É uma rivalidade, é um encontro com vencedor em aberto, é um duelo que quando chega às provas oficiais vai sempre para o mesmo lado. Olhando para o histórico de confrontos entre França e Bélgica, e já foram 75 ao longo dos últimos longos 120 anos (é verdade, o primeiro realizou-se no ano de 1904 em Bruxelas), até são os belgas que levam vantagem com um total de 30 vitórias contra 26 dos gauleses. Questão? Nas fases finais, os bleus ganharam sempre. Em Campeonatos do Mundo, com triunfos em 1938 (3-1, fase de grupos), 1986 (4-2, terceiro e quarto lugares) e 2018 (1-0, meia-final). Em Europeus, com vitória em 1984 (5-0, fase de grupos). Na Liga das Nações, com triunfo em 2021 (3-2, meia-final). Até a forma como os mesmos chegaram trazia o pequeno toque de “vingança” no reencontro, pela forma como os franceses impediram que os Diabos Vermelhos chegassem a uma grande decisão depois da RFA no Euro-1980. Mas havia algo mais em jogo.

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Do lado francês, os “dramas” do costume. Depois das ondas levantadas pelas polémicas extra futebol ligadas à política e aos extremismos no país, o empate com a Polónia provocou mais um mar de dúvidas tendo como principal foco o selecionador Didier Deschamps. Apesar de já ter ganho praticamente tudo como jogador e selecionador, o técnico continua a ser visto como uma figura em fim de linha numa ideia que voltou a ganhar dimensão pela forma como a equipa gaulesa se mostrou incapaz de bater uma Polónia já eliminada para ir para o “lado bom” do quadro de cruzamentos do Euro-2024. Mbappé voltou de máscara e até marcou mas Griezmann ficou no banco após o encontro menos conseguido com os Países Baixos, Camavinga também não terá gostado de uma repreensão do treinador e começaram a surgir notícias em alguns meios de críticas à falta de intensidade nos treinos. Um remake das habituais dúvidas numa equipa que costuma dar resposta.

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Já na Bélgica, a fase de grupos expôs uma realidade que a qualificação tinha quase “camuflado”: ainda há expoentes importantes dentro da geração de ouro que foi terceira no Mundial de 2018 como Kevin de Bruyne ou Romelu Lukaku – mesmo divorciado da baliza com três golos anulados pelo VAR – mas nem mesmo esse advento de jogadores como Jérémy Doku ou Onana apagou a realidade de uma equipa com menos e piores soluções do que as anteriores. Domenico Tedesco continuava a mostrar confiança naquilo que os Diabos Vermelhos eram capazes de produzir (revelando-se incrédulo por ter apenas dois golos em 270 minutos com tanto caudal ofensivo) mas a própria reação dos adeptos depois do nulo com a Ucrânia, com muitos assobios no momento dos agradecimentos dos jogadores, era sintomática do momento que a seleção atravessava.

Em condições normais, França e Bélgica teriam ido parar ao outro lado do quadro do Euro-2024, com os gauleses a terem pela frente o segundo classificado do grupo F (Turquia) e os belgas a contarem com um jogo diante de um dos quatro terceiros melhores posicionados (calhou os Países Baixos). Ao invés, não só ficaram numa posição em que jogavam nos oitavos o que poderia ser uma meia-final como sabiam que esse “sonho” de chegar à decisão teria pela frente Alemanha, Espanha e/ou Portugal. Entre ambos, e mais uma vez, foi a França que se “safou”. E os Diabos Vermelhos deixam o Euro com uma vitória, dois golos e a ideia de que os gauleses festejaram o jackpot porque apostaram bem mais na verdadeira hora da decisão.

O encontro apresentou a tónica que iria imperar ao longo do tempo, com mais cuidados para não sofrer do que risco para ficar mais perto de marcar, e com as nuances táticas dos dois treinadores a terem momentos diferentes de supremacia. Depois de 15 minutos de futebol sem balizas entre um remate de Mbappé após canto que passou muito por cima, a Bélgica esteve por cima. As saídas a partir de trás continuavam lentas, mas aquele 4x4x2 sem bola que se transformava em 3x4x3 em posse, com os movimentos de Carrasco e a largura de Doku a abrirem linhas para a visão de Kevin de Bruyne, foi ligeiramente melhor e teve como lance mais perigoso um livre do capitão que Maignan defendeu como conseguiu (24′). Depois, houve muito mais França. Com os movimentos de Griezmann sem bola a desequilibrarem, com os médios subidos, com laterais a darem a profundidade. Thuram teve um desvio de cabeça ao lado (34′), Tchouaméni tentou a meia distância por cima. Golos, ainda nada. E quando o jogo partia, as duas equipas colocavam a mudança abaixo.

As características da partida não tiveram grandes mudanças depois do intervalo, com a França a tentar mais vezes a meia distância de Tchouaméni (que numa das ocasiões obrigou Casteels a defesa apertada para canto, 48′) e as combinações curtas à entrada da área e a Bélgica a sair menos vezes mas com outro perigo quando chegava à área, com Theo Hernández a tirar o golo a Carrasco (60′) e Maignan a defender um remate cruzado de Lukaku (70′). Nem com as substituições havia grandes mudanças na história do jogo, apesar de haver uma França mais adiantada no terreno com o passar dos minutos com remates de Saliba e Mbappé ao lado. Aquilo que parecia improvável começava a tornar-se um cenário inevitável, com prolongamento e sem golos, mas já depois de nova defesa de Maignan a remate de De Bruyne surgiu o lance que decidiu o encontro, com Kolo Muani a aparecer na área para um remate meio atabalhoado a bater em Vertonghen que fez o 1-0 (85′).

A pérola

  • Os laterais da França foram inexcedíveis com e sem bola, Tchouaméni conseguiu dar uma vertente antes menos vista do risco nos remates de meia distância que foram ajudando a desmontar a organização defensiva dos belgas mas foi Kanté que voltou a dar o mote com mais uma exibição a encher o campo, a empurrar a equipa para a frente e a evitar várias vezes que possíveis transições dos Diabos Vermelhos chegassem a zonas próximas do último terço. Apesar de ter saído para jogar na Arábia Saudita, o médio não só não perdeu influência na seleção como está melhor fisicamente do que muitos companheiros.

O joker

  • De forma inevitável, Kolo Muani. O avançado de 25 anos que trocou no último verão o Eintracht pelo PSG não teve propriamente uma temporada fácil no campeão francês, esteve sempre longe de ganhar uma vaga nas opções de Didier Deschamps mas soube esperar com calma pelo seu momento (o que na seleção gaulesa não é fácil porque levantar ondas é quase sempre o menu do dia…) e foi feliz, em todos os sentidos, na partida dos oitavos: entrou aos 62′ para o lugar de Marcus Thuram, foi tentando andar sempre a pressionar os defesas contrários e teve o momento de glória no remate meio atabalhoado que bateu ainda em Vertonghen e enganou Casteels. Não foi bonito, foi eficaz. E, sobretudo, decisivo.

A sentença

  • Com este resultado, a França volta a chegar aos quartos do Europeu depois da eliminação na última edição logo nos oitavos diante da Suíça e vai defrontar agora o vencedor do Portugal-Eslovénia. Já a Bélgica, está eliminada e é um mar de dúvidas que chegam até Tedesco, não pelo que a equipa fez nos oitavos mas por aquilo que a equipa não fez ao longo de 270 minutos da fase de grupos…

A mentira

  • Domenico Tedesco tinha-se mostrado entre o estupefacto e o incrédulo a propósito dos dois golos da Bélgica em 270 minutos neste Campeonato da Europa. Por várias razões, explicava: três lances que foram invalidados por fora de jogo ou mão a Lukaku, bolas no poste, oportunidades criadas que tinham depois finalizações que ficavam muito aquém de quem tem jogadores dos melhores clubes da Europa. No entanto, e não falando disso, Didier Deschamps tinha o mesmo problema, com um autogolo e um penálti em 270 minutos. O duelo dos oitavos não melhorou propriamente a situação tendo em conta o adversário que estava pela frente mas ataques assim com menos de um golo/jogo é a mentira…