Havia Tadej Pogacar, havia Remco Evenepoel, havia Jonas Vingegaard, havia Primoz Roglic. Todos os pesos pesados andavam por ali na primeira etapa de uma Volta a França aguardada como há muito não se via pelo potencial de quatro grandes candidatos de equipas diferentes para apenas um posto (ou três, olhando para a questão do pódio) mas no final imperou a lei da improbabilidade para um dos corredores que mais fez ao longo do anos para tornar provável o seu sucesso: Romain Bardet. Aos 33 anos, e numa época que será de despedida não só do Tour mas da competição, o francês teve o seu grande momento de glória numa corrida em que já levava uma camisola de montanha (2019) e três vitórias em etapa (2015, 2016 e 2017), ganhando não só na chegada a Rimini como ficando com uma camisola amarela que será mais disputada do que nunca.

Num trabalho fantástico com o companheiro da Team DSM, Frank van den Broek, a dupla resistiu a todas as tentativas de aproximação e fez a festa na cidade costeira italiana. “Tive o instinto, não conhecia bem o percurso, vi muitos corredores a sofrer, sabia que tínhamos o Frank [Van den Broek] na fuga, que é muito forte, e fui. Não tinha nada a perder, na pior das hipóteses perdia 20 minutos e acabava-se o sonho da amarela. Sinceramente, ele merece tanto quanto eu, porque arrancou-me do chão no final, quando eu já não tinha mais nada para dar. O Frank é realmente um grande talento, não tenho palavras”, admitiu o corredor francês que irá cumprir a sua última prova como profissional em 2025 no Critério du Dauphiné.

Com Wout van Aert a ir buscar os últimos quatro segundos de bonificação pelo terceiro lugar, os Quatro Mosqueteiros, que chegaram todos em grupo com o belga da Team Visma (e João Almeida, que cumpriu a tirada de estreia na Volta a França, e Rui Costa, mas ao contrário de Nelson Oliveira que perdeu logo a abrir 18.46 minutos), mantinham o mesmo tempo antes de mais uma ligação a rondar os 200 quilómetros entre Cesenatico e Bolonha. Com outra promessa: queriam mexer na corrida. Com Pogacar a prometer uma outra capacidade de puxar a etapa na frente, com os mais diretos adversários atentos ao esloveno.

O domingo começou com uma primeira fuga de 11 elementos (Brent van Moer da Lotto, Michael Matthews da Jayco tentaram mas não conseguiram colar-se) e com um português em destaque, Nelson Oliveira. Além do corredor da Movistar, seguiam também Quentin Pacher (Groupama), Axel Laurence (Alpecin), Hugo Houle (Israel-Premier Tech), Kévin Vauquelin (Arkéa), Cristian Rodriguez (Arkéa), Mike Teunissen (Intermarché-Wanty), Bram Welten (Team DSM), Harold Tejada (Astana), Jonas Abrahamsen (Uno-X) e Jordan Jegat (TotalEnergies). Os fugitivos chegaram a ter sete minutos de avanço, a vantagem baixou, de seguida voltou a aumentar e a 70 quilómetros do final, já depois da passagem pelo circuito de Ímola onde o mítico Ayrton Senna perdeu a vida em 1994, já passava ligeiramente os nove minutos.

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Mais atrás, a maior incidência foi mesmo uma queda que envolveu Wout van Aert além de Matteo Jorgensen e Laurens de Plus (que pareceu ficar com mais mazelas depois do infortúnio). Nelson Oliveira continuava na frente, passando em quarto no sprint especial de Dozza atrás de Abrahamsen, Tejada e Quentin Pacher com 13 pontos para a camisola dos pontos. Ainda assim, nesta fase, a grande discussão era sobre a possibilidade de haver ainda uma recuperação do pelotão que permitisse ainda neutralizar a fuga, algo que parecia ser cada vez menos provável tendo em conta que, a 50 quilómetros no final, estava acima dos oito minutos. Ou seja, logo na segunda etapa, a possibilidade de haver um triunfo português não era provável mas existia.

A esperança existia, os dez quilómetros seguintes voltavam a lançar a dúvida e era nas subidas finais que se iriam dissipar ou não as esperanças dos fugitivos, com Nelson Oliveira a descolar um pouco do grupo inicial dos fugitivos mas sem perder muito tempo quando o pelotão já tinha partido há muito com nomes como Mark Cavendish, Fabio Jakobsen e Fernando Gaviria a ficarem a mais de cinco minutos do grupo onde iam os favoritos ao Tour. Quando Pogacar passou para a frente, percebia-se que o corte tinha sido bem maior do que se pensava, apanhando também vários elementos da UAE Team Emirates incluindo João Almeida. Era a Team Visma que escrevia as leis neste grupo, também com Romain Bardet a ter grandes dificuldades.

Afinal, foi apenas um “susto”. Um susto para o grupo de fugitivos, que se mantinha com nove elementos já com Nelson Oliveira integrado (arriscando até um pouco mais na descida) e que conseguiu aumentar de forma ligeira a vantagem. Um susto para João Almeida ou Romain Bardet, que voltaram a “colar” nos pesos pesados com a Team Visma a não manter o mesmo andamento que colocara na corrida. Tudo passou e com Nelson Oliveira a colocar as cartas em cima da mesa, aproveitando a parte plana antes da última subida para atacar, levar apenas consigo Vauquelin e Abrahamsen e ganhar um avanço pouco acima dos 30 segundos. Era na Côte de San Luca que iria decidir-se tudo, com Vauquelin a ir embora sem capacidade de resposta.

Nelson Oliveira parecia ter esgotado a bateria por completo depois do sofrimento da primeira subida, com a etapa a ficar desenhada para uma luta entre Vauquelin e Abrahamensen, que tentava ainda dar luta mas sem capacidade de manter a distância visual para o francês. Chegavam os ataques dos favoritos, com Pogacar a atacar e Vingegaard a responder de imediato com Remco e Roglic longe dessa capacidade. Se a decisão da etapa estava “fechada”, a camisola amarela estaria em discussão tendo em conta que a “explosão” da dupla ganhou num ápice 40 segundos de avanço com João Almeida no grupo de Romain Bardet. Essa foi a grande diferença: Pogacar e Vingegaard conseguiram entender-se para conservarem a distância na frente, os restantes líderes não foram capazes de fazer o mesmo para minimizarem o atraso e Roglic deu os primeiros sinais de incapacidade de resposta tendo em conta que Remco Evenepoel ainda foi “cortando” espaço.

Kévin Vauquelin seguia sozinho para o triunfo, com mais uma vitória francesa com dois triunfos nas tiradas iniciais como não acontecia desde 1968, seguindo-se Abrahamensen e Nelson Oliveira a fechar no grupo que se seguiu com a sexta posição. Com uma “novidade”: Remco Evenepoel e o próprio Richard Carapaz foram acelerando e apanharam no último quilómetro Pogacar e Vingegaard, colocando Primoz Roglic como o principal derrotado do dia ao chegar no grupo de Romain Bardet que tinha também João Almeida. Já a camisola amarela passou para a Pogacar com o mesmo tempo de Vingegaard, Remco e Carapaz, seguindo-se Bardet a seis segundos. Já João Almeida subiu à 21.ª posição da geral com o mesmo tempo do sexto (21” de diferença) num grupo que tem Roglic, Hindley, Bernal, Carlos Rodríguez, Juan Ayuso, Landa ou Vlasov.