O Supremo Tribunal dos EUA decidiu esta segunda-feira que os presidentes têm direito a imunidade relativa a casos judiciais em relação a ações praticadas enquanto atos oficiais. A decisão abrange Donald Trump enquanto ex-presidente, mas ressalva que nem todos os atos praticados pelo presidente são atos oficiais e remete a classificação dos atos praticados por Trump, a propósito da invasão ao Capitólio, para tribunais inferiores. O candidato democrata às eleições norte-americanas diz tratar-se de uma “grande vitória para a constituição e democracia”.

O presidente do Supremo Tribunal, John Roberts, concluiu, no acórdão, que os presidentes precisam de imunidade para os seus atos oficiais. “Concluímos que, sob nossa estrutura constitucional de poderes separados, a natureza do poder presidencial exige que um ex-presidente tenha alguma imunidade contra processos criminais por atos oficiais durante seu mandato”, escreveu Roberts. “Pelo menos no que diz respeito ao exercício pelo presidente dos seus poderes constitucionais fundamentais, esta imunidade deve ser absoluta.”

Apesar disso, nem tudo é oficial. “O Presidente não goza de imunidade para os seus atos não oficiais, e nem tudo o que o Presidente faz é oficial. O Presidente não está acima da lei“, escreveu Roberts. “Mas o Congresso não pode criminalizar a conduta do Presidente no exercício das responsabilidades do poder executivo nos termos da Constituição.”

Roberts define que são os tribunais de primeira instância que terão de avaliar qual das alegadas condutas de Donald Trump é abrangida pela imunidade, de acordo com o novo teste estabelecido pelo tribunal superior. “Enviamos o caso ao Tribunal Distrital para que este determine, em primeira instância – com o benefício da informação que nos falta – se a conduta de Trump nesta área se qualifica como oficial ou não oficial”, escreveu Roberts.

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Trump não tem imunidade presidencial no processo sobre interferência nas eleições de 2020

O magistrado norte-americano considera que houve uma falta de “análise factual” nas decisões anteriores dos tribunais inferiores que rejeitaram a imunidade de Trump. Em fevereiro, o Tribunal Federal de recurso dos EUA rejeitou os pedidos de Trump para garantir a imunidade que o impediria de poder ser acusado criminalmente pelo alegado esforço de anular os resultados das eleições presidenciais de 2020.

Juízes liberais discordam da opinião da maioria. Sotomayor entende que decisão torna presidente “um rei acima da lei”

No parecer dissidente à decisão maioritária do Supremo norte-americano, a juíza liberal Sonia Sotomayor alerta para as consequências “graves” a longo prazo da decisão desta segunda-feira, observando que o tribunal tinha efetivamente criado uma “zona livre de leis” em torno do presidente norte-americano. Sotomayor vai mais longe e afirma que o Presidente “é agora um rei acima da lei”. Os três juízes liberais, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson, discordaram todos da opinião da maioria de seis juízes conservadores.

“Esta nova imunidade de atos oficiais está agora à mão de semear como uma arma carregada para qualquer Presidente que queira colocar os seus próprios interesses, a sua própria sobrevivência política ou o seu próprio ganho financeiro acima dos interesses da Nação”, entende a magistrada, citada pelo The Guardian, que recorda o poder nas mãos de um qualquer líder dos EUA.

“O Presidente dos Estados Unidos é a pessoa mais poderosa do país, e possivelmente do mundo. Quando ele usa os seus poderes oficiais de qualquer forma, de acordo com o raciocínio da maioria, ele agora estará protegido de um processo criminal”, afirma. E dá exemplos: “Ordena à Seal Team 6 da Marinha que assassine um rival político? Imune. Organiza um golpe militar para se manter no poder? Imune. Aceita um suborno em troca de um perdão? Imune. Imune, imune, imune.”

Campanha de Biden diz que decisão sobre imunidade “não muda os factos” da invasão do Capitólio

A campanha de Biden defende que a decisão do Supremo Tribunal norte-americano sobre a imunidade parcial presidencial “não muda os fatos” e reiterou as alegações de que o ex-presidente Donald Trump “enlouqueceu” quando perdeu a eleição de 2020 para Joe Biden.

“Donald Trump passou-se depois de perder as eleições de 2020 e encorajou uma multidão a derrubar os resultados de uma eleição livre e justa”, disse um conselheiro sénior da campanha numa declaração citada pela CNN Internacional. A mesma fonte acrescentou: “Trump está a concorrer à presidência como um criminoso condenado pelo mesmo motivo que ficou de braços cruzados enquanto a multidão atacava violentamente o Capitólio: ele pensa que está acima da lei e está disposto a fazer qualquer coisa para ganhar e manter o poder para si mesmo.”

Pouco depois de ser conhecida a decisão do Supremo Tribunal, o líder da maioria no Senado norte-americano, Chuck Schumer, condenou a decisão, afirmando que este é “um dia triste para a democracia” do país. “A própria base do nosso sistema judicial é que ninguém está acima da lei. A traição ou o incitamento a uma insurreição não devem ser considerados um poder constitucional central concedido a um presidente”, defendeu o democrata.

Ao coro de críticas junta-se a congressista Pramila Jayapal, que utilizou a rede social X para classificar a decisão como “desastrosa”, culpando um “Supremo Tribunal de extrema direita” por enfraquecer drasticamente a “responsabilidade se um presidente tentar usar o seu cargo para fins criminosos”.

A congressista democrata Frederica Wilson, do Texas, criticou o tribunal, acusando-o de não defender o princípio da “justiça igual perante a lei”. “Um Supremo Tribunal Republicano com uma maioria de 6 lugares, com 3 juízes nomeados por Trump, acabou de defender Trump ao afirmar que ele está acima da lei”, escreveu na mesma rede social.

De acordo com a CNN, o senador republicano JDVance, um dos possíveis candidatos a vice-presidente de Donald Trump, postou no X que a decisão de imunidade da Suprema Corte é “uma vitória massiva, não apenas para Trump, mas para o Estado de Direito”. No post, incluiu a reação do próprio Trump no Truth Social. “Grande vitória para a nossa constituição e democracia. Orgulhoso de ser americano”, escreveu o candidato republicano e ex-presidente norte-americano sobre a decisão da instância superior.