A polícia queniana disparou, esta terça-feira, no terceiro dia de protestos liderados por jovens contra os planos fiscais do governo, balas de borracha para dispersar os manifestantes reunidos no centro da capital, Nairobi.

A tensão aumentou gradualmente no distrito comercial central de Nairobi (CBD), onde decorria a terceira manifestação em oito dias do movimento apelidado de “Ocupar o Parlamento”, em oposição ao projeto de orçamento para 2024-25, que prevê a introdução de novos impostos e o aumento de outros.

Os primeiros confrontos eclodiram por volta do meio-dia (10h em Lisboa), depois de os manifestantes terem avançado para uma zona que alberga vários edifícios oficiais, tais como o parlamento, o Supremo Tribunal e a Câmara Municipal de Nairobi.

“Tirem as balas de borracha da caixa”, gritou um agente da polícia aos colegas diante dos jornalistas da agência de notícias France-Presse (AFP), que viram depois a polícia disparar essas balas tanto para o ar como na direção dos manifestantes.

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De acordo com os meios de comunicação social locais, realizaram-se igualmente manifestações, sem qualquer oposição policial, em várias outras cidades do país, nomeadamente nos bastiões da oposição de Mombaça (leste) e Kisumu (oeste), em Eldoret (oeste), uma grande cidade do Vale do Rift, a região natal do Presidente, William Ruto, Nyeri (sudoeste) e Nakuru (centro).

Na zona comercial central de Nairobi, os primeiros grupos de manifestantes, na maioria jovens com bandeiras quenianas, apitos e vuvuzelas e gritando “Somos pacíficos“, foram inicialmente mantidos à distância por gás lacrimogéneo.

Uma grande força de segurança, incluindo canhões de água e polícia montada, foi destacada para este distrito, epicentro de anteriores manifestações, bloqueando o acesso ao parlamento, onde está atualmente a ser debatido o controverso projeto de orçamento que desencadeou os protestos.

Os manifestantes ultrapassaram então os bloqueios da polícia para entrar no recinto onde os deputados tinham acabado de aprovar alterações ao texto, que deverá ser votado até 30 de junho.

A polícia utilizou então balas de borracha.

Polícia queniana usa gás lacrimogénio e detém três pessoas em protesto contra impostos

Entretanto, a Reuters fala de um confronto entre os manifestantes e a polícia que já terá provocado pelo menos 5 mortos e 50 feridos com balas. A paramédica Vivian Achista garantiu à Reuters ter visto 10 cadáveres.

A mesma agência noticiosa avisa ainda que é possível ver chamas dentro do parlamento queniano. “Queremos fechar o parlamento. Todos os membros devem resignar o seu cargo e ir para casa” garantiu um manifestante, “Teremos um novo governo”, concluiu.

A Comissão Queniana dos Direitos do Homem (KHCR) declarou, em comunicado, que viu a polícia “disparar sobre quatro manifestantes, (…) matando um deles”.

Foram vistos “três corpos inconscientes deitados em poças de sangue nos arredores do parlamento, onde um edifício estava a arder”, segundo a agência noticiosa France-Presse (AFP).

Um responsável da Amnistia Internacional do Quénia, Irungu Houghton, referiu, em declarações à AFP, que “muitas pessoas ficaram feridas”, denunciando o “uso crescente de munições reais pela polícia” durante a manifestação.

Pelo menos 35 pessoas presas e 200 feridas em protestos contra Governo queniano

O movimento, apelidado de “Ocupar o Parlamento“, foi lançado nas redes sociais pouco depois de o orçamento para 2024-2025 ter sido apresentado ao parlamento, a 13 de junho, que incluía a introdução de novos impostos — incluindo um IVA de 16% sobre o pão e um imposto anual de 2,5% sobre os veículos privados.

Após uma primeira manifestação, em 18 de junho, em Nairobi, com algumas centenas de pessoas, na maioria jovens da “Geração Z” (nascidos depois de 1997), o governo anunciou que abandonava a maior parte dos impostos previstos.

Mas a hashtag #RejectFinanceBill2024 (“Rejeitar o projeto de orçamento para 2024”) cristalizou um descontentamento mais amplo entre a população, atingida por dificuldades económicas desde há vários anos, e no dia 20 de junho, desfilaram procissões em muitas cidades.

Um manifestante morto em protesto contra o governo queniano

As reivindicações anti-impostos transformaram-se num desafio às políticas do Presidente, que disse no domingo estar pronto para falar com os jovens.

Embora largamente pacíficos, os dois primeiros dias de manifestações foram marcados pela morte de duas pessoas em Nairobi. Várias dezenas de pessoas foram feridas pela polícia, que também efetuou centenas de detenções.

A Amnistia Internacional do Quénia, num comunicado divulgado na segunda-feira, alertou para o risco de escalada que “poderia levar a mais mortes”.

A Comissão Queniana dos Direitos Humanos, uma ONG, acusou as autoridades de raptarem ativistas “principalmente à noite (…) por polícias à paisana em carros sem identificação”.

A porta-voz da polícia queniana, Resila Onyango, não respondeu às perguntas da AFP sobre estas acusações.

O projeto de orçamento deve ser votado no parlamento antes do final do ano financeiro, a 30 de junho. Os manifestantes pedem que o texto seja retirado na íntegra, denunciando a manobra do governo que anuncia a retirada de certas medidas fiscais, mas prevê compensá-las com outras, nomeadamente um aumento de 50% dos impostos sobre os combustíveis.

Segundo o governo, estes impostos são necessários para devolver ao país, altamente endividado, uma certa margem de manobra.

O Quénia, um país da África Oriental com uma população de cerca de 52 milhões de habitantes, é uma potência económica na região mas vive o drama da inflação.