Enviado especial do Observador em Paris, França

É uma daquelas histórias que ficam e perduram na história em termos internos, é daquelas histórias que não é propriamente muito conhecida. A certa altura da final do ciclismo em Atenas-2004, Sérgio Paulinho viu ali a oportunidade de uma vida, surpreendeu o pelotão que se andava a marcar uns aos outros entre as grandes potências e partiu para a medalha de prata, perdendo apenas para o italiano Paolo Bettini mas ganhando ao também fugitivo Axel Merckx (esse mesmo, o filho do mítico Eddy Merckx). Grande festa entre a delegação portuguesa, um problema por resolver: como havia várias provas com portugueses, várias pessoas da Missão foram quase a correr para o final do percurso citadino na capital helénica. Daí para cá, as provas de ciclismo passaram a ser vistas de uma outra forma. Em 2024, claro, também não foi exceção.

Houve um momento em que as provas nos Jogos, não só em linha (que se realiza no sábado) mas também no contrarrelógio, estavam mais abertas. Agora, voltaram a fechar. Não que o ciclismo tenha perdido qualidade, pelo contrário, mas porque há extraterrestres que vão ficando à frente de quem continua a fazer tudo bem. Nelson Oliveira é um bom exemplo disso, sendo que a ascensão desses novos valores não retirou qualidade e fiabilidade ao português. Podia chegar às medalhas? Era quase impossível. Podia ficar com o diploma? Sim, esse objetivo era concretizável. Qual pêndulo de equilíbrio, voltou a não falhar com o sétimo lugar.

Um pouco à semelhança do que acontecera na véspera mas agora em competição, a chuva foi tudo menos uma boa conselheira. Rui Costa foi um desses casos, sendo notório que não queria arriscar em nada com uma queda que colocasse em causa a prova em linha. No final colocado na ponte Alexandre III, já depois da prova de contrarrelógio feminino, houve um pouco de tudo: desilusão, alegria, lágrimas de tristeza, explosões de felicidade mesmo que sem pódio. Depois da prata na prova em linha de Tóquio-2020, Wout van Aert ficou com o bronze no contrarrelógio, Filippo Ganna marcou uma posição com a prata e Remco Evenepoel mostrou que é o melhor corredor da atualidade em time trial a par com o ausente Tadej Pogacar.

De Nelson Oliveira, uma estratégia diferente deu o resultado do “costume”: preferindo não forçar o ritmo até ao primeiro ponto intermédio, algo que acabou por ser fatídico para alguns corredores, o português teve só o 16.º melhor registo nessa parte do percurso, subiu para 11.º mais rápido aos 22 quilómetros e fechou a igualar o seu melhor resultado de sempre nos Jogos, no Rio-2016, a pouco mais de um minuto das medalhas. Depois dos seis top 10 alcançados no contrarrelógio dos Mundiais na última década, chegou o segundo diploma olímpico para o corredor de 35 anos da Movistar numa prova em que Rui Costa foi 25.º.

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“Foi um início bastante complicado mas felizmente acabou bem. Sabíamos que ia ser importante hoje não correr demasiados riscos,  podíamos perder tudo, e felizmente cheguei à meta são e salvo conseguindo levar para casa um diploma olímpico. Sabia que as medalhas seria algo muito complicado mas também não era algo impossível. O diploma estava ao meu alcance e quero agradecer a todos os que sempre me apoiaram. Se correspondeu às expetativas? Bom, o sonho é sempre uma medalha mas temos de ser realistas, de pensar que há outros melhores. O objetivo era igualar sobretudo o que fiz no Rio-2016, porque em Tóquio-2020 as coisas acabaram por não correr tão bem, e estou contente e agradecido por isso”, apontou na zona mista.

“O meu objetivo era não me preocupar muito do que fazia até ao primeiro ponto intermédio porque sabia que muitos atletas podiam quebrar. Tinha de gerir forças porque eram 33 quilómetros, o tempo não estava a ajudar e sabia que a parte final era bastante importante. Geri bem o meu esforço, cheguei à meta esgotado, não tinha mais para dar mas a conseguir gerir bem o esforço. Segredo da longevidade? Ser resiliente, estar sempre a trabalhar para manter o mesmo nível… Os anos vão passando, nós continuamos aqui e isso é um bom sinal. Também sei que tenho um grande apoio por trás, família, equipa e amigos, e ajuda para poder trabalhar todos os dias da melhor forma. Se podia ter sido melhor sem chuva? Sim, podia arriscar mais mas os outros também… A forma de correr ia ser sempre a mesma mas o resultado era o mesmo…”, frisou.

“Fiquei feliz e haverá tempo depois da prova em linha para celebrar, chegar a casa e estar junto da família porque já estou há quase cinco semanas fora de casa, longe da família. Por isso, é chegar agora bem à prova para representar Portugal e depois sim. Se dá para jogar em equipa no sábado? Sim, vai dar. Vai dar porque somos apenas 90 ciclistas, há seleções com maior número de ciclistas mas, como já falámos antes, posso tentar ajudar o Rui [Costa] na prova. Até taticamente vai ser uma prova difícil de gerir porque são 270 quilómetros, quem tem mais vai tentar colocar alguém na fuga e teremos de gerir bem isso sendo apenas dois. Vai ter de ser algo no momento, na corrida, e não há ninguém melhor do que o Rui Costa para jogar em equipa neste tipo de corrida. Vamos tentar fazer isso da melhor forma”, concluiu Nelson Oliveira.