a “adiantar despesas de deslocação de serviço e alojamento quando necessário”, não recebem horas extraordinárias, não têm acesso a toda a formação e não podem usar os meios de deslocação da AIMA para eventos e intervenções externas.

Estes trabalhadores estão sujeitos a contratos a termo incerto, nos quais está estabelecido que o ‘mediador’ é contratado temporariamente”, durante o tempo de vigência de um protocolo de cooperação entre a AIMA e uma associação parceira, lê-se na carta.

Isto, apesar de esses elementos, que desempenham funções permanentes, não terem “qualquer ligação profissional” a essa associação “tida como entidade empregadora, reportando-se factualmente e em todas as necessidades laborais à AIMA”.

Segundo os autores, a ligação dos mediadores socioculturais com as associações parceiras “limita-se à assinatura de um contrato no início do mesmo, ao recebimento/pagamento do salário e pouco mais”.

No entanto, a atividade é “sempre realizada nas instalações da AIMA, os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à AIMA, o horário de trabalho é determinado pela mesma, o poder de direção e autoridade em relação ao mediador é da AIMA”, que também aprova as férias.

Os subscritores recordam que, em 2001, foi criada a figura de mediador sociocultural, e a grande maiores destes trabalhadores entraram da função pública em 2017, numa regularização extraordinária.

Contudo, alertam, “nem todos os trabalhadores foram abrangidos por esta regularização extraordinária e este tipo de contratos precários continuou a ser a forma de contratação padrão, criando uma situação de desigualdade ainda mais grave do que a anterior”.

“Notamos que estes trabalhadores continuaram a ser contratados pelo ex-Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e pelo ex-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e continuam a trabalhar na AIMA em funções que não correspondem àquelas expressamente previstas no estatuto legal do mediador sociocultural, mas sim para funções equivalentes às dos funcionários públicos, como por exemplo, a instrução de processos administrativos, representação da AIMA em eventos externos e até a gestão e coordenação em trabalhos de task-force”, pode ler-se na carta.

Sindicatos solidários com os trabalhadores

Os sindicatos da AIMA mostraram-se nesta segunda-feira solidários com as queixas dos trabalhadores precários e alertam que muitos desempenham funções de caráter permanente na organização.

Em declarações à Lusa, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da AIMA, Artur Girão, pede que se “veja caso a caso” a situação dos mediadores culturais que nesta segunda-feira tornaram pública a sua preocupação com a precariedade laboral, algo que dura há vários anos.

“Relembro que, no passado, já existiu uma medida em que o Governo regularizou situações específicas. Não sei se estes mediadores também estarão nessas condições em termos contratuais”, afirmou Artur Girão.

Manuela Niza, do recém-fundado Sindicato dos Técnicos de Migração (STM), é mais contundente e pede uma resposta da tutela ao problema.

São trabalhadores desprotegidos e essa foi uma das razões que nos levou a criar o sindicato, porque é preciso proteger estas pessoas que são indispensáveis, que estão numa situação muito fragilizada, alguns numa situação altamente discriminatória”, tendo em conta as funções que ocupam.

“Desempenham funções como os funcionários do quadro e devem ser protegidos”, afirmou Manuela Niza.

A “situação dos precários, dos mediadores culturais, preocupa-nos”, acrescentou ainda a dirigente do STM, salientando que a sua estrutura sindical quer representar todos os funcionários, “independentemente do vínculo”.

A Agência Lusa tentou obter um comentário sobre esta matéria junto do Governo e da direção da AIMA, mas, até ao momento, não obteve qualquer resposta.