O incêndio no hospital de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, teve origem “numa das duas baterias de correção do fator de potência”, segundo o relatório técnico a que a agência Lusa teve acesso esta sexta-feira.

Excluindo a possibilidade de fogo posto, seguramente o incêndio teve o seu foco inicial numa das duas baterias de correção do fator de potência, respetivamente de 200 KVAr e 500 KVAr de de potência, tendo maior probabilidade a de 200 KVAr”, lê-se no relatório assinado pelos engenheiros João Mota Vieira e Marco Ávila.

Nas conclusões do documento consultado pela Lusa, os autores sustentam que o fogo que atingiu o Hospital Divino Espírito Santo (HDES) no dia 4 de maio, e o deixou inoperacional, “teve o seu início por causas internas no piso 1, no compartimento galerias de cabos (cave)”.

Os engenheiros apontam que o sinistro ocorreu “devido a um conjunto de riscos que se conjugaram na hora”, como equipamentos baterias de correção do fator de potência “em fim de vida” e “instalados num local pouco habitual, de acesso não evidente e com alguma dificuldade”.

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“Manutenção preventiva/corretiva com omissões e sem o acompanhamento interno ao nível que as boas práticas aconselham” e “deficiente compartimentação/selagem corta-fogo”, bem como sistema de deteção automático de incêndio (SADI) “obsoleto, em fim de vida, de difícil identificação e sinalização de eventos, do qual o HDES não tem internamente conhecimento operacional“, são outros aspetos apontados.

A conclusão já tinha sido adiantada na segunda-feira pela secretária regional da Saúde, Mónica Seidi.

Relatório conclui que incêndio no hospital de Ponta Delgada teve origem nas baterias dos condensadores

“Tal como foi afirmado por mim na semana após o incêndio, e confirmado por este relatório, a origem do incêndio está associada a falência de equipamentos, nomeadamente nas baterias dos condensadores existentes no compartimento técnico por baixo do grupo de geradores, localizado no piso 1 do hospital”, disse Mónica Seidi.

Segundo a governante, o relatório técnico de averiguação das causas do incêndio, solicitado ao conselho diretivo dos Açores da Ordem dos Engenheiros, foi entregue “no início da semana passada”, mas o conselho de administração do hospital aguarda ainda por um “relatório detalhado”.

Na quinta-feira, em declarações à Antena 1, o autor do relatório técnico sobre as causas do incêndio no HDES, João Mota Vieira, desmentiu o executivo regional ao afirmar que o incidente não teve origem nas baterias de condensadores.

O nosso relatório não confirma que a senhora diga que o incêndio foi nas baterias de condensadores. Não está escrito no nosso relatório. Eu lamento muito, mas não está escrito no nosso relatório. Eu não posso dizer o que está lá escrito porque estou em segredo de justiça”, afirmou.

Ainda nas declarações à Antena 1, João Mota Vieira confirmou tratar-se do relatório de que é um dos autores, juntamente com Marco Ávila.

Já esta sexta-feira, em conferência de imprensa, a secretária regional da Saúde reiterou que o incêndio teve origem “ao nível de uma bateria de correção de fator de potência ou bateria de condensadores”.

A titular da pasta da Saúde nos Açores realçou também que o relatório do grupo de trabalho sobre o incêndio no HDES já foi submetido à Assembleia Regional, rejeitando as acusações de falta de transparência lançadas pelo PS na quinta-feira.

No relatório consultado esta sexta-feira pela Lusa, os técnicos constataram que, à data do sinistro, “ambos os equipamentos [baterias de correção] estavam em operação limitada (tinham escalões de baterias desligados)” e “estavam no fim da sua vida útil (11 anos e cinco meses) que terminaria já em 2025”.

Técnicos fazem “recomendações muito urgentes” ao Conselho de Administração do HDES

Os autores do relatório técnico sobre as causas do incêndio que atingiu o hospital de Ponta Delgada fazem “recomendações muito urgentes” à administração, como inspeção a todos os quadros elétricos e melhoria do plano de emergência interna.

João Mota Vieira e Marco Ávila sugerem no documento que o conselho de administração do Hospital Divino Espírito Santo “desencadeie de imediato as necessárias ações corretivas, com a máxima urgência e sem hesitações“, uma vez que o edifício “continua a apresentar a segurança contra risco de incêndio seriamente comprometida”.

Na área da segurança em edifícios e em instalações elétricas, recomendam que o CA tome medidas com vista à mitigação de risco de incêndio, de graves acidentes de trabalho e de risco de avarias “muito graves em equipamentos de instalações elétricas e térmicas”.

Para mitigação do risco de incêndio propõem, entre outros, a substituição total e integral do atual sistema de deteção automático de incêndio, incluindo cabos, a instalação de sistema de controlo de retentores nas portas corta-fogo, a inspeção e aplicação de “selagens corta-fogo em ductos, passagens de canalizações, couretes verticais, etc., incluindo passagens aéreas nos tetos falsos”.

É ainda recomendada uma “inspeção especializada a todas as baterias de correção do fator de potência instaladas no edifício, nomeadamente no piso 5, incluindo às condições de instalação e validação da vida útil dos respetivos condensadores elétricos”.

Sugere-se igualmente a melhoria de “alguns aspetos do plano de emergência interna, nomeadamente o processo de ativação do mesmo e a identificação clara e objetiva do elemento de ligação/contacto do HDES com as forças exteriores de intervenção”.

A inspeção a todos os quadros elétricos e a inspeção e avaliação da rede de alimentação a quadros elétricos são outras recomendações.

Para mitigação de acidentes de trabalho, “eventualmente mortais”, e do risco de “avarias muito graves” em equipamentos e instalações elétricas e térmicas, os dois técnicos aconselham a constituição de um corpo de engenheiros eletrotécnicos e mecânicos, de uma equipa de eletricistas “especializada, credenciada e formada” e de outra de fogueiros (central térmica), em número adequado à dimensão da unidade de saúde.

Ao Governo Regional, João Mota Vieira e Marco Ávila sugerem que, se ainda não o fez, tome a iniciativa de promover uma auditoria à atuação dos bombeiros de Ponta Delgada no combate ao incêndio, com o objetivo de dotar a corporação “de melhores meios técnicos e humanos”.

Embora o combate tenha sido eficaz (extinguiu o incêndio), consideramos que possa não ter decorrido da forma mais eficaz (duração aproximada de sete horas)”, apontam.

Por sua vez, no relatório de ocorrência do corpo de bombeiros de Ponta Delgada, também consultado esta sexta-feira pela Lusa, é referido que o “recurso a estratégia ofensiva e ataque direto” por parte da “equipa de ataque” não causou a extinção do incêndio, tendo antes “agravado ainda as condições de permanência no interior daquelas zonas técnicas, face à produção de vapor de água pela aplicação de água e consequente desequilíbrio térmico no seu interior”.

O recurso dos bombeiros à “linha de espuma física de média expansão” também “agravou ainda mais as condições de permanência” no local, “contribuindo para o golpe de calor sobre os bombeiros” e para a “falta de visibilidade”.

Segundo o relatório, a atuação dos bombeiros iniciou-se às 9h21 minutos do dia 4 de maio com o alerta de incêndio e terminou às 11h55 do dia seguinte com a conclusão das operações de socorro.