Não é só pó a voar dois mil quilómetros. Dentro da poeira vivem micróbios que não morrem facilmente e podem vir a contaminar pessoas muito longe do foco inicial da infeção. Pela primeira vez, cientistas concluíram que os micróbios podem viajar milhares de quilómetros e ainda assim provocar doenças ao ser humano.

Foram recolhidas amostras de pó do ar circundante acima do Japão: alguns dos microrganismos estavam vivos e prontos a replicar-se e outros, além de sobreviver depois de longas distâncias ao sabor do vento, apresentaram genes de resistência a alguns antibióticos. O que só por si já é preocupante, alertam especialistas.

As amostras estudadas identificaram ainda diversidade no que toca a bactérias e fungos. Xavier Rodó, professor que liderou o estudo do Instituto de Saúde Global de Barcelona, alerta para a importância do ar que respiramos: “30 a 40% dos micróbios revelaram-se patogénicos” e muitos outros “patogénicos oportunistas” (espécie que ataca pessoas com o sistema imunitário enfraquecido).

O objetivo inicial do estudo publicado esta segunda-feira no jornal ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’ era analisar a química das partículas de pó, mas os cientistas, surpreendidos por descobrir diversos tipos de micróbios, avançaram na investigação microbiológica. Rodó realça que “se devia estar a utilizar os novos métodos para recolher amostras e ver o que existe. Estas bactérias e fungos são capazes de resistir a condições muito adversas no ambiente”.

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No entanto, não será fácil ser infetado por estes micróbios vindos de longe. Chris Thomas, professor na Universidade de Birmingham, sublinha a baixa probabilidade de isso acontecer:

As hipóteses de receber uma dose infecciosa [vinda nestas partículas que viajam com ventos fortes] devem ser consideravelmente menores do que quando se encontra uma pessoa infetada num avião, ou mesmo quando se vai de férias para um país estrangeiro. O estudo também implica que as poeiras e os produtos químicos transportados no ar podem ser mais nocivos [como poluição atmosférica] do que os micróbios”.

A maioria das amostras de pó foram recolhidas nos céus do Japão — a cerca de três quilómetros de altura —, sendo que as recolhas mais elevadas estavam acima da Camada Limite Atmosférica (CLA), onde o vento é sempre mais forte.

As análises permitiram descobrir que as partículas viajaram cerca de 2.000 quilómetros desde a China. Os testes químicos demonstraram ainda que as amostras tinham diversas características de zonas agrícolas: pesticidas, fertilizantes e até estrume de animal. Já os micróbios estavam instalados dentro das partículas e, assim, tinham um escudo de proteção contra a luz ultravioleta e a desidratação.

Mais: Xavier Rodó conclui que a chuva pode fazer chegar estas partículas ao solo quando refere que os micróbios patogénicos se localizam nos céus do planeta. “A identificação de organismos patogénicos acima da Camada Limite Atmosférica indica que grandes porções da troposfera podem tornar-se potenciais reservatórios e atuar como disseminadores a longa distância de uma grande variedade de micróbios”, adianta.

Esta não foi a primeira vez que se chegou à conclusão de que as bactérias e fungos viáveis podem viajar longas distâncias na poeira do solo, por exemplo, de África para as Caraíbas. Mas os investigadores afirmam que “o isolamento de espécies nocivas para os seres humanos nunca tinha sido registado em distâncias tão longas”.

Allen Haddrell, investigador da Universidade de Bristol, vai mais longe e conclui que esta descoberta revela um “problema” para a humanidade. Se “muitos estudos registaram a presença de genes de resistência antimicrobiana no ar” antes, agora  ficou provado que “existe um meio físico através do qual os genes podem propagar-se a distâncias extremamente longas”, sublinhou ao jornal britânico The Guardian.

“Além disso, os genes são transportados em organismos vivos, pelo que têm uma maior probabilidade de passar quando o aerossol se instala. A longo prazo, isto vai ser um problema”, alertou o especialista aludindo à questão da resistência aos antibióticos, um assunto que há anos preocupa a comunidade científica.

Texto editado por Dulce Neto