São raras as semanas em que não surgem notícias de Bruxelas sobre investigações por desconfianças em relação aos comportamentos de empresas ligadas ao digital. Desde que a lei dos serviços digitais (DSA, na sigla em inglês) e a lei dos mercados digitais (DMA) entraram em cena que a Comissão Europeia tem aberto investigações a algumas big tech norte-americanas, mas também a tecnológicas chinesas, como o AliExpress.
Primeiro, é importante distinguir que não há sobreposição entre os dois regulamentos: há investigações que são abertas no âmbito da lei dos mercados digitais e outras sobre a lei dos serviços digitais. Em alguns casos, até é possível que uma empresa tenha investigações iniciadas em ambos os regulamentos.
Embora as duas leis queiram proteger os europeus no mundo digital, têm campos de atuação distintos. O DSA foca-se nos serviços digitais e obriga as plataformas de maiores dimensões a ter medidas implementadas para combater questões como a desinformação ou proteger menores online. Já o DMA quer tornar os mercados digitais mais justos, promovendo a igualdade de oportunidades entre concorrentes e a transparência nas opções dos consumidores. Nesse sentido, as investigações que já foram abertas estão mais ligadas a questões de Concorrência — um dos casos mais badalados está ligado às lojas de aplicações.
As investigações em curso no âmbito do DSA
X é a primeira a receber as conclusões preliminares e a ser acusada de enganar com os “selos azuis”
Até agora, o antigo Twitter é a primeira plataforma a receber a conclusão preliminar de uma investigação devido às regras do DSA (no DMA já existem duas, uma à Apple e outra que visa a Meta). A 12 de julho, a Comissão Europeia revelou que considera que a rede social X não está a cumprir o DSA em áreas como a autenticidade das contas, transparência da publicidade e concessão de dados a investigadores.
Uma das maiores questões está ligada ao “selo azul” que popularizou o antigo Twitter e que era atribuído a contas verificadas. Com Musk ao leme isso foi alterado para, em troca de um pagamento, qualquer pessoa possa ter uma conta verificada.
Bruxelas considera que essa prática “não corresponde” ao que é feito habitualmente na indústria e, portanto, “engana os utilizadores”. “Uma vez que qualquer pessoa pode ter uma subscrição para ter um estatuto de ‘verificado’, isso afeta negativamente a capacidade dos utilizadores fazerem decisões livres e informadas sobre a autenticidade das contas e os conteúdos com que estão a interagir”. A Comissão Europeia nota também que “há provas de que agentes maliciosos estão a abusar do estatuto das contas verificadas para enganar os utilizadores”.
De acordo com a Comissão, também haverá falhas na transparência dos anúncios e no acesso de investigadores a dados.
Back in the day, #BlueChecks used to mean trustworthy sources of information✔️????
Now with X, our preliminary view is that:
❌They deceive users
❌They infrige #DSA
X has now the right of defence —but if our view is confirmed we will impose fines & require significant changes. pic.twitter.com/M9tGA5pYQr
— Thierry Breton (@ThierryBreton) July 12, 2024
TikTok tem duas investigações. Há dúvidas sobre a proteção de menores e transparência dos anúncios
A primeira investigação aberta pela Comissão Europeia à rede social detida pela ByteDance está ligada à suspeita de violação da obrigação de proteção de menores e da transparência.
A queixa formal chegou depois de uma investigação preliminar, para analisar se a TikTok poderá ter violado as regras na proteção de menores, transparência da publicidade, o acesso de investigadores aos dados ou na gestão do risco de ‘design’ viciante e de conteúdos nocivos. Com os vídeos que são reproduzidos de forma automática e seguida, o TikTok tem conseguido conquistar elevados tempos de utilização — dados da Statista revelam que, em 2023, os utilizadores passaram em média 34 horas no TikTok por mês. No Reino Unido a média era ainda mais elevada: 49 horas por mês.
Bruxelas abre processo à TikTok por suspeita de falhas na proteção de menores
A segunda investigação, que foi formalizada em abril, está ligada ao lançamento do TikTok Lite em França e em Espanha, um programa de tarefas e recompensas da rede social. Nesta versão, os utilizadores podiam ganhar pontos quando cumpriam algumas tarefas na aplicação, como ver determinados vídeos, deixar gostos, seguir utilizadores ou convidar pessoas para a aplicação.
Do ponto de vista de Bruxelas, esta ferramenta terá sido lançada nos dois mercados europeus “sem ter sido feita a avaliação necessária dos riscos (…) ligados aos efeitos viciantes das plataformas”. Na altura, foram levantadas dúvidas sobre se a empresa fez uma avaliação dos riscos, incluindo na saúde de menores, antes de implementar a ferramenta nos dois mercados.
Meta é alvo de duas investigações: uma por desinformação e outra devido à proteção de menores
A Meta acumula duas investigações ao abrigo do DSA. A primeira, aberta no fim de abril, está ligada a suspeitas de infrações às regras europeias no combate à desinformação e à transparência de anúncios políticos. Há dúvidas sobre a resposta da empresa “à disseminação de anúncios enganosos, campanhas de desinformação e comportamentos não autênticos coordenados”, mas também sobre a ausência de uma entidade externa à empresa que seja capaz de monitorizar o discurso cívico na plataforma.
Ainda nem tinha passado um mês do anúncio da primeira investigação quando Bruxelas voltou à carga: a 16 de maio formalizou a segunda investigação à Meta por suspeitas de infrações nas regras de proteção de menores no Facebook e Instagram.
A Comissão baseou-se na análise preliminar do relatório de riscos apresentado pela empresa, levantando preocupações de que “os sistemas do Facebook e Instagram, incluindo os seus algoritmos, possam estar a estimular comportamentos viciantes nas crianças”, com efeito na saúde mental e física dos mais novos. Também foram mencionadas dúvidas sobre a eficácia dos sistemas de verificação de idade (em teoria, as redes sociais só devem ser usadas por maiores de 13 anos).
AliExpress e as dúvidas sobre a mitigação de riscos
Desde março que a plataforma de comércio eletrónico AliExpress está a ser investigada pela Comissão. Com mais de 104 milhões de utilizadores ativos por mês na União Europeia, a empresa enquadra-se na lista de plataformas de muito grande dimensão no âmbito do DSA.
A 14 de março, Bruxelas decidiu abrir a investigação após analisar o relatório de mitigação de riscos apresentado pela AliExpress no ano passado. O executivo comunitário levanta preocupações sobre o cumprimento de regras para limitar o acesso a conteúdo ilegal no site de comércio — por exemplo, o acesso a medicamentos ou suplementos alimentares falsificados ou a exposição de menores a material pornográfico.
Também foram levantadas preocupações sobre a “ausência de medidas eficazes para prevenir manipulação intencional da plataforma”, referindo-se a “ligações escondidas”. Também o programa de afiliados do AliExpress, em que os influencers podem receber uma comissão quando os produtos que promovem online são comprados, está a ser analisada, já que a Comissão teme que estejam a ser promovidos artigos ilegais.
Comissão também pediu informações à Shein e à Temu
Não se sabe ainda se poderão evoluir ou não para o patamar de investigações, já que por agora são apenas pedidos de informação. Quase no fim de junho a Comissão Europeia fez chegar pedidos de informação à Shein e à Temu, duas das lojas chinesas online de maior crescimento nos últimos tempos.
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No âmbito do DSA, as duas plataformas vão ter de explicar à Comissão que mecanismos implementaram para estar em conformidade com a legislação europeia. Os pedidos visam apurar em particular o que foi feito para evitar “padrões de manipulação dos utilizadores” nas compras, para salvaguardar a proteção de menores ou ainda a transparência dos sistemas de recomendação de artigos. O prazo para as duas empresas responderem à Comissão terminou esta sexta-feira, 12 de julho.
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As investigações no âmbito do DMA
Bruxelas contesta as regras da loja de apps da Apple
São apenas ainda conclusões preliminares, mas a Comissão Europeia levanta problemas com a forma como a Apple gere a App Store. Em junho, fez um aviso à empresa por considerar que a está a impedir “os programadores de aplicações de encaminhar de forma livre os consumidores para canais alternativos”, o que permitiria escapar às elevadas taxas impostas pela tecnológica.
Também há o problema das comissões cobradas pela Apple pelas aplicações e subscrições que são vendidas através da loja: a Comissão considera que “vão além do que é estritamente necessário”. Nesse sentido, o executivo comunitário decidiu avançar para outra investigação à empresa, focada nas comissões.
Em geral, a Apple cobra 30% de comissão por transação, mas teve de criar alternativas para estar em conformidade com as regras europeias. Em janeiro, revelou uma estrutura com diferentes percentagens de comissão consoante a popularidade da aplicação, que entrou em vigor em março. Nesse sentido, estaria previsto o pagamento de uma taxa de 50 cêntimos por cada aplicação instalada, que penalizaria as aplicações com maior número de downloads.
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Meta acusada por serviço de subscrição no Facebook e Instagram
A Comissão Europeia considerou que a Meta está a violar a Lei dos Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês) com o modelo de subscrição imposto em novembro no Instagram e no Facebook, através do qual, a partir de 10 ou 13 euros por mês, os utilizadores europeus podem deixar de ver anúncios publicitários.
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Por enquanto, ainda são “conclusões preliminares”, mas Bruxelas acusa a tecnológica de não permitir “aos utilizadores optarem por um serviço que use menos dados pessoais, mas que seja equivalente àquele que é baseado em ‘anúncios personalizados’”.
Alphabet investigada devido às regras da loja de apps e à “autoproteção” de negócios
No mesmo dia em que abriu a investigação à Apple devido à App Store, a Comissão Europeia iniciou também uma análise às práticas da Alphabet, a dona da Google, no que toca à loja de aplicações Google Play.
O intuito da investigação passa por perceber se a empresa está “em total conformidade” com o DMA em questões como a possibilidade de ligações alternativas para “os promotores comunicarem e promoverem ofertas livremente e de celebrarem contratos [modelos de subscrição, por exemplo] diretamente, inclusive através da imposição de vários encargos”.
Também há dúvidas sobre se a Alphabet dá ou não preferência aos seus próprios serviços na questão da pesquisa, como o Google Shopping ou o Google Flights.
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O antigo Twitter age ou não como intermediário entre negócios e consumidores?
No âmbito do DMA, a Comissão Europeia abriu uma investigação de mercado à rede social de Elon Musk para perceber se a empresa age ou não como um intermediário entre negócios e os consumidores. O antigo Twitter não se considera um intermediário nesta relação, embora cumpra os critérios — operar uma plataforma com mais de 45 milhões de utilizadores ativos mensais localizados na União Europeia e mais de 10 mil utilizadores empresariais por ano registados em território europeu.
É esperado que esta investigação, iniciada em maio, esteja concluída dentro de cinco meses, ou seja, em outubro. Curiosamente, o X não é a única empresa a contestar os “rótulos” da Comissão Europeia: a ByteDance contestou em novembro o estatuto de gatekeeper, que obriga a regras mais apertas, pedindo que a decisão da Comissão fosse anulada. Na próxima semana, a 17 de julho, o Tribunal de Justiça da União Europeia divulgará o acórdão.
Amazon: ainda está em curso o processo de recolha de informação
A Comissão pediu à Amazon em março para apresentar mais alguma informação sobre um tema que até já levou a concessões no passado: a empresa dá ou não maior destaque aos seus próprios produtos?
Bruxelas aceita concessões da Amazon. Empresa vai mudar procedimentos na Europa
“A Amazon pode estar a dar preferência aos seus próprios produtos na Amazon Store”, referiu a Comissão Europeia em março. A empresa liderada por Andy Jassy tem uma extensa linha de produtos próprios, como os leitores de ebook Kindle ou as colunas inteligentes Echo, mais conhecidas pela assistente digital Alexa.