As autoridades italianas multaram e bloquearam por 60 dias um navio da Médicos Sem Fronteiras, por alegada violação repetida das disposições governamentais em matéria de salvamento de migrantes, decisão que a organização não-governamental (ONG) classificou esta terça-feira como “desumana”.

A medida — uma multa de 3.330 euros e a detenção administrativa do navio “Geo Barents”, propriedade da organização da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) — foi aplicada pelas autoridades policiais depois de a embarcação, de bandeira norueguesa, ter atracado na segunda-feira no porto de Salerno (sul) com 191 migrantes a bordo, entre os quais 23 menores não acompanhados, resgatados em águas territoriais líbias, em diversas operações de salvamento.

De acordo com as autoridades, o navio da MSF violou repetidamente várias disposições do chamado “decreto Cutro”, a legislação adotada no ano passado pelo atual Governo de direita e extrema-direita, liderado por Giorgia Meloni, para regular as atividades dos navios de busca e salvamento das ONG, e que impõe medidas como a obrigatoriedade de os navios desembarcarem os migrantes somente nos portos determinados pelas autoridades e a impossibilidade de procederem a mais de uma operação de salvamento.

Segundo a ONG, trata-se de uma “decisão desumana” que “põe termo à atividade dos MSF no Mediterrâneo central”.

“É a terceira vez que o nosso navio é objeto de uma medida tão punitiva por ter cumprido a sua obrigação legal de salvar vidas no mar”, deplorou a ONG nas redes sociais.

Desde o ano passado que as diversas ONG que operam no Mediterrâneo denunciam o que classificam como “uma política de guerra” que lhes é dirigida pelo executivo italiano, que acusam de restringir o acesso humanitário no Mediterrâneo Central, considerada atualmente a rota migratória mais perigosa do mundo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Qualquer desculpa é suficiente para bloquear as ONG e impedi-las de salvar as vidas que a Itália e a União Europeia gostariam de ver no fundo do mar, fechadas em campos de concentração, abandonadas no deserto”, acusou esta terça-feira a organização.

Este novo incidente entre as autoridades italianas e ONG ocorre num momento em que o centro de acolhimento de migrantes na ilha italiana de Lampedusa registou o maior pico de chegadas deste ano, acolhendo na segunda-feira perto de 900 migrantes, mais do dobro da sua capacidade.

Durante o último fim de semana, e aproveitando as boas condições no Mar Mediterrâneo, desembarcaram centenas de migrantes irregulares em Lampedusa — o território italiano mais meridional ao largo da costa africana —, levando a que o centro de acolhimento (hotspot) local ficasse sobrelotado e forçando à transferência de perto de 400 pessoas para outros centros, na ilha da Sicília e na península.

Apesar deste pico de chegadas de migrantes irregulares à ilha de Lampedusa — onde desembarcam depois de resgatados no mar pela guarda costeira ou por navios de ONG, e em alguns casos após lograrem mesmo alcançar as costas —, o fluxo migratório através do Mediterrâneo Central está muito aquém daquele registado noutros anos, designadamente no ano passado.

De acordo com dados atualizados do Ministério do Interior italiano, desembarcaram este ano nas costas italianas até à data de 26 de agosto (segunda-feira) um total de 39.566 pessoas, contra 112.494 no mesmo período do ano passado.

A título comparativo, enquanto entre sábado e segunda-feira chegaram às costas de Itália um total de 1.306 migrantes, o valor mais alto de 2024, no mesmo período (24 a 26 de agosto) do ano passado tinham desembarcado 6.471 pessoas.