Enviado especial do Observador em Paris, França

Fazer os Jogos Olímpicos torna-se muitas vezes um teste de escolha múltipla. Há inúmeros eventos que estão a decorrer ao mesmo tempo, o manancial de histórias multiplica-se por todos os recintos, ainda existe aquela hipótese de encontrar algo diferente só por estar. É uma cabeça, duas mãos para escrever, umas costas cada vez tortas com o peso da mochila, duas pernas para fazer provas da modalidade andar rápido de um lado para o outro e uma constante procura para acertar o melhor ângulo, o melhor protagonista ou o melhor enredo desse momento do dia. Era por isso que, às 19h, Armand Duplantis não estava nas prioridades. Era por isso que, depois das 21h, Armand Duplantis ainda estava nas prioridades. Foi por isso que, quando tudo tinha acabado mas quase 80.000 continuavam no estádio, Armand Duplantis passou a ser prioridade.

A final do salto com vara tornou-se desde cedo num processo monótono e até algo enfadonho tendo em vista um primeiro lugar que à partida já estava resolvido – aliás, o próprio Mondo também não ser propriamente o atleta mais motivado nessa fase. Abdicou da primeira tentativa a 5,50 para passar com enorme facilidade os 5,70 na primeira tentativa. Abdicou também dos 5,80 para passar de novo sem problemas ao primeiro ensaio os 5,90. Quase para cumprir calendário, fez 5,95 e 6,00 sempre à primeira. Aí estava o problema.

Quando cumpria as suas tentativas, Duplantis tinha depois imenso tempo livre em que às vezes parecia não ter mesmo o que fazer. Sentava-se, vestia as calças de fato de treino, ia dando uma olhadela ao que os outros iam fazendo, falava muito com outros adversários que na verdade são mais admiradores do que outra coisa, agarrava num rolo para se deitar no chão e fazer alguns exercícios. Depois ia outra vez ao banco, fazia a preparação, saltava, ia até à bancada onde estava o treinador, voltava ao banco. Com o norte-americano Sam Kendricks a fazer um novo máximo do ano a 5,95 que não passou daí e o grego Emmanouil Karalis a ficar nos 5,90, a revalidação do ouro estava garantida com apenas quatro saltos e um ritmo de treino.

Depois, entrou em ação o animal competitivo da Suécia. O grande objetivo de qualquer um estava alcançado mas o grande objetivo de Mondo estava ainda por cumprir e isso, como sempre, passava por conseguir algo mais a juntar à medalha e ao diploma. Primeira meta? Bater o recorde olímpico que ainda pertencia ao brasileiro Thiago Braz a 6,03. Como era uma marca até acessível, Duplantis optou por colocar logo a fasquia a 6,10. Nova tentativa passada à primeira, primeiro registo garantido e a dúvida se ainda haveria algo mais.

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Entre as finais dos 5.000 e dos 800 metros femininos, foi-se percebendo que a noite não tinha acabado para Armand Duplantis, que saltou para os 6,25 para arriscar logo um novo recorde mundial. Ainda houve a cerimónia de medalhas dos 100 masculinos, com Noah Lyles a receber o seu tão desejado ouro, mas quase todas as pessoas preferiram permanecer no Stade de France mesmo sabendo o quanto ganhariam a nível de evitar a confusão se saíssem nessa fase. Primeira tentativa, caiu. Segunda tentativa, caiu. Terceira e última tentativa num momento que seria mesmo o último de mais um dia no atletismo, feito. Começava a festa.

O amigo Sam Kendricks estava tão nervoso e depois feliz como Duplantis, Duplantis mostrou finalmente que era a pessoa mais feliz do mundo. Correu para as bancadas para ir abraçar família, namorada, treinadores e demais pessoas próximas que estavam numa zona do recinto mais próxima do local onde se realizam as finais da cara, andou depois a correr com a bandeira da Suécia a par dos outros medalhados, ouviu ABBA porque estava a ter “the time of his life”, foi tocar o sino que assinala uma vitória no atletismo. O público, esse, ainda saltava e aplaudia depois de um grito de explosão após a terceira tentativa que mais parecia um triunfo de um atleta da casa. Para eles, foi um dia em cheio e para a história; para Mondo, mais um dia no escritório.