Enviado especial do Observador em Paris, França

O ambiente da La Défense Arena, a profundidade (ou falta dela) da piscina que pode depois condicionar a obtenção de recordes mundiais apesar de algumas novas marcas olímpicas que foram obtidas em Paris por Léon Marchand e Mollie O’Callaghan, a confirmação de que Itália é cada vez mais uma potência em tudo o que entre. Até agora, apesar da entrada na qualificação de João Costa nos 100 costas, a natação nos Jogos tem sido vista e falada à luz dos outros. A partir desta terça-feira, passava também a ser vista e falada à luz dos próprios. Era o dia 1 de Diogo Ribeiro na piscina, que podia coincidir num de três cenários: o dia em que um português voltava a uma final, o dia em que um português ficava perto do diploma na modalidade ou o dia em que simplesmente fazia a sua estreia olímpica. Uma dessas hipóteses estava sempre garantida.

Tudo era diferente ao normal. E tudo começava pelo próprio nome. Ao contrário do que é normal noutras edições dos Jogos Olímpicos, não eram apenas os especialistas mais especialistas que conheciam o nome do atleta que estava a representar Portugal. Um exemplo? Quando o Observador falou há cerca de um mês com a antiga campeã olímpica dos 50 e 100 livres, Ranomi Kromowidjojo, num evento que aconteceu também aqui em Paris, a neerlandesa não só sabia quem era Diogo Ribeiro como conhecia o seu trajeto e potencial até para fazer mais no futuro. No entanto, deixava alertas. A importância da experiência neste tipo de provas, a necessidade de nunca perder o foco naquilo que faz, o trabalho realizado após os Mundiais.

Recuando a Tóquio, a natação nacional escreveu história nas piscinas nipónicas com a primeira presença de sempre de uma atleta feminina numa meia-final dos Jogos, neste caso com Ana Catarina Monteiro a acabar os 200 mariposa no 11.º lugar. Agora, até por todos os resultados obtidos em Mundiais e Europeus, havia essa esperança de um novo salto. Há resultados que, não deixando de ser medalhas e finais, têm também de ser colocados em contexto, tendo em conta a altura em que se realizam, quem está presente e em que fase da temporada surgem. No entanto, e no caso de Diogo Ribeiro, os meses foram passando como um teste de algodão que não enganava, não só pelos resultados mas pelas marcas. Aqui estava a chave de tudo.

Ponto prévio: a variante onde o português de 19 anos tem dado mais cartas desde o “boom” nos Europeus de 2020 não está presente no quadro dos Jogos, os 50 mariposa. Nos 100 mariposa, que também ganhou agora no último Mundial em Doha, bateu o recorde pessoal e nacional para 51,17, o que daria entrada na final de Tóquio-2020 com o sétimo melhor registo. Para já, a estreia era nos 100 livres, onde terminou sem acesso à decisão no 11.º lugar com 48,44. Era esta a primeira referência a ter em conta nos Jogos, para o próprio e em termos globais, a que se juntava o recorde nacional conseguido em março deste ano na Madeira, quando ganhou o Open da Madeira com 47,98. E para se ter noção das realidades que estavam em causa, a prova de Tóquio-2020 ganha por Caeleb Dressel teve o “corte” dos 16 atletas para as meias feito nos 48,44.

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A espera numa La Défense Arena mais uma vez cheia e com um ambiente espectacular mesmo tratando-se apenas de uma manhã de qualificações (em Tóquio foi ao contrário pela diferença horária para os EUA, com meias e finais de manhã e apuramentos ao final da tarde) ainda foi longa, com Diogo Ribeiro marcado para entrar apenas na nona de dez séries de qualificação para as meias-finais. Com o campeão olímpico em título de fora – Dressel vai fazer apenas 50 livres e 100 mariposa, além da estafeta que já ganhou – e apenas um elemento medalhado de regresso (Kyle Chalmers, Kliment Kolesnikov também não está), os franceses iam apostando as fichas todas em mais uma surpresa, desta vez de Maxime Grosset. Apesar de ser apenas um apuramento, existia muita vontade de marcar posição para aquilo que aconteceria depois à tarde.

20 minutos antes do início da sessão, treinos. Muitos treinos. Enquanto as bancadas se compunham, com a que está reservada às comitivas que estão em Paris a ser aquela que estava mais despida, dezenas de atletas iam fazendo o aquecimento para as provas que se seguiam, cruzando entre eles na mesma pista como se andassem com um GPS interno que faz com que estejam sempre na mesma linha. Estava a chegar a hora da habitual apresentação, com luzes apagadas e imagens refletidas na piscina enquanto lá dentro uma pessoa de fato e botija ia confirmando que estava tudo bem com as câmaras que captam imagens dentro de água. Um compasso de espera, a habitual “Freed from Desire” nos altifalantes, chegava a hora das provas.

O início teve quatro rondas dos 200 mariposa, inevitavelmente marcados com a presença em prova de Léon Marchand, o grande herói da natação francesa que ganhou o ouro nos 400 estilos batendo a melhor marca olímpica que ainda pertencia a Michael Phelps. Nenhum dos principais candidatos forçou o andamento, de Marchand a Kristof Milak passando Alberto Razzetti ou Noe Ponti. Prova feita, saída da piscina, passagem por uma mesa que tem as acreditações para circular em todas as áreas, paragem rápida na zona de flash interview, balneários. No fundo, para os melhores acaba por ser um treino. Já para aqueles que chegam com as piores marcas, há uma competição dentro da competição e viu-se isso logo a abrir os 100 livres, com Josh Tarere, da Papua Nova Guiné, a ser o mais rápido do heat 1 à frente dos representantes nacionais de países como Myanmar, Butão, Mali, Vanuatu, Camarões e Comores. Diogo Ribeiro estava quase a chegar.

Como destacava e bem um companheiro brasileiro ao nosso lado, apesar de serem marcas mais modestas não deixavam de ter grande significado. Por exemplo, só na primeira série houve quatro atletas a baterem recorde pessoal e/ou nacional. A natação é muitas vezes avaliada pelas finais e medalhas que se conquistam ou não mas funciona sobretudo como um desafio a superar sempre aquele que era o melhor registo – mesmo que existam outros melhores. Era dentro dessa perspetiva que o português entrava em competição, sabendo que as duas rondas anteriores tinham colocado a fasquia ainda mais complicada do que é normal com tempos um pouco abaixo da natural evolução de registos que costuma existir entre ciclos olímpicos.

Na pista 7, entrou tranquilo. Como são as eliminatórias os nadadores não são chamados um a um como é normal por exemplo nas finais, mas Diogo Ribeiro fez sossegado o seu caminho até sentar-se, tirar os ténis e as meias, colocar a mão na água para se molhar e esticar os braços antes do apito para subir para a saída. A saída foi das melhores, os primeiros 25 metros ainda mais: o português fez a viragem na segunda posição com 22,96, só atrás do italiano Leonardo Deplano e à frente da concorrência. Depois, tudo mudou. Foi quase como se a seguir ao impulso na parede para os 25 metros finais algo começasse a prender o atleta nacional. Todos andavam para a frente, Diogo foi perdendo ritmo e não foi além da sétima posição na série ganha pelo romeno David Popovici com 48,88, muito longe daquilo que é capaz de fazer. Com um registo mais próximo do recorde nacional, com o “corte” feito nos 48,41, até podia dar. Assim, era impossível.

Em termos globais, o português ficou com o 28.º registo naquela que era a estreia em Jogos Olímpicos, longe dos apurados para as meias que se realizam ao final do dia e que contam com os principais favoritos ao pódio como Jack Alexy, David Popovici, Maxime Grousset, Jordan Crooks, Kyle Chalmers ou Nandor Nemeth. No entanto, nada que tenha abalado sequer aquilo que é o pensamento e as prioridades do nadador.

“Paguei o preço daquela entrada nas pernas mas estou tranquilo, não é nada preocupante para o resto das provas. Isto são os Jogos Olímpicos, aqui a sensação é completamente diferente. Por acaso até estava mais tranquilo do que estava no Mundial mas nem sempre corre bem, temos de estar conscientes. Mas continuo tranquilo e confiante para o que falta. Eu dou sempre o meu máximo, dei o meu máximo. Acabei por pagar a fatura na volta por causa da entrada mas foi só a primeira prova, também importante para começar a perceber aquelas que são as sensações do meu corpo”, explicou o português na zona mista, com uma postura corporal que de facto confirmava essa tranquilidade que ia apregoando nas suas palavras.

“Já não me rapava desde o Mundial, a sensação é completamente diferente, estou mais em cima de água e nadei como se não tivesse rapado, a puxar para cima em vez de estar a puxar para a frente. Depois custou-se nos últimos 15 metros. A grande aposta claro que está nos 100 mariposa, os 50 livres vai ser só mais uma prova para perceber a minha velocidade neste momento. Já sabia que podia ser assim. As últimas provas que fiz de preparação, nos últimos 15 ou 25 metros doía sempre um bocadinho mais mas também porque não estava na minha melhor forma e porque não estava rapado. Agora, tal como aconteceu na Madeira quando fiz o mínimo de 47,9, pensei que ia estar mais tranquilo mas se calhar falhei naquele pormenor de não puxar para a frente e puxar para cima”, acrescentou ainda o nadador do Benfica.