O julgamento de Dominique Pélicot, e das dezenas de homens que convidou para violar a mulher depois de a drogar, continua no tribunal de Avignon. Esta sexta-feira foi a vez de ouvir a filha do casal, que se apresentou com o pseudónimo Caroline Darian e descreveu o pai como “um dos piores predadores sexuais dos últimos 20 anos”.

“Passei o dia na esquadra da polícia. Durante anos, o teu pai drogou-me e violou-me”: foram estas as palavras que Darian ouviu da mãe, Gisèle, num dia de novembro de 2020 à noite e que define como um “cataclismo” na sua vida. “Para mim, há um antes e um depois daquele dia”. Antes disso, Darian recorda uma família feliz e unida, um pai “presente e carinhoso”, cita o jornal Le Figaro.

Quando recebeu o telefonema, temeu que a mãe estivesse a ligar para lhe dizer que o pai, que tem um historial de problemas respiratórios, tinha contraído Covid-19. A notícia que recebeu foi ainda pior. Nos momentos imediatamente a seguir, recorda que o marido teve de tirar o filho da sala para não ver “a mãe a enlouquecer” e que ligou aos dois irmãos. “Chorámos. Não percebíamos o que se estava a passar. Estamos em sofrimento. Muito sofrimento. Um sofrimento que não desejo a ninguém”. No testemunho de quinta-feira, Gisèle também afirmou que o grito da filha quando soube dos abusos a ia marcar para sempre.

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Caroline Darian relatou que dias depois regressou à casa de infância, porque não conseguia explicar ao filho, que tinha entrado para a primeira classe, porque não podia voltar a ver o avô. Neste momento, Dominique Pélicot vivia sozinho — Gisèle saiu de casa assim que tomou conhecimento das violações sistemáticas.

“Regressar àquela casa depois da revelação da violência dos factos foi tortura”, partilhou. Mais tarde, descobriu ainda que os ficheiros que a polícia tinha encontrado no computador do pai incluíam fotografias suas, despida e inconsciente na cama, numa pasta chamada “Ao pé da minha filha nua“. “O que se diz a um pai que te amava mas te fotografou nua na tua própria cama sem o teu conhecimento?”, questionou em tribunal. A experiência traumática levou-a a escrever um livro chamado E deixei de te chamar pai, em 2022.

O jornal francês descreve que a filha do casal falou durante cerca de 20 minutos, com várias pausas em que se emocionou e chorou, mas mantendo sempre uma postura “quase militar”. O agressor também chorou com as palavras da filha, recusando, em alguns momentos, olhar para ela.

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“Hoje, não estou a tentar destruir o meu pai, a justiça fará isso. O que quero dizer é este caso é uma questão de submissão química. O que se faz quando a caracterização dos factos em tribunal não se compara ao que a vítima sofreu?”, perguntou ao coletivo de cinco juízes. “Como é que alguém se reconstrói das cinzas? O que é que se faz quando se sabe que o pai é o maior predador sexual dos últimos 20 anos?”, concluiu, afirmando que a sua prioridade é apoiar a mãe.

Gisèle agradece apoio, mas recusa recolha de fundos em seu nome

Esta sexta-feira, os advogados de Gisèle publicaram um comunicado em que esta agradece “a enorme quantidade de apoio por todo o mundo desde o início do julgamento”. Foi a vítima que tomou a decisão de abdicar da privacidade em tribunal, declarando que o fez por todas as mulheres que também sofreram, foram violadas ou drogadas e por todas aquelas que quer proteger destes agressores: “a vergonha tem de mudar de lado”, afirmou.

“Ainda assim, a nossa cliente deseja preservar a dignidade e a serenidade dos debates que estão a decorrer. Por isso, pede moderação nas redes sociais, não quer que campanhas de recolhas de fundos sejam abertas e pede que as que já foram abertas sejam encerradas”, pode ler-se no comunicado citado pelo Le Monde. Pelo menos uma angariação de fundos já tinha sido criada na internet, que acumulou 40 mil euros em onze horas.