Os Jogos Olímpicos são um palco de histórias. De todo o tipo de histórias. Geralmente com grandes protagonistas promovidos a heróis por aqueles que ficam a conhecer a sua trajetória. Contudo, na última semana, não foi isso que aconteceu com Imane Khelif. O nome da pugilista promete ficar na história da competição que decorre em Paris, mais pelo que tem acontecido fora dos ringues do que pela prestação desportiva da argelina.

O nome de Imane saltou para a ribalta logo depois do seu primeiro combate em Paris. Frente à italiana Angela Carini, a argelina venceu em apenas 46 segundos, por desistência da rival. Khelif foi acusada de ser uma atleta transgénero e até mesmo um homem. A polémica estalou depois de, no ano passado, a pugilista ter sido expulsa dos Mundiais da modalidade por ter chumbado nos critérios de elegibilidade, três dias depois de ter eliminado a russa Azalia Amineva, que se encontrava invicta até então.

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Quem organizou os Mundiais foi a Associação Internacional de Boxe (IBA) que, em rota de colisão com o Comité Olímpico Internacional (COI) desde 2019, não concorda com a participação de Imane nos Jogos Olímpicos, que foi autorizada pelo COI enquanto organizador. A IBA argumentou, então, que o teste de elegibilidade que tinha levado à expulsão da pugilista dos mundiais não era um teste de testosterona, mas antes um teste “separado e reconhecido”, que nunca foi especificado. Ao coro juntaram-se nomes como Donald Trump, Elon Musk e J.K. Rowling contra a participação da argelina, num movimento de desinformação que começou nas redes sociais.

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Com tanto barulho, até o pai da pugilista veio a público defendê-la. Em entrevista à AFP, citada pela Marca, Omar Khelif declarou: “A minha filha é uma menina, foi criada como uma menina. É uma menina forte e corajosa. Foi ensinada a ter uma grande vontade no trabalho e na sua formação. Imane é um exemplo da mulher argelina. É uma das heroínas da Argélia”, sublinhou.

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Também Abdelmadjid Tebboune, Presidente da Argélia, expressou o seu apoio à atleta, independentemente da cor da medalha conquistada no final da competição. “Parabéns pelo apuramento Imane Khelif. Você homenageou a Argélia, as mulheres argelinas e o boxe argelino. Estaremos com você sejam quais forem os resultados”, escreveu na rede social X (antigo Twitter).

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Thomas Bach, presidente do COI, considera que o caso de Imane é um “discurso de ódio” e de “guerras culturais”.

“Eu sou uma mulher”, tinha desabafado Imane Khelif no combate que lhe deu acesso ao combate desta terça-feira e uma acesso às medalhas. E mais tarde, em entrevista à SNTV, citada pela AP, garantiu que os últimos acontecimentos “prejudicam a dignidade humana” e apelou ao fim do bullying contra atletas. “Envio uma mensagem a todas as pessoas do mundo para defenderem os princípios olímpicos e a carta olímpica, para se absterem de intimidar todos os atletas, porque isso tem efeitos, efeitos enormes. Isso pode destruir pessoas, pode matar os pensamentos, o espírito e a mente das pessoas. Isso pode dividir as pessoas. E por causa disso, peço-lhes que evitem o bullying”, afirmou, em árabe.

Na entrevista, Khelif não respondeu se tem realizado mais exames além dos habituais testes antidoping e agradeceu ao COI o apoio prestado: “Sei que o Comité Olímpico fez justiça e estou feliz com esta solução porque mostra a verdade”. A argelina expressou ainda que não segue redes sociais, por aconselhamento de “uma equipa de saúde mental”. “Estou aqui para competir e conseguir um bom resultado”, garantiu.

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E está a ter sucesso. Depois de dois combates e com a medalha assegurada, Imane Khelif voltou a entrar em cena esta terça-feira, nas meias-finais da categoria de -66kg. Pela frente estava a tailandesa Janjaem Suwannapheng, num combate que tinha muito em jogo e era visto como uma espécie de vingança. Recuando no tempo, no Mundial de 2023, realizado na Índia, a tailandesa foi eliminada por Khelif nas meias-finais, mas conseguiu chegar à final depois de a argelina ter sido desqualificada. Contudo, perdeu com a chinesa Liu Yang e ficou com o estatuto de vice-campeã mundial.

No mítico Estádio Roland Garros, palco dos derradeiros combates do boxe, Khelif voltou a centrar grande parte das atenções, contando com muitas bandeiras da Argélia nas bancadas. Na primeira ronda, a argelina e a tailandesa equilibraram o combate, embora Khelif tenha conquistado uma ligeira vantagem (9-10). Na ronda seguinte registou-se a mesma tendência (9-10) e, na terceira e última ronda, Imane Khelif confirmou a vitória e a passagem à final (27-30). O derradeiro combate está marcado para as 21h51 de sexta-feira.