Especialistas em migrações reunidos esta semana em Lisboa para um encontro internacional mostraram-se preocupados com o aumento dos nacionalismos e populismos, que conduzem a uma visão securitária das fronteiras.
A “migração tem passado por um processo de politização e também de polarização”, particularmente no continente europeu, afirmou Thais França, investigadora do ISCTE, que acolhe a XXI Conferência Anual da Imiscoe (International Migration Research Network, na sigla inglesa).
A isso se soma um “suposto medo de uma invasão, com números massivos na Europa, que é mais uma falácia construída em cima de um discurso conservador, xenófobo e racista, do que realmente se concretiza em termos numéricos”, salientou a investigadora.
“Desde que existem fronteiras, existe controlo de fronteiras, mas nunca houve um controlo tão securitário e nunca foi uma preocupação tão grande com essa questão da segurança”, que está à associada à ideia de que o imigrante não é só uma “ameaça cultural”, mas também “uma ameaça violenta”, acrescentou.
Numa das sessões, Ettore Recchi, da Sciences Po (França) salientou que “80 por cento das passagens transfronteiriças são dentro da mesma região, no plano intercontinental” e a “mobilidade humana não tem relação com a globalização”, ao contrário dos argumentos populistas da extrema-direita.
“As pessoas cruzam fronteiras, ficam algum tempo, regressam. É o ciclo normal das gerações”, salientou o investigador.
Mary Boatemaa Setrana, da Universidade do Gana, recordou o peso do colonialismo na definição das fronteiras dos países do continente.
Para este investigador, “África tem uma visão positiva sobre a migração”, porque há uma tradição migratória muito intensa que só foi condicionada com a definição das fronteiras entre estados modernos, muitas vezes separando culturas e tribos.
“A injustiça dos países ocidentes é algo para onde temos de olhar”, afirmou, acrescentando: “Nós precisamos de fronteiras abertas”.
Já Anna Amelina, da Universidade de Tecnologia de Brandenburg (Alemanha), criticou “o discurso político que normaliza o ‘nós’ e ‘eles'” e comentou que o crescimento dos nacionalismos conduz a dificuldades na integração das comunidades na Europa.
Cerca de 1.200 participantes, entre especialistas, académicos e dirigentes associativos, estão esta semana a participar num dos principais encontros sobre migrações, subordinado ao tema “imigração como uma construção social”.
O “encontro tem superado as nossas expectativas”, com mais de 200 painéis espalhados por várias salas do ISCTE, afirmou Thais França, considerando que a academia deve desmitificar a questão das migrações.
“A migração é vista sempre como um problema”, mas é necessário “dar contexto alargado” ao tema, porque, por exemplo, “nunca se fala das contribuições que o imigrante traz para a sociedade”.
À “medida que os governos vão fazendo mais cortes em políticas públicas, é mais difícil existir políticas adequadas para os imigrantes”, afirmou Thais França.
Os movimentos migratórios “não acontecem do nada”, e muitas vezes estão relacionados com conflitos alimentados por fronteiras pós-coloniais impostas pela Europa ou por interesses de países do hemisfério norte.
O que “acontece em determinadas regiões acaba por aumentar a propensão de determinados grupos de saírem do seu país de origem”, explicou.
O tema da edição deste ano é “imigração como uma construção social. Uma viragem refletiva” e inclui temas como integração, políticas de asilo e as “implicações sociais e económicas destes fenómenos nas sociedades contemporâneas”.
“Num momento em que a imigração se torna um tema central do debate público em Portugal, a conferência emerge como um espaço privilegiado para a discussão destas questões”, consideram os promotores, salientando que o objetivo é também “incentivar o pensamento crítico sobre os processos sociais associados à construção e categorização do ser ‘migrante’, bem como dos seus descendentes”.