Eles estavam a jogar em casa. O antigo Presidente Barack Obama e a ex-primeira-dama Michelle cresceram em Chicago, cidade onde plantaram as sementes das suas ambições políticas e de onde Obama deu o salto para a Casa Branca.
Na noite desta terça-feira, na convenção do Partido Democrata exatamente naquela cidade, ambos recorreram ao seu passado e às suas histórias de vida — tentando fazer paralelismos com a candidata Kamala Harris. “Sinto-me esperançoso, porque esta convenção sempre foi boa para miúdos com nomes estranhos que acreditam num país onde tudo é possível”, afirmou Barack Obama perante a multidão, numa referência ao seu discurso na convenção de há 20 anos, onde deu pela primeira vez nas vistas a nível nacional.
“Temos a oportunidade de eleger alguém que passou toda a sua vida a tentar dar às pessoas as mesmas oportunidades que a América lhe deu a ela”, afirmou no seu discurso o ex-Presidente, referindo-se a Kamala Harris. Um apoio particularmente relevante já que, ao contrário de outras figuras de peso do partido, Obama foi dos últimos a anunciar publicamente o apoio à candidata, especulando-se se não estaria nos bastidores a equacionar dar o seu respaldo a outro.
“Já vimos este filme. E todos sabemos que a sequela é normalmente pior.” Barack no ataque a Trump também deixou uma palavra a Biden
Agora, em Chicago, o antigo chefe de Estado foi tentar mostrar que está 100% com Kamala. Mas, mais do que isso, veio usar o seu peso e influência para atacar o adversário Donald Trump — que, ao contrário do que tem feito com Joe Biden e Kamala Harris, ainda recentemente disse “gostar” de Obama e “respeitar” o ex-casal presidencial.
É o reconhecimento de Trump da ameaça que o apoio dos Obama a Kamala representa. Mas o casal não teve a mesma delicadeza na resposta. “Donald Trump vê o poder apenas como um meio para atingir os seus fins”, decretou Barack Obama. “Já vimos este filme. E todos sabemos que a sequela é normalmente pior.”
E continuou: “As alcunhas infantis, as loucas teorias da conspiração e a estranha obsessão com o tamanho das multidões…”, enumerou o antigo Presidente, abrindo ligeiramente as mãos como se estivesse a medir o tamanho da massa de gente que ali estava — ou qualquer outra coisa subentendida—, num piscar de olho à multidão, que gargalhou.
Barack Obama clowns Trump's obsession with crowd sizes at the #DNC #DemocraticNationalConvention.
"There’s the childish nicknames, the crazy conspiracy theories, this weird obsession with crowd sizes."https://t.co/od0ozZ1VRH pic.twitter.com/7FzXfxPC05
— Rolling Stone (@RollingStone) August 21, 2024
Mas não só de farpas e graçolas se fez o discurso do ex-chefe de Estado. Houve uma palavra para Joe Biden, que está de saída — depois de “fontes próximas” de Obama terem deixado claro que o ex-Presidente considerava que Biden devia ceder o lugar o outro. “Ele olhar para o cenário político e decidir que devia passar o testemunho a outro nomeado foi certamente das coisas mais duras da vida dele”, reconheceu. “Sinto orgulho em chamar-lhe meu Presidente, mas ainda mais em chamar-lhe meu amigo.”
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Michelle Obama deixou para trás o “when they go low…“: agora é ao ataque
Mas se Barack foi a Chicago para apontar baterias a Trump, Michelle foi para as disparar sem misericórdia.
A popular antiga primeira-dama — que algumas sondagens chegaram a colocar como a democrata mais bem posicionada para derrotar o republicano na corrida presidencial — pareceu atirar janela fora a frase que cunhou na convenção de 2016, quando sentenciou “when they go low, we go high” (algo que pode ser traduzido como “Quando eles jogam baixo, nós elevamos o nível”).
Desta vez, Michelle não poupou nas palavras contra Donald Trump e aproveitou para se defender e ao marido em público dos ataques do passado. “Durante anos, Donald Trump fez tudo o que podia para tentar fazer com que as pessoas tivessem medo de nós”, disse, referindo-se provavelmente à teoria da conspiração promovida por Trump de que Obama não teria nascido nos EUA. “A sua visão limitada do mundo fê-lo sentir-se ameaçado pela existência de duas pessoas trabalhadoras, com alto nível de educação e bem sucedidas, que por acaso são negras”, afirmou a antiga primeira-dama.
Usando poucas vezes diretamente o nome de Trump, Michelle aproveitou para ligar a história pessoal dos Obama com a de Kamala, através da questão racial: “Infelizmente, sabemos o que aí vem. Sabemos que vão tentar fazer de tudo para destruir a verdade dela”, numa referência às declarações de Trump sobre Kamala em que a acusou de ter tentado “tornar-se negra” nos últimos anos (a candidata é filha de um pai negro e uma mãe indiana). “Ela entende que a muitos de nós nunca foi dada a graça de poder cair”, disse Michelle. “Se levamos um negócio à falência, não temos uma segunda, terceira ou quarta oportunidade. Quando vemos uma montanha à nossa frente, não esperamos que apareça um elevador que nos leva ao topo.”
E, depois, a antiga primeira-dama desferiu o golpe, aproveitando a afirmação repetida nos últimos meses pelo adversário de que os imigrantes estão a roubar “os empregos de negros”. “Quem é que lhe vai dizer que o emprego que ele quer neste momento pode ser um desses mesmos ‘empregos de negros’?”,
As ligações à “esperança” de 2008, mas também os avisos dos Obama
Os discursos dos Obama nesta noite de terça-feira serviram para mostrar que, apesar das dúvidas que possam ter mantido sobre a escolha de Kamala para o lugar de candidata à presidência, estão agora totalmente do seu lado e mais: preparados para exercer o papel de cães de fila no ataque a Trump, provando que não estão de todo afastados de vez da política.
Ambos usaram nos seus discursos referências à ideia de “esperança” e de que “sim, ela consegue”, ressuscitando soundbites aproximados da campanha de 2008 que elegeu Barack Obama como Presidente pela primeira vez. “A minha miúda Kamala Harris está mais do que preparada para este momento” foi o selo de qualidade de Michelle. “A América está pronta para um novo capítulo, a América está pronta para uma história melhor. Estamos prontos para Kamala Harris Presidente”, acrescentou o marido a seguir.
Mas ambos deixaram claro que não é altura de baixar os braços e que a eleição está longe de estar garantida, dando o tom: o partido, deixaram subentendido, vai ter de sujar as mãos desta vez para derrotar Trump. “Não podemos ter um complexo de ‘Caracóis Dourados’ sobre se tudo está correto”, disse Michelle, referindo-se à história infantil.
Já o antigo Presidente Barack Obama, deixou de lado as analogias e foi direto ao ponto, que deixou o aviso claro como água. “É altura de lutarmos pela América em que acreditamos. E não se enganem: vai ser uma luta.”