Morreu o ator francês Alain Delon. A notícia da morte, aos 88 anos, foi confirmada este domingo à agência France Press pelos três filhos, com quem a lenda do cinema, estrela de A Piscina ou O Leopardo, mantinha acesa disputa sobre a sua saúde, e foi avançada pelos jornais franceses. Debilitado na sequência de um AVC, Delon pedira já há alguns anos a ajuda a um dos filhos para ser eutanasiado.
“Alain Fabien, Anouchka, Anthony, assim como (o seu cão) Loubo, têm a imensa tristeza de anunciar a partida do seu pai. Faleceu pacificamente na sua casa em Douchy, rodeado pelos seus três filhos e pela sua família. (…) A família pede gentilmente que respeitem a sua privacidade neste momento de luto extremamente doloroso”, diz o comunicado, citado pela AFP. Em dezembro de 2023, um dos filhos partilhava no seu Instagram uma imagem em família, com o ator já em estado bastante fragilizado. Segundo a France 24, que indica a causa oficial do óbito, o ator terá sofrido uma paragem cardíaca.
Na hora da morte, a Paris Match recorda o “Samurai” do cinema gaulês, o astro que dividiu até ao fim dos seus dias, apanhando boleia do filme de Jean-Pierre Melville, de 1967, — tanto foi considerado o homem mais sexy do século XX como possuiria um ego inflamado (referindo-se a si próprio na terceira pessoa e sendo acusado de comportamentos machistas e chauvinistas, para não falar das acusações de violência doméstica por parte dos filhos). Não por acaso, quando celebrou o seu 80.º aniversário, a amiga de longa data Brigitte Bardot, outro ícone dos anos 60, chamou-lhe “uma águia de duas cabeças, a melhor e a pior”.
Da mãe, Edith, à filha, Anoushka, de Nathalie, a primeira mulher, a Mireille Darc, e ainda Rosalie van Breemen, as mulheres valem outro capítulo na extensa biografia.Sem esquecer, claro, Romy Schneider, seu “grande amor”, com quem contracenou em A Piscina, de Jacques Deray, e com quem manteve uma tempestuosa relação — e que foi encontrada morta em sua casa aos 43 anos, menos de um ano depois da morte do seu filho em estranhas circunstâncias.
Acredita-se também que Delon era o pai de Ari Boulogne, filho da modelo e cantora alemã Nico, embora nunca tenha reconhecido publicamente a paternidade.
No grande ecrã, e apesar de nunca ter feito a transição para os EUA, a presença e estilo enigmático alimentaram uma lenda que foi lançada ainda em 1959, quando começou a interpretar papéis de assassino, um registo misterioso e cerebral que faria escola. Basta pensar em Plein Soleil, de René Clément, e na forma como foi reciclado para O Talentoso Sr. Ripley, e que entretanto voltou a ter nova encarnação nas plataformas de streaming. O ator francês, que foi uma estrela sobretudo nos anos 60 e 70 do século passado, gostava de morrer nos filmes. “Vêem-me morrer porque eu sei morrer. Um herói deve saber morrer. Adorava morrer porque é um ponto final”, disse em tempos numa entrevista ao jornal Le Monde.
Dos mestres Visconti a Antonioni, Delon figura ainda em títulos para a posteridade como Rocco e os seus irmãos, ao lado de Annie Girardot e Renato Salvatori; ou O Eclipse, com Monica Vitti.
Abandonou em definitivo os filmes por volta de 2000 e nos últimos anos a feição polarizadora acentuou-se dentro de portas. Foi público o apoio de Delon à Frente Nacional (entretanto rebatizada), de cujo fundador, Jean-Marie Le Pen, era amigo.
Depois do derrame debilitante sofrido em junho de 2019, Alain refugiou-se na sua propriedade na região central de Loiret, na França, de onde raramente saiu, encetando-se uma disputa por parte dos três filhos pelo controlo e gestão dos seu património. É aqui, onde há muito planeava ser sepultado, não muito longe dos seus cães, que deverá repousar agora, depois de uma campanha em que defendia o direito a recorrer à eutanásia.
Nascido em 8 de novembro de 1935, em Sceaux, Alain Fabien Maurice Marcel Delon passou boa parte da infância em casas de acolhimento, onde a mãe o colocava, e ainda adolescente, no papel de soldado que lutou para manter a Indochina francesa, acabou por ser dispensado por roubo. De regresso a Paris, percorre os circuitos de Saint-Germain e faz amizade com o ator e realizador Jean-Claude Brialy, que o convenceu a ir a Cannes para a edição de 1957 do Festival. É na riviera, recorda o Le Monde, que Delon é descoberto por Henry Willson, um agente de Hollywood especializado em galãs (como Rock Hudson ou Tab Hunter), que o enviou para Roma. Alain passou no teste frente a David O. Selznick, que lhe ofereceu um contrato de sete anos, com a condição de que aprendesse inglês. Em simultâneo, diz sim à oferta de Yves Allégret, que lhe ofereceu um papel em Quand la femme s’en mêle (1957).
Tout Alain #Delon est dans ses réponses au fameux questionnaire de Bernard Pivot. Un monstre sacré s'en est allé. pic.twitter.com/OIDlHIu6vf
— Dominique Schelcher (@schelcher) August 18, 2024
Sempre entre o céu e o inferno, o ator de outrora rosto angelical, personificação da beleza perdida da época dourada da sétima arte, chegou a estar preso, em 1968, depois de o seu guarda-costas ter sido encontrado com uma bala no pescoço, naquele que ficou conhecido como affaire Markovic.
Na hora da morte, o L’Equipe recorda ainda a paixão pelo desporto do ator, sobretudo o ciclismo, o automobilismo e o boxe. Em 1973, chegou mesmo a financiar e organizar o combate que opôs Jean-Claude Bouttier ao argentino Carlos Monzon, que o havia vencido antes. “Se eu tivesse ficado como talhante, nunca teria tido tantos problemas”, chegou a desabafar ao Le Monde, jornal ao qual telefonava regularmente, quase como um ritual, para desfiar memórias de outros tempos, como a profissão que chegou a manter depois da guerra e antes de trilhar o cinema.
Em termos de palmarés, Delon ganhou um César de Melhor Ator em 1985 por A Nossa História, de Bertrand Blier, o Urso de Honra no Festival de Cinema de Berlim em 1995 e o Prémio do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Em maio de 2019, recebeu a Palma de Ouro honorária em Cannes.