O Palácio de Buckingham é, provavelmente, o mais famoso do mundo e está a passar por uma renovação à altura do seu estatuto. O plano prevê 10 anos de obras com fim marcado para 2027, mas pelo meio vão surgindo novidades. Como por exemplo a abertura ao público pela primeira vez da Ala Este do palácio, onde está a varanda onde se reúne a família real em momentos importantes. Esta quinta-feira, 11 de julho, o palácio começa o tradicional período em que pode ser visitado durante o verão e que este ano vai até 29 de setembro.
Esta morada no centro de Londres está na família há várias gerações, tem 52 quartos para a família real e seus convidados e 188 para o pessoal, além de 92 escritórios, 78 casas de banho e 19 salas de estado, porque afinal esta casa é o Palácio de Buckingham. Este espaço recebe dezenas de milhares de pessoas todos os anos, entre festas de jardim, investiduras, receções, visitas de estado e audiências privadas. Dos residentes aos banquetes, passando por festas e um pouco de história, o que torna afinal este sítio tão especial?
Um palácio em obras
O projeto de renovação do Palácio de Buckingham tem um orçamento de 369 milhões de libras (mais de 460 milhões de euros) e um plano de 10 anos, durante os quais se vai manter em funcionamento. Não se trata apenas de algumas reparações, mas sim de obras profundas que envolvem canalização, o sistema de eletricidade e de aquecimento que não são atualizados desde a década de 1950. Segundo o palácio, as obras começaram em abril de 2017 com o uso de tecnologia que ajudou a criar o plano de renovação. No ano seguinte começaram os trabalhos na Ala Este. Em 2019 foram melhoradas as condições de quem trabalha no palácio.
Em 2020 foi a vez do sistema de aquecimento ser substituído para melhorar a eficiência energética do palácio. No ano seguinte foram os acessos que melhoraram, deixando de haver degraus na frente do palácio. Em 2022, vários espaços das salas de estado foram remodelados a tempo das celebrações do jubileu de platina da Rainha Isabel II, assim como o telhado da Picture Gallery (a galeria de arte e exposições), onde estão expostas obras de arte. No ano 2023 as obras foram dedicadas às instalações para os visitantes, como por exemplo, os turistas, como explica o vídeo em baixo. Em 2024 acontece a reabertura da Ala Este, depois de cinco anos em obras. O plano total do palácio deverá estar concluído em 2027.
Segundo o próprio palácio, este edifício recebe quase 100 mil convidados e milhões de turistas por ano. O Parlamento aprovou que as obras de renovação do palácio fossem pagas com um aumento do Sovereign Grant, o dinheiro dos contribuintes atribuído ao soberano anualmente. Num vídeo da casa real é possível ver como estão a ser feitas as obras no palácio. E o desenvolvimento do plano pode ser acompanhado no site da família real.
A novidade, a Ala Este que conta com a famosa varanda
A Ala Este do palácio foi restaurada e poderá ser visitada durante as próximas semanas, mas em modo experimental. É nesta zona do edifício que está a sala que dá acesso à famosa varanda do palácio onde a família real se reúne em momentos importantes. A sala chama-se Sala Central (Central Room) está decorada em estilo chinês e pode ser visitada pela primeira vez desde que esta ala foi construída, há 175 anos. Contudo, os visitantes apenas poderão espreitar pela janela para ter uma ideia do que é a vista a partir dali, uma vez que não se pode de facto ir à varanda. Explica a BBC que a varanda é bastante apertada e o corrimão é baixo com uma altura abaixo da cintura das pessoas, o que levantaria questões de segurança. Embora o palácio esteja tradicionalmente aberto ao público durante umas semanas no verão, esta não é uma das zonas visitáveis.
Esta Ala Este foi construída com fundos realizados com a venda do Pavilhão de Brighton pela Rainha Victoria. O edifício na cidade costeira misturava o estilo do reino da época com uma estética asiática. Depois da venda, o mobiliário de inspiração chinesa e japonesa do Pavilhão foi levado para o Palácio de Buckingham, assim como portas, varões de cortinados, uma lareira e porcelanas. Agora, para a atual renovação, houve pelo menos 3500 peças que tiveram de ser removidas dos seus locais e guardadas.
Abrir esta parte do palácio para visitas faz parte de uma estratégia para abrir mais as residências reais ao público. Foi mesmo ideia de Carlos III que terá feito a sua própria visita guiada para decidir o que os visitantes poderiam ver. As visitas à Ala Este são guiadas e em grupos de 20 pessoas com uma duração aproximada de 45 minutos. Depois os visitantes seguem para a visita tradicional a 19 salas de estado do palácio e já em ritmo próprio. O bilhete conjunto das duas visitas tem um valor de 75 libras (mais de 88 euros). Contudo, todas as seis mil entradas que foram postas à venda em abril esgotaram em algumas horas. O Rei também decidiu as portas do Castelo de Balmoral, pela primeira vez na história desta residência particular da família real de que Isabel II tanto gostava.
Fazer uma varanda no Palácio de Buckingham foi uma ideia do príncipe Alberto, marido da Rainha Victoria, que achou que seria uma forma da família real se relacionar com as pessoas. Começou a ser usada em 1851, para acenar às tropas que partiam para a guerra na Crimeia e depois para lhes dar as boas-vindas. A Ala Este foi construída entre 1847 e 1849 porque a família da Rainha estava a crescer.
O cenário dos famosos banquetes
Um dos eventos que contribui para a fama do Palácio de Buckingham são os banquetes e manda a tradição que desde 1914 o Salão de Baile do palácio receba um banquete na primeira noite de cada visita de estado ao Reino Unido. Estes jantares contam com cerca de 170 pessoas e os preparativos começam com semanas de antecedência. Há que limpar as loiças, vidros, talheres e acessórios decorativos, bem como as toalhas e guardanapos e sem esquecer a seleção de vinhos. Transformar o salão numa sala de banquete demora 10 dias e só três são para pôr a mesa. Há seis copos por pessoa, todos de um serviço feito para a Coroação de Isabel II em 1953, para servir água, champanhe, vinho branco, vinho tinto, vinho de sobremesa e Porto. Há sete talheres de diferentes serviços por pessoa. Já o serviço de pratos em prata dourada pertence ao Grand Service que foi comprado pelo Rei Jorge IV.
Cada pessoa tem menos de 50 centímetros de mesa para si, mas caso alguém falhe o jantar o espaço em sobra é distribuído por quem está à volta. A sobremesa é servida nos serviços de porcelana Minton e Tournai, que foram ambos feitos para a Rainha Victoria em 1877 e 1787, respetivamente. Só as pessoas com o soberano no topo da mesa têm um galheteiro individual. No resto da mesa cada conjunto de temperos é partilhado entre quatro pessoas. Há 19 equipas com quatro pessoas cada a servir os convidados. O jornal Telegraph explicou todos estes pormenores a propósito da exposição do verão de 2015 do palácio que foi dedicada precisamente às receções de Buckingham — “A Royal Welcome at Buckingham Palace”.
O primeiro banquete de Isabel II foi em junho de 1954, servido em honra do Rei Gustavo Adolfo VI e da rainha Louise da Suécia. O primeiro de Carlos III foi em novembro de 2022, a propósito da visita do Presidente e da primeira dama da África do Sul. Habitualmente, estes banquetes contam com brindes, discursos e são antecedidos por uma troca de presentes e pouco têm mudado ao longo dos anos. O salão de baile também foi uma obra da Rainha Victoria que, em 1856, entendeu ser necessária “uma sala capaz de acolher um maior número de pessoas que a Rainha tem de convidar no decurso de uma temporada”, segundo apelou ao seu primeiro-ministro Robert Peel. Um banquete decorre ao longo de cerca de um hora e 20 minutos e, no fim, os convidados deixam o salão ao som de 12 tocadores de gaita de foles porque o café acompanhado por pequenos doces é tomado nas salas de estado. Acabada a refeição a sala do banquete é “desmontada” em duas horas, sem contar com a lavagem da loiça à mão.
As festas no jardim do palácio
Quem não tiver oportunidade de ir a um banquete em Buckingham, pode tentar ir a uma festa de jardim. As Festas de Jardim foram começadas pela Rainha Victoria, mas os convidados seriam pessoas da alta sociedade de Londres ou de alguma forma relacionadas com o império britânico. Foi no reinado de Isabel II que estas festas se tornaram mais democráticas ou, pelo menos, mais representativas da sociedade. Entre maio e junho, há cerca de 30 mil pessoas (que podem ser convidadas ou inscrever-se) que a cada ano passam pelos jardins dos palácios de Buckingham e de Holyroodhouse (na Escócia). Mas, se desfrutar de uma tarde ao ar livre no jardim do palácio já faz destas festas especiais, há que acrescentar que toca o hino nacional tocado por uma banda militar e os membros da família real também marcam presença. E não podia faltar o dress code, com os cavalheiros a usarem traje de cerimónia e as senhoras com um acessório na cabeça.
Quem viveu em Buckingham? E o Presidente que queria muito lá ter ficado
A Rainha Victoria mudou-se para Buckingham em 1837 e casou-se com o príncipe Alberto três anos mais tarde, desde então que esta tem sido a morada da família real e o centro da corte britânica. Ao longo de 20 anos a soberana e o marido fizeram obras e transformaram o palácio no que conhecemos hoje. Mas desde a morte do consorte, em 1861, a animação diminuiu, a Rainha passava longos períodos ausente do seu palácio e este foi perdendo o brilho. Durante o curto reinado do Rei Eduardo VII, filho de Victoria e que apenas reinou nove anos, a vida social regressou a Buckingham. No reinado seguinte, o de Jorge V, a sua consorte, a rainha Mary tratou de redecorar o palácio, aconselhada por curadores do Museu Victoria & Albert.
Eduardo VIII foi Rei apenas por uns meses até abdicar para casar com Wallis Simpson e o Royal Collection Trust não o inclui na lista de soberanos residentes em Buckingham. Mas Jorge VI, o irmão que lhe sucedeu, fez do palácio um símbolo nacional durante a II Guerra Mundial e chegou mesmo a ser atingido por bombas durante o Blitz em 1940. Durante o conflito, embora os reis estivessem instalados no palácio no centro de Londres, saíam ao final do dia para passarem a noite com as filhas, que estavam a morar no Castelo de Windsor, uma fortaleza. Esta família real celebrou na varanda do palácio vários momentos históricos, desde a coroação do Rei, ao dia do fim da guerra na Europa (8 de maio de 1945) e depois no mundo com a rendição do Japão (15 de agosto do mesmo ano).
Com Isabel II, Buckingham foi a casa da Rainha e durante a segunda metade do século XX acompanhámos os momentos chave do seu reinado neste palácio. Foi aqui que a Rainha foi surpreendida por um intruso no seu quarto. Michael Fagan era um pintor e decorador desempregado quando, em 1982, entrou no palácio por uma janela aberta e circulou no interior até entrar nos aposentos da própria soberana sem saber. A cena é retratada na série The Crown. Segundo o próprio contou recentemente ao Telegraph, chegou a sentar-se na cama da Rainha e esta saiu do quarto para chamar um funcionário que lhe ofereceu uma bebida e levou-o. Fagan já tinha entrado no palácio semanas antes e acabou por ser detido e esteve três meses num hospital psiquiátrico.
Carlos III nasceu em Buckingham, mas ainda não fez do palácio a sua residência oficial. Enquanto príncipe de Gales, ele e Camila viviam em Clarence House, apenas a alguns metros de distância. Desde que são soberanos Buckingham tem estado em obras e por isso decidiram manter a sua morada, pelo menos até 2027, quando acabar a remodelação.
Esta famosa casa de família também recebe convidados ilustres. Foi o caso de, por exemplo, George W. Bush e Laura Bush em novembro 2003 e depois Barack e Michelle Obama em 2011, em contexto de visita de estado ao Reino Unido. Quando chegou a vez de Donald Trump visitar a Rainha, em 2019, foi desde cedo bem claro que o Presidente também queria ficar instalado no palácio, conta o Telegraph. Contudo, com a residência em obras de renovação não foi possível, apesar de do outro lado do oceano Atlântico, muito terem insistido. Trump viajava com a mulher e com os filhos adultos e acabou por ficar instalado na residência do embaixador no Reino Unido, Winfield House.
Tudo começou com uma “casa” construída no século XVII
O espaço que hoje ocupam os jardins do Palácio de Buckingham, foi no início do século XVII uma plantação de amoras para criação de bichos-da-seda a mando do Rei James I. Neste local havia uma casa que em 1698 chegou às mãos de John Scheffield, que viria a ser duque Buckingham. A casa foi demolida e deu lugar a Buckingham House. O Rei Jorge III adquiriu a casa em 1762 para oferecer à mulher, a rainha Carlota, e passou a ser conhecida como The Queen’s House. Foi o Rei que se seguiu, Jorge IV, que quis transformar esta “casa” num palácio. O arquiteto responsável foi John Nash, que criou um edifício em forma de U, mas a obra terá ficado bastante cara. Em 1828 os custos já ultrapassavam o orçamento e as 496 mil libras e ainda não tinha chegado a parte de mobilar o espaço. Quase 200 anos o Palácio de Buckingham volta a estar em obras profundas.