Enviado especial do Observador em Paris, França

Com o devido respeito do próprio, Gabriel Albuquerque é daqueles rapazes para quem se olha, fala numa zona mista e se percebe que é um gajo porreiro. Tem aquela vantagem dos 18 anos, de saber que é muito bom no que faz, de ser espontâneo em tudo o que diz e sente. Nele conseguimos encontrar a pureza de quem faz a estreia nos Jogos Olímpicos tão novo e consegue dar uma demonstração de tal forma grande que sai de Paris com o melhor resultado alguma vez conseguido por um português na ginástica, neste caso nos trampolins. E com outra curiosidade: após terminar a série da final, abraçou Nuno Merino (agora técnico dos EUA), até agora melhor atleta nacional e único a chegar a uma decisão da prova nos Jogos. Nesse momento, trocaram algumas palavras. Mas o quê? “Quando saí do trampolim dei-lhe um abraço e disse ‘Já foste’…”.

Se antes tinha sido visível a forma como comemorou o resultado da primeira série da qualificação como se soubesse que a questão de chegar à final fosse um assunto arrumado (que era), de punho fechado e a soltar aquele espontâneo “Vamos car****” que vem de dentro em sinal de que as coisas correram como deviam, a cara que fez após completar o exercício decisivo não dava grande margem para dúvidas em relação à nota que se seguiria e que lhe permitira terminar a decisão na quinta posição. É isso também que diferencia o atleta há alguns anos radicado em Loulé – sabe aceitar o resultado histórico para si e para a ginástica nacional mas admite que queria ainda algo mais, sabendo até ao certo o momento em que teve de jogar pelo seguro e não arriscar aquilo que o poderia levar mais alto numa decisão tomada no ar em menos de um segundo.

Tudo isso foi tema depois da prova na zona mista da Arena de Bercy. Depois dos abraços a Merino e ao seu treinador de sempre, João Pedro Monteiro (com quem mostrou toda a cumplicidade até enquanto estavam à espera da nota da segunda série de qualificação que não chegou ao fim, rindo um com o outro no banco onde estavam sentados a aguardar esse momento), agarrou na toalha, cumprimento adversários e técnicos e ia andando de um lado para o outro, irrequieto como sempre. Já com a ficha “a cair”, revelou toda a sua essência com respostas sempre bem dispostas de alguém que saltou alto mas sabe que pode ir mais além.

“É uma sensação incrível apesar de saber que sou ainda melhor do que isto mas é bom saber que já agarro num recorde a sair da minha primeira prova olímpica… É incrível… É difícil lidar com todas as emoções à flor da pele, às vezes um gajo deixa-se levar e é difícil fazer a série bem executada. Não foi o caso, acho que lidei muito bem com as minhas emoções mas estes três merecem… Tempo de espera? Foi bastante difícil mas já me preparo no treino para isso, fui-me habituando a fazer esse tempo de espera. Durante a preparação para os Jogos ia fazendo uma passagem e depois esperava um tempo certo para depois voltar a saltar porque faz toda a diferença uma pessoa estar quente e fazer duas passagens de seguida”, começou por referir.

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“Era suposto fazer na final uma série mais complicada mas ali no quarto salto senti-me à rasca. Era para fazer uma coisa mais difícil e ir atrás de uma medalha. Não consegui, tive de agarrar-me à série mais simples para acabar a série porque se não fosse assim não ia dar. Foi uma decisão tomada naqueles milésimos de segundo em que estava no ar. Sabia que o Ivan era capaz de fazer aquela nota, está muito consistente nestas notas altas. Por agora não conseguia superar a nota dele mas daqui a uns aninhos, vamos continuando a trabalhar e ninguém sabe o que vai acontecer nos próximos. Se sabe a pouco? Sabe um pouco. Sou uma pessoa muito ambiciosa, gosto de sonhar e sabe-me a pouco mas sinto-me meio satisfeito. Nervoso na final? Sim, claro, sou muito irrequieto, não consigo estar parado. Estava nervoso, era a minha primeira final olímpica e tinha de estar ali para a frente, para trás, para o lado… Não conseguia estar parado”, confessou.

“O que aprendi? Aprendi a desfrutar, acho que isso é o mais importante. Andei aí numas fases em que não estava a desfrutar dos momentos em que estava no trampolim e agora não podia desfrutar mais. O que estava a ouvir sempre? Rap! Rap mas mesmo daquele underground, que é bué agressivo. Sim, também faço umas coisas de rap mas vou começar a ver se faço mais coisas e vou levar mais coisas… Até conto aqui uma coisa: nos autocarros para os treinos aqui e lá estava sempre a escrever letras. Um álbum? De certeza, com um amigo meu. Quando podem ouvir? Não, não, não, isso não porque sou envergonhado…”, referiu depois, a propósito do facto de ter estado sempre a ouvir música antes de entrar em ação. “Pode ser depois de uma medalha, está prometido. Mas obviamente que estou a brincar, vai ficar tudo para mim, não vou lançar nada…”, atirou logo de seguida, mostrando-se cada vez mais descontraído provavelmente no momento em que teve mais jornalistas consigo. Foi isso também que ajudou a que revelasse toda a ambição.

“Todo este processo com a mudança para Loulé tem altos e baixos mas o trajeto tem sido incrível, tudo o que tenho feito. Não mudava nada do que fiz e valeu a pena. Adoro aquela cidade, quero continuar lá. Se um dia vou chegar ao nível dos que ganharam as medalhas? Posso parecer convencido, não estou a ser de todo, sei as minhas capacidades e sei que estou ao nível daqueles gajos. Eles neste momento foram melhores do que eu…”, voltou a apontar num discurso de quem acredita mesmo que este quinto lugar nos Jogos, que se junta ao quarto lugar que tinha conquistado no último Mundial em Birmingham, é apenas o início.

“Não consigo imaginar a minha vida sem isto, não… Provavelmente estaria a trabalhar no Mac ou assim… Não sei, não sei mas estou a gozar… Já vou ser cancelado, já vou ser cancelado… Estou a brincar… Ia ser rapper, se não fosse assim. E sim, aí não havia problema de dar a ouvir a minha voz. Já tinha uma coisa para fazer. Apoio dos portugueses? Sim, conseguia ouvir. Mesmo com estes phones, que têm cancelamento de ruído, conseguia ouvir tudo. É incrível, fogo… Este pavilhão cheio de malta… Nunca tinha tido tantas pessoas a verem-me ao mesmo tempo e foi de outro mundo, a primeira vez que aconteceu foi provavelmente em Birmingham no Campeonato do Mundo mas nada comparado a isto”, destacou.

“São Jogos importante para a ginástica portuguesa, claro. Já agora, muitos parabéns à Filipa [Martins], é um feito enorme, um feito histórico. O que vou fazer agora? Agora vou desfrutar, fogo… Já passei por um processo muito doloroso, agora só quero estar na minha, tranquilo. Nem sei o que vou fazer, é mesmo o que me passar pela cabeça. Primeiro vou ver a minha mãe e as pessoas que me apoiaram aqui e depois não sei mesmo. Não é bem uma estreia de sonho mas estou satisfeito. Ter aqui o João [Pedro Monteiro] é especial. É uma das coisas que faz o momento muito mais especial porque é uma pessoa que me acompanhou desde que tenho quatro ou cinco anos e é especial estar com ele ao lado logo nos Jogos Olímpicos, que é a principal prova dos trampolins, e não podia escolher melhor pessoa para estar ao meu lado”, concluiu.