Beijar alguém sem consentimento é uma “invasão corporal” e uma “intrusão à liberdade sexual” da vítima. Foi esta a decisão, esta terça-feira, do Supremo Tribunal espanhol, confirmando a sentença de um tribunal de instância inferior que tinha condenado um polícia por beijar uma mulher sem o seu consentimento.

O caso aconteceu em janeiro de 2020, quando um polícia beijou na bochecha uma mulher, enquanto esta estava detida na esquadra de Prado de San Sebastián, em Sevilha. O agente também escreveu papéis, que passou à mulher, pedindo para a abraçar. Apesar das suas recusas verbais e de ter virado a cara, o polícia tentou, ainda assim, beijar a mulher nos lábios, como relata o jornal El País.

A mulher apresentou queixa e o tribunal de Sevilha condenou o polícia a um ano e nove meses de prisão. Agora, a mais alta instância espanhola confirmou a sentença original: crime de abuso sexual.

Os juízes do Supremo justificam a decisão dizendo que abuso sexual não é a existência de um ‘não’, mas a ausência de um ‘sim’. “A chave está no consentimento, na medida em que, se o consentimento não tiver sido obtido, houve abuso sexual”, pode ler-se na sentença, citada pelo jornal espanhol.

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A condenação por abuso sexual existe, na lei espanhola, desde 2022, quando o Congresso aprovou a lei da Garantia Integral da Liberdade Sexual, conhecida como a lei “apenas o sim é sim”. O diploma, um dos mais vanguardistas na Europa, acabou com a distinção entre abuso e violação, condenando ambos por igual.

“Apenas o sim é sim.” Congresso espanhol aprova lei que acaba com distinção entre abuso e violação

A decisão do Supremo destaca-se, então, por definir um beijo na cara como um contacto sexual indesejado. Na sentença, os juízes argumentam que “é evidente que o contacto breve de um beijo não consentido representa uma invasão corporal [da vítima], que não é obrigada a admitir atos de conteúdo sexual no seu corpo, como um beijo no seu rosto”. A conotação sexual do beijo “é inegável, mesmo que breve”.

O tribunal elabora ainda mais, argumentado que é preciso considerar o contexto em que se realizou o crime. A sentença salienta como a mulher se encontrava detida “num ambiente hostil, com uma pessoa desconhecida”, ilustrando o desequilíbrio de poder entre vítima e agressor.

Considerando a “jurisprudência moderna” e as “circunstâncias do caso”, o Supremo Tribunal identifica “claramente” o crime: o beijo, que pode ser visto, quando desejado, como “prova de afeto”, foi utilizado pelo polícia “como um ataque pessoal”, perante as recusas, verbais e corporais da vítima.